Enquanto Anitta, Ludmilla e Pabllo Vittar bombam com parcerias em espanhol (e inglês), é também verdade que nomes do pop latino veem em feats com o Brasil uma porta de entrada em dos maiores mercados musicais do mundo. Mas isso não é necessariamente uma novidade.
Ariel Quirino, head de comunicação da cantora mexicana Dulce María e co-CEO da agência Ariprensa, fala com exclusividade ao TMDQA! sobre como cantores latinos já fazem parte da musicalidade dos brasileiros há décadas.
Artistas como Shakira, Maná e Thalía ganharam destaque nas trilhas sonoras das novelas nos anos 90 e 2000. Hoje, com a força das redes sociais e plataformas de áudio, onde os usuários escolhem o que ouvir, surgem novos desafios: como manter o interesse pelos artistas latinos? A estratégia encontrada foi unir o relacionamento já estabelecido com a novidade dos cantores brasileiros através de feats com a cara do Brasil.
Um exemplo desse movimento é a própria Dulce María, conhecida inicialmente como integrante do RBD e que até hoje nutre um relacionamento com seus fãs brasileiros. Para manter a proximidade com esses ouvintes, que cresceram ouvindo as músicas da banda teen e hoje são adultos, a estratégia foi aliar a força da mexicana com nomes em ascensão no país. A abordagem incluiu buscar feats com cantores como Marília Mendonça e explorar gêneros de grande aceitação, como o funk e o brega funk.
O sucesso dessa união é evidenciado pelos números. Segundo uma pesquisa do Spotify, houve um aumento de 170% nas execuções de músicas latinas na plataforma nos últimos cinco anos. Dulce María ficou entre as 10 mexicanas com mais ouvintes mensais no Spotify e estreou no ranking top 200 Brasil.
Neste contexto, Ariel Quirino se mostra em uma posição única para analisar o mercado brasileiro e suas conexões com a música da América Latina. O CEO e manager falou com o TMDQA! sobre as experiências e estratégias que têm consolidado a presença de artistas por aqui.
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TMDQA! Entrevista: Ariel Quirino
TMDQA!: Seguindo uma tendência mundial, o mercado musical latino tem mostrado um crescimento significativo no Brasil, mas há muito trabalho envolvido! Quais são os principais desafios para conquistar este espaço?
Ariel Quirino: Um dos principais desafios ainda é o idioma. Muitos artistas latinos são colocados na “caixinha” do portunhol, que é compreendido, mas não é suficiente para uma conexão mais profunda com o público brasileiro. Os artistas latinos que conseguiram conquistar o Brasil, o fizeram através de novelas, que falam diretamente ao coração do público, ou se dedicando a aprender português. Além disso, a cultura musical e os ritmos latinos muitas vezes são desconhecidos para o público brasileiro, o que cria uma barreira a mais. Por isso, além do idioma, há a necessidade de familiarizar o público com novos estilos e sonoridades.
TMDQA!: A que você credita essa mais recente onda de popularidade dos artistas do pop latino, do reggaeton, do trap em espanhol e outros ritmos nas playlists dos brasileiros?
Ariel Quirino: A personalidade. Os artistas que conseguiram superar a barreira do idioma se conectaram com o público através de sua identidade única, moda, estilo de se vestir e lifestyle. Rosalía é um grande exemplo: suas unhas marcantes, o conceito visual e a moda que ela trouxe com seu último projeto criaram uma forma distinta de ser Rosalía. Nos shows dela, é comum ver fãs vestidos como ela. Sua maneira de se expressar nas redes sociais gera identificação, pois é casual, natural e simples. Por outro lado, temos Karol G, que no palco traz uma identidade de artista pop, muitas vezes com influências dos anos 2000. Ela prioriza a imagem e o estilo, deixando em segundo plano a música, gênero e idioma, ela trouxe uma nova imagem ao reggaeton, o fez virar pop.
TMDQA!: Apesar de certa resistência do público brasileiro com a música em espanhol, o país tem uma forte conexão com alguns artistas latinos específicos, especialmente através das trilhas sonoras de novelas. Como vocês trabalharam para aproveitar essa relação histórica e fortalecer a presença de Dulce María no mercado?
Ariel Quirino: É um desafio significativo. Nunca nada vai ser maior do que a visibilidade que uma novela diária proporciona a um artista, seja como trilha sonora ou personagem. Quando comecei a trabalhar com a Dulce há quase 10 anos, identifiquei que havia falhas na comunicação dela com o público brasileiro. Após o fim do RBD, Dulce perdeu espaço em revistas, jornais e entre marcas, o que diminuiu sua presença no cotidiano dos brasileiros.
Depois de quase 10 anos, resgatamos essa relação, reconectamos a Dulce com os jornalistas, marcas e o público brasileiro. Hoje, quando a Dulce aparece em um jornal nas bancas, a edição se esgota em poucas horas. Ela faz publicidade no Brasil, participa remotamente de programas de TV diretamente do México e colabora com artistas brasileiros de destaque, como Kevin O Chris. Por exemplo, Dulce foi inserida em shows e festivais de música no Brasil e suas músicas tocam em bailes e rádios. Também conseguimos inseri-la indiretamente em eventos importantes, como o Rock in Rio Lisboa, ao lado de Rebecca.
Meu trabalho é garantir que a presença da Dulce María no Brasil seja constante e estratégica, mesmo que ela não esteja fisicamente no país. Cada movimento dela é pensado com cuidado para manter sua relevância e conexão com o público brasileiro.
TMDQA!: Em termos de marketing e comunicação, quais foram as principais ações que contribuíram para que Dulce María se tornasse uma das 10 artistas mexicanas mais ouvidas no Spotify Brasil?
Ariel Quirino: A estratégia envolveu várias ações coordenadas. Primeiro, com o lançamento do feat com Kevin [O Chris], buscamos não apenas uma colaboração musical, mas a criação de um movimento dentro da cena do funk. Isso incluiu a participação de MC Carol de Niterói, Tati Quebra Barraco, Valesca, Rebecca e Pocah, todas integradas no marketing da música.
No México, aproveitamos a visibilidade de um dos programas de maior audiência na TV, o Masked Singer, para na mesma época em que ele estava no ar, lançar o álbum da Dulce María que já estava pronto. Essa exposição na TV, dela participando desse reality, alavancou o nome dela e consequentemente, o álbum.
Trouxemos também uma colaboração com a Marília Mendonça. O álbum da Dulce era no estilo folk, o que se encaixava perfeitamente com country e sertanejo, além da letra que conversa com o repertório de ambas, criando uma conexão genuína entre as duas artistas.
Além disso, desenvolvemos um projeto especial do Spotify Single com Rebecca, Mc Danny e a rapper colombiana Farina. Essas parcerias permitiram que Dulce estivesse presente no repertório de outros cinco artistas enquanto trabalhava em paralelo no seu álbum “Origen”, que atualmente possui quase 30 milhões de streams.
Essa combinação de estratégias não só ajudou Dulce Maria a alcançar o top 10 das artistas mexicanas mais ouvidas globalmente, mas também a se destacar como a única artista a conseguir dois debuts no Top 200 Brasil cantando em espanhol.
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TMDQA!: A força das redes sociais tem sido crucial para manter a relevância dos artistas. Quais estratégias específicas você utilizou para aumentar o engajamento dos fãs brasileiros com esse segmento?
Ariel Quirino: Fazer o que ninguém está fazendo. Foi basicamente o que fizemos na tour do RBD que a fez ganhar milhões de seguidores. Me lembro que em uma semana no Brasil ganhamos mais de 1 milhão de seguidores. Nosso sucesso foi baseado em ouvir os fãs e entender o que eles gostam em outras divas pop, mas sempre optando por ações contrárias às tendências convencionais.
Inicialmente funcionou bastante, compartilhamos os bastidores de forma criativa, mostrando onde Dulce María se arrumava, como era o ambiente atrás do palco e o que ela fazia nos momentos de preparação. Respondíamos a essas curiosidades com fotos posadas no feed, o que gerava um alto nível de engajamento.
Quando percebemos que essa estratégia estava se saturando, mudamos nosso enfoque para vídeos em tempo real, sem edições. Em uma era de alta edição de fotos e vídeos, decidimos mostrar o lado autêntico e cru de Dulce Maria, com performances ao vivo e momentos naturais. Isso permitiu que os fãs se sentissem mais próximos e conectados com a artista. As pessoas sempre querem mostrar que tem uma equipe enorme por trás, cuidando, editando, mas na verdade o fã não quer ver nada disso, ele quer acompanhar o natural e real.
Estudar o público é essencial, pois uma estratégia que funciona para um artista pode não funcionar para outro. Portanto, sempre fomos contra a maré, buscando fazer o que ninguém mais estava fazendo. Ousar e estar disposto a errar faz parte do processo. Mas com certeza a chave é: entenda o que o seu fã quer.
TMDQA!: Como a estratégia de parcerias entre artistas latinos e brasileiros fortalece a presença da música em espanhol nas plataformas de streaming no Brasil? Você poderia compartilhar algum insight ou aprendizado importante obtido durante o desenvolvimento dessas colaborações?
Ariel Quirino: A música latina não tem prateleira no Brasil. Para que o público brasileiro consuma música latina, é necessário um esforço e vontade, já que as músicas latinas não aparecem aleatoriamente nas plataformas, playlists ou rádios brasileiras. Quando um artista latino colabora com um artista daqui, ele ganha um “espaço” na prateleira daquele artista, no mercado brasileiro, sendo inserido em playlists e podendo até tocar nas rádios locais.
No caso de Dulce Maria, por exemplo, não há playlists específicas de pop mexicano ou folk em espanhol com grande alcance no Brasil. Portanto, colaborações são essenciais para alcançar o público em massa. Uma das chaves que posso compartilhar é: unir propósitos que vão além da música. Embora os números sejam importantes e muitas vezes as colaborações possam parecer aleatórias, o que importa é alinhar a verdade e a autenticidade dos artistas envolvidos. Isso gera uma conexão genuína, fazendo com que as fanbases de ambos os artistas acreditem e se envolvam no projeto.
TMDQA!: Qual é a importância dos dados e das métricas de streaming na elaboração de estratégias de marketing para música latina no Brasil?
Ariel Quirino: Se um artista latino se concentrar apenas nas métricas de streaming para iniciar seu trabalho no Brasil, eu sugiro que nem tente (risos). O consumo de música latina aqui ainda é quase nulo comparado aos Estados Unidos, claro, levando em consideração a menor presença de latinos vivendo aqui. É importante o estudo das métricas de streaming, mas é preciso olhar também para outros cases de sucesso para entender como outros artistas entraram e se estabeleceram no mercado brasileiro. Por onde eles entraram? Através de qual meio? O que fizeram que eles continuassem fortes no Brasil?
Exemplos como Shakira, que não domina os tops das paradas brasileiras nem é muito tocada nas rádios, mas ainda assim consegue lotar estádios quando se apresenta no Brasil, mostram que há outras maneiras de medir e alcançar sucesso. Artistas como Maná também ilustram essa tendência.
Apesar do estudo dos dados de streaming ser relevante, não deve ser o foco principal para artistas latinos que desejam entrar no mercado brasileiro. Arrisco dizer que aqueles que falham foram os que se concentraram exclusivamente nessas métricas, esquecendo de estudar o mercado e as estratégias adequadas para entrar nele. Em uma era onde streamings, tops e posições são altamente valorizados, é fácil esquecer a importância de entender o mercado local e encontrar maneiras já usadas antes de se conectar com o público.
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TMDQA!: Como você enxerga o futuro da música latina no Brasil e quais são as tendências que podemos esperar nos próximos anos?
Ariel Quirino: O Brasil já consome música latina, mais hoje do que no passado, mas ainda estamos longe de ter um mercado consolidado para esse gênero no país. Um ponto que pessoalmente me preocupa é a maneira como os artistas latinos promovem seu trabalho aqui. Muitas vezes, a divulgação é intensa apenas durante a visita do artista, mas depois o mercado é esquecido, resultando em uma conexão superficial com o público brasileiro.
Na minha visão, um caminho eficaz para artistas latinos tem sido há anos, a inclusão de suas músicas em trilhas sonoras de novelas brasileiras, mas muitos nomes da atualidade ignoram essa estratégia. Em vez disso, alguns buscam colaborações com os maiores artistas brasileiros do Spotify ou artistas com milhões de seguidores no Instagram, utilizando fórmulas que já se mostraram fracassadas. Não se mantém, você lança hoje com Anitta ou Pabllo Vittar, e se não continua trabalhando pra esse público, cai no esquecimento.
Estudar o público brasileiro é essencial! O Brasil não é um mercado em que se pode entrar apenas com um ou dois feats. É necessário entender profundamente as preferências e comportamentos do público local, além de uma presença constante e uma conexão autêntica com os fãs.
No futuro, podemos esperar um aumento gradual no consumo de música latina no Brasil, mas os artistas terão que adotar abordagens mais estratégicas e sustentáveis para conquistar e manter seu espaço. As colaborações genuínas, a presença constante e o uso inteligente em novelas, de participação em programas e vindas mais contínuas, serão fundamentais para esse crescimento.