Retorno às origens

TMDQA! Entrevista: PJ Morton (Maroon 5) comenta novo disco solo, feito em viagem pela África

Novo disco coincide com lançamento de autobiografia e estreia de atração da Disney com sua música

PJ Morton - Photo by Patrick Melon
Crédito: Patrick Melon

PJ Morton está acostumado a viajar o mundo, principalmente com uma “pequena” banda onde toca teclados, o Maroon 5. Mas, no seu trabalho solo, o músico também preza pelas jornadas.

Morton acaba de lançar Cape Town to Cairo, um álbum que reflete sua profunda conexão com a África e sua viagem criativa pelo continente. O artista, que acumula cinco Grammys e uma carreira marcada pela fusão de jazz, R&B e gospel, mergulhou nas culturas africanas durante uma imersiva viagem de 30 dias, resultando em um trabalho que explora as raízes da diáspora africana com autenticidade e intensidade. 

Neste novo trabalho, PJ Morton conseguiu traduzir em música as emoções vivenciadas ao longo de sua jornada, colaborando com artistas e músicos da África do Sul, Gana, Egito e Nigéria para criar uma obra que transborda diversidade cultural.

Além de seu novo disco, PJ continua expandindo seu impacto na indústria criativa. Ele está prestes a lançar uma autobiografia, Saturday Night, Sunday Morning, que explora os desafios de sua trajetória na música, fé e raça, oferecendo uma visão íntima de sua evolução de um filho de pastor a um dos músicos mais respeitados do cenário atual. 

Morton também comemorou a estreia da atração Tiana’s Bayou Adventure, baseada no filme A Princesa e o Sapo, no parque da Disney, onde se torna o primeiro compositor negro a criar a trilha sonora de um brinquedo no parque temático mais famoso do mundo. Este feito histórico reflete seu compromisso em usar a arte para quebrar barreiras e inspirar novas gerações.

Com uma agenda intensa, que inclui uma nova turnê solo pelos Estados Unidos e uma residência em Las Vegas com o Maroon 5, PJ Morton demonstra que sua criatividade e relevância permanecem em alta. Cape Town to Cairo se tornou uma expressão de identidade e de herança cultural, solidificando Morton como uma ponte entre Nova Orleans e a África, conectando continentes e culturas através da música.

O músico também se conectou ao Tenho Mais Discos Que Amigos! direto de seu home studio para um papo sincero sobre origens e os pontos que nos unem. Confira a conversa abaixo!

Continua após o vídeo

TMDQA! Entrevista: PJ Morton

TMDQA!: Como vai, PJ? É tão bom falar com você!

PJ Morton: Estou muito bem. Como você está?

TMDQA!: Nada mal. É claro que quero falar com você sobre este novo álbum. É lindo. Parabéns.

PJ Morton: Muito obrigado.

TMDQA!: Claro! Como o título diz, é uma jornada. E foi criado nesta viagem pela África. Podemos ouvir como isso mudou você em um nível musical. Acho que minha primeira pergunta é: como isso te mudou em um nível pessoal?

PJ Morton: Sim, isso me fez olhar ainda mais para dentro. Acho que sendo um homem negro nos Estados unidos, há muitas perguntas sem resposta, como de onde você veio, com quem você está conectado? E então eu acho que para mim, isso conectou muitos pontos. Até mesmo a música que eu amo, a comida que eu amo — sendo de Nova Orleans, que era um grande centro para africanos escravizados, sabe? Acho que há tanta mistura que aconteceu em Nova Orleans que muitas dessas coisas já faziam parte de mim, mas eu não conseguia sentir a conexão porque eu nunca tinha estado no continente [africano].

E então, para mim, isso foi uma grande mudança pessoal, só de conseguir conectar esses pontos e resolver isso em mim. Acho que me deixou não apenas mais confiante, mas seguro de mim mesmo, da música e de quem eu sou, minha identidade. Tudo isso foi confirmado de muitas maneiras.

TMDQA!: Sim, e isso transparece totalmente na música. Eu sei que você não escreveu nada antes de chegar na África e não escreveu nada depois de sair. Mas mesmo antes de chegar lá, você tinha que ter algum tipo de plano, certo? Até mesmo uma visão do que você queria alcançar. Então, estou curiosa sobre como você planejou quais países visitar, com quais artistas colaboraria e quão diferente era a expectativa em relação à realidade.

PJ Morton: Sim, bem, o lado bom é que eu não tinha muita expectativa, o que não deixou todo mundo feliz, tipo meus parceiros e a equipe, eles queriam algo! Eles ficavam tipo, “Você pode nos dar uma pequena ideia do que…” e eu falava, “Eu literalmente não sei o que vai acontecer”, sabe? Nós basicamente escolhemos os países com base em onde poderíamos fazer shows e onde tínhamos artistas lá com quem sabíamos que poderíamos colaborar e produtores onde a Empire [gravadora de PJ] tinha pessoas no local.

Então foi assim que escolhemos África do Sul, Nigéria, Gana e Egito. E então eu não tinha expectativas. Essa foi a primeira coisa, porque eu literalmente não tinha como esperar nada. Eu sabia o que não queria fazer, não tentar ser algo que eu não era. Eu não queria tentar fazer um álbum de Afrobeats porque isso está em alta. Eu só queria ser eu mesmo e ver como esse lugar me influenciou.

E então o que realmente aconteceu foi que eu não tive tempo para silenciar nenhuma parte de mim mesmo. Eu não tive o luxo de dizer, “Não, essa é uma música pop. Eu preciso escrever uma música de R&B”. Eu tive que confiar que o que quer que estivesse saindo era o que deveria sair. Então o que resultou foi uma jornada por todos os tipos de sons e todas as coisas que me inspiraram e me influenciaram, que são música gospel, R&B, música soul, pop, todas essas coisas no meio da África sendo o pano de fundo e os ritmos e as coisas que eu estava vivenciando lá. Então foi uma bela combinação de muitas coisas.

Continua após o vídeo

TMDQA!: E falando em estar aberto a isso, essa viagem coincidiu com uma época em que você estava escrevendo sua autobiografia, pelo que eu entendi — o que é uma maneira diferente de olhar para a mesma coisa, como suas raízes, de onde você veio. Como esses dois projetos se complementaram e afetaram um ao outro?

PJ Morton: Sim, bem, eu já estava trabalhando no livro de memórias. Eu tive que, é claro, fazer uma pausa enquanto estava na África por 30 dias porque eu tinha muito o que fazer. Eu tive que viajar por esses quatro países e escrever um novo álbum completamente. Então eu não estava pensando no livro na época. Mas depois que fizemos essa jornada e eu pude revisitar a viagem e continuar escrevendo o livro, tudo meio que fez sentido como um final ou como uma corrente, onde agora estamos conhecendo minha história.

Neste livro, é esse o fio condutor. Eu sempre segui meu próprio caminho. E esta viagem para a África não é diferente de eu dizer, “tudo bem, vou levar minha banda inteira para a África pela primeira vez. E vou fazer um álbum em 30 dias”. Isso sempre foi a minha cara. E eu não percebia isso. Então, só de conectar esses pontos realmente fez o livro se tornar ainda mais familiar para mim, fez ainda mais sentido.

TMDQA!: Sim, aposto. E você estava dizendo que não tinha expectativas. Mas sinto que a maioria de nós cresceu com uma ideia da África. Talvez seja algo místico ou talvez até preconceituoso. Não sei, depende de onde você vem. Então, acho que estou curiosa sobre o que mais te surpreendeu nos lugares que você visitou, nas pessoas que você conheceu, na comida que você provou.

PJ Morton: É verdade. Quer dizer, felizmente, tenho amigos no mundo todo. Então, pelo menos, tive acesso a algumas coisas que outros não tiveram. Mas, para mim, uma das coisas mais surpreendentes quando cheguei na Cidade do Cabo foi só a beleza, as montanhas e o verde. E, tipo, essas não são imagens que me foram mostradas da África enquanto crescia nos Estados Unidos. Geralmente eram as partes mais pobres da África, sabe do que estou falando? As “piores” partes da África. Nunca foi mostrada a beleza, e é isso que a África é, é linda e rica em cultura.

E então, para mim, essa foi a primeira coisa. É tipo, “cara, eu poderia viver aqui”, essa foi a primeira coisa que senti. E isso continuou a acontecer repetidamente por meio das pessoas. Foi um processo de simplesmente derrubar todos esses folclores que as pessoas diziam e me mostravam. Eu pude ver todas as partes da África e pude ver as diferenças. Estava na minha ignorância, pensando, “Na África do Sul, vamos usar o piano; na Nigéria, vamos apenas fazer Afrobeats”… Você acha que é tudo uma coisa só quando está fora da África, você pensa “isso é tudo Afrobeats”. Então essa parte educativa e vivenciar a África foi incrível para mim e revelador.

E espero que através disso, mesmo através do documentário — porque documentamos cada passo dessa viagem —, as pessoas pelo menos vejam todos os lados da África e espero que abram seus olhos um pouco mais. Algumas pessoas nunca chegarão à África. Então espero que elas possam ver um pouco disso através de mim e que continuemos a derrubar alguns desses equívocos.

TMDQA!: Sim, com certeza. E você disse que não tinha intenção de fazer um álbum de Afrobeats, mas você colaborou com o próprio Fireboy DML. Então você pelo menos mergulhou um dedinho e estava em Lagos, afinal! Então eu queria ter sua perspectiva como alguém que está nessa indústria há um bom tempo, de como você vê o potencial que o Afrobeats tem para sair ainda mais da África e conquistar o mundo, para se tornar mais popular.

PJ Morton: Sim. Eu experimentei com o Afrobeats, mas apenas porque foi de uma forma natural. Eu não queria me preparar para fazer isso antes de chegar à África. Se não fizesse um Afrobeats, tudo bem também. “I Found You” é uma canção de amor R&B. “All the Dreamers” era tipo uma canção afro-cubana. “Simunye” é um spiritual. Então eu me permiti ir a todos os lugares, incluindo o Afrobeats. Trabalhar com Fireboy foi incrível. 

Mas eu acho que já está acontecendo [o crescimento do Afrobeats]. Ele está começando a dominar, pelo menos nos Estados Unidos. Vejo o que Burna Boy fez nos EUA, lotando arenas e fazendo shows enormes… Acho que as pessoas estão entrando nessa porque o ritmo é contagiante. E também está no coração de tudo o que criamos na música popular, realmente. Quer dizer, a África está em tudo isso. Estou apenas começando a conectar esses pontos. Eu quase não consigo deixar de ouvir a África em quase tudo agora, porque ela está lá não apenas nos ritmos, mas nos instrumentos criados, as guitarras e os banjos que foram criados na África e nos trazem os três acordes que nos levam à música pop. 

É por isso que eu acho que “Count On Me” com Fireboy pode ser uma música Afrobeats e uma música pop, se misturando, porque tudo está conectado. E então, sim, eu me permiti fazer isso. E eu acho que o Afrobeats vai continuar crescendo porque é contagiante e é familiar de uma forma que não vemos de cara, mas é familiar em nossos corpos, porque sempre esteve lá.

Continua após o vídeo

TMDQA!: Falando em ficar cada vez maior, você continua inovando, porque é o primeiro artista negro a escrever uma música para uma atração da Disney. E eu vi que você postou no TikTok que você fez o passeio e eu fiquei com muita inveja!

PJ Morton: Ah sim, foi incrível.

TMDQA!: Então o que isso significa, especialmente considerando que demorou tanto para artistas negros receberem essa honra, que ela foi dada a você?

PJ Morton: Sim. Quer dizer, isso literalmente me surpreende. Eu sempre quis escrever músicas para a Disney desde que eu era criança. Mas eu nunca pensei em uma atração, em um brinquedo físico para o qual eu escreveria uma música. Eu sempre pensei que seria um filme da Disney ou algo assim, mas [é emocionante] ser o primeiro e estrear a atração com minha filha de 11 anos, ver seus olhos brilharem ao se ver representada na Disney World, um lugar onde estive minha vida inteira e agora estou lá e o pai dela escreveu essa música… Eu só sei que isso vai ter um efeito duradouro no que a Disney faz, a habilidade de sonhar e sonhar qualquer possibilidade. Eu acho que isso abre essa porta ainda mais.

E para mim, eu não consigo acreditar que sou eu, mas eu estou tão honrado. Isso vai muito além. Eu nem sonhei com isso, isso foi maior do que qualquer coisa que eu poderia sonhar. Então é bem incrível.

TMDQA!: Sim, aposto! Sei que temos que encerrar. Mas tenho uma última pergunta. Sei que você veio ao Brasil e tocou com o Maroon 5 e fez seu show solo. E assim como sua cidade natal, Nova Orleans, certas partes do Brasil podem parecer que você está na África.

PJ Morton: Sim.

TMDQA!: Quer dizer, foi isso o que o Jon Batiste me disse, que ele se sentia em casa e que a África era um fio condutor. Então, como você vê o que nos conecta em um nível de alma, cultural e musical?

PJ Morton: Bem, claro, esse é meu amigo, Jon. Ele também sabe como é Nova Orleans. E eu me lembro da minha primeira vez com o Maroon no nosso primeiro Rock in Rio, percebi como o público estava em sintonia, o quão apaixonados os fãs brasileiros são por música. Isso me lembra muito de casa porque você não precisa ser músico, não precisa estar na música para que ela seja parte de você. Porque a música é apenas parte integral… a música, a comida simplesmente fazem parte de quem você é.

E é isso que eu sinto quando estou no Brasil. Quer dizer, eu já estive em outras partes, é claro, com o Maroon 5, estivemos por todo o Brasil. E mesmo quando vi alguns lugares com pessoas de pele mais escura, em certas partes do Brasil, eu pensei, “parece mesmo a África”. Isso parece meu povo, também parece Nova Orleans, mas provavelmente é porque Nova Orleans parece a África, e tudo está conectado. Então, desde o primeiro dia, sempre senti uma conexão com os fãs brasileiros, mesmo antes de fazer um show solo.

E então no show solo no ano passado, foi apenas um show de piano, o amor que recebi foi imediato. É quase como se estivéssemos fazendo isso há anos. Então, mal posso esperar para voltar com toda a minha banda, com o Afro Orleans, e tocar, porque sei que continuaremos crescendo juntos. É a mesma linguagem de alguma forma, de amor. E então concordo com Jon nisso 100%.

TMDQA!: É a linguagem da música. É mágico.

PJ Morton: Com certeza.

TMDQA!: Sim! Muito obrigada, PJ. Espero vê-lo aqui em breve.

PJ Morton: Sim, estou ansioso por isso! Muito obrigado.