“Se você está perdido e sozinho / Ou está afundando como uma pedra / Siga em frente / Que o passado tenha o som de seus pés tocando o chão / Siga em frente”, canta Nate Ruess em “Carry On”, do Fun.. A visão otimista diante das dificuldades se tornou o combustível necessário para uma campanha inovadora com assinatura sonora da Canja Audio Culture.
O filme 47 se tornou uma animação de 6 minutos assinada pelo também paulistano Zombie Studio, dirigida por Paulo Garcia e Natalia Gouvea para o Café Joyeux, uma rede de cafés-restaurantes que emprega pessoas com deficiência intelectual e de desenvolvimento. O curta-metragem foi inspirado na história real de um funcionário do Joyeux com síndrome de Down que só conseguiu seu primeiro emprego aos 47 anos. Escrito pela Klick Health, o filme narra a jornada de Robert, um personagem que enfrenta desafios ao longo da vida, simbolizados por um veleiro, até encontrar aceitação e propósito no Café Joyeux.
O design do personagem foi criado por Bruno Jacob e sua filha Luna, que também tem síndrome de Down. A trilha sonora, desenvolvida pela Canja, inclui uma versão acústica de “Carry On” regravada por Sujeet Desai e complementada pelos efeitos sonoros de José Omar Davila, maestro e percussionista venezuelano, ambos com Down. O filme utiliza stop-motion, com direção de arte que enfatiza a visão de mundo de Robert, destacando o papel das cores e proporções na narrativa.
A recepção tem sido mais que positiva. A campanha recebeu reconhecimento internacional ao ganhar Grand Prix e outros prêmios em categoria técnica de áudio no Festival 2024 Clio Health e quatro Leões no Cannes Lions 2024, incluindo um Silver em uma das principais categorias do festival, a de filme.
Filipe Resende, fundador e diretor musical da Canja, liderou um projeto sonoro ousado que alia tecnologia e criatividade para transformar a vida das pessoas. Junto desse time de peso, ele criou uma obra que vai além da música, ressaltando o poder transformador do áudio. A utilização da inteligência artificial foi essencial para harmonizar as contribuições desses talentos, resultando em uma trilha sonora que complementa a narrativa visual e amplifica a mensagem. A IA foi a responsável por recriar o vocal de Ruess em uma regravação acústica.
A campanha destaca o compromisso da Canja em utilizar a publicidade e a produção de áudio como ferramentas para a mudança social. Para Filipe Resende, projetos como esse reforçam a importância de olhar para a inteligência artificial não apenas como uma tecnologia, mas como um meio de potencializar a inclusão e o empoderamento de comunidades com pouca visibilidade, criando um impacto positivo.
Esses foram alguns dos temas que passaram pelo nosso papo com o diretor de áudio. Confira logo abaixo!
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TMDQA! Entrevista: Filipe Resende (Canja Audio Culture)
TMDQA!: Olá, Filipe! Como surgiu a ideia de utilizar inteligência artificial em uma campanha voltada para inclusão social, e como esse conceito foi integrado ao projeto “47”?
Filipe Resende: A ideia surgiu de uma necessidade. Fazemos testes de inteligências artificiais constantemente com o nosso time, por isso já estamos acostumados com essas ferramentas no dia a dia da produtora e como o Nate (vocalista da banda Fun.) não pôde regravar a voz, com a autorização da banda, extraímos sua voz com a ferramenta Moises.ai pra usar na nossa produção.
TMDQA!: Qual foi o processo de seleção e envolvimento de artistas como Sujeet Desai e José Omar Dávila na produção de áudio? Que critérios foram considerados na escolha desses talentos?
Filipe Resende: Encontrar eles e fazer o primeiro contato não foi fácil. Quando eu dei a ideia de trazer músicos com síndrome de Down para o projeto, ainda não tínhamos claro quem seriam. Primeiro encontrei o José Omar, percussionista e condutor de orquestra através do Instagram, o que combinou com a nossa necessidade de fazer o sound design do projeto. Ainda precisávamos de instrumentos harmônicos e melódicos. Foi então que a nossa produtora executiva, Vanessa Mafra, encontrou o Sujeet Desai através do Facebook. Estabelecemos contato, eles foram respondendo e se engajando bastante com o projeto.
TMDQA!: Quais foram os maiores desafios técnicos e criativos encontrados na integração de talentos com necessidades especiais e a utilização de inteligência artificial na produção de áudio do curta-metragem?
Filipe Resende: Como as inteligências artificiais vão evoluindo a cada dia é um pouco difícil chegar nos resultados esperados de primeira, então o maior desafio foi ter um output que achássemos bom o suficiente para usar a voz do Nate.
Gravar o José Omar remotamente foi desafiador, pois na Venezuela as pessoas sofrem muitas vezes com falta de energia elétrica e o estúdio parceiro que utilizamos para gravar ficou sem energia bem no horário que combinamos a gravação. A energia voltou depois de uma hora e meia. Foi angustiante, mas não perdemos a positividade em momento algum e deu tudo certo no final. O José Omar estava muito feliz e empolgado para gravar, ele é sempre assim. Inclusive, até hoje conversamos com eles.
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TMDQA!: Como foi a experiência de gravar Sujeet Desai em Buffalo e dirigir José Omar Dávila remotamente na Venezuela? Que aprendizados e momentos marcantes vocês destacariam dessas interações?
Filipe Resende: Ir para Buffalo gravar o Sujeet foi uma das experiências mais impactantes da minha vida. Ver a ideia se realizando e conhecer uma cidade que eu jamais imaginaria conhecer. A gravação foi no estúdio do baixista do Goo Goo Dolls (GCR Audio). Estar ali naquele momento gravando o Sujeet com sua mãe e sua professora de piano, no estúdio de uma banda que eu admiro muito, foi um momento mágico que eu jamais vou esquecer. Sujeet é bem culto, interessado e questionador a sua interpretação acrescentou uma camada poética à música, capturando perfeitamente a essência da jornada do personagem do curta-metragem.
José Omar é um cara muito extrovertido e está sempre muito agradecido e feliz com a vida. É um condutor de orquestra bastante conhecido na Venezuela e é capaz de conduzir orquestras completas. A gravação com o José Omar foi direcionada online e ocorreu em um estúdio em Mérida, na Venezuela. Durante a gravação ele sempre falava “te quiero mucho!” para nós que estávamos na chamada de vídeo. Sua participação adicionou profundidade e autenticidade ao projeto.
TMDQA!: A campanha “47” recebeu reconhecimento internacional e diversos prêmios. Na opinião de vocês, quais elementos da produção de áudio foram determinantes para esse sucesso?
Filipe Resende: Além da excelente capacidade técnica e criativa do time da Canja, com certeza a ideia de trazer músicos com síndrome de Down para o projeto o tornou ainda mais especial. Pesquisar, contactar e fazer acontecer as gravações com José Omar e Sujeet Desai deu ainda mais vida para um projeto tão lindo. Começa pela iniciativa do Café Joyeux de fazer esse tipo de inclusão, passando pelo roteiro e ideia da agência Klick Health de fazer um curta animação, o craft indiscutível da Zombie Studios e a nossa contribuição para o áudio. Todo o reconhecimento que o projeto está recebendo é merecido pelos detalhes e profundidade da campanha.
TMDQA!: A Canja tem um histórico de iniciativas inclusivas e projetos de impacto social. Como vocês veem a evolução dessas iniciativas no futuro da produtora, e quais são os próximos passos planejados nesse sentido?
Filipe Resende: Desde a campanha “The Refugee Nation”, que trouxe visibilidade para atletas refugiados nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, até iniciativas como “Hershe”, que empodera talentos femininos, e “Lil Sugar”, que conscientiza sobre o consumo de açúcar por meio da música, nosso trabalho ultrapassa fronteiras e inspira audiências ao redor do mundo.
Isso nos leva a pensar de forma única sobre o poder do áudio além da música, e é exatamente isso que pretendemos continuar fazendo, trabalhando com projetos sociais, de inclusão, de diversidade e sustentáveis e contando com tecnologia e inovação para qualificar ainda mais nossos projetos.