De músico, ele virou também produtor requisitado

Mestres da Produção: Leonardo Marques fala ao TMDQA! sobre a identidade do seu trabalho em alguns dos principais discos nacionais da última década

Confira uma entrevista com o produtor musical Leonardo Marques, um dos principais nomes da nova cena nacional.

Leonardo Marques - Crédito Divulgação
Crédito: Divulgação

Leonardo Marques é um dos mais influentes produtores musicais do Brasil, com uma carreira marcada por colaborações de peso e uma diversidade sonora que se reflete em seu estúdio, o Ilha do Corvo.

Vencedor do Grammy Latino em 2022 (pela mixagem e gravação de SIM SIM SIM, do Bala Desejo), Leonardo começou sua trajetória como guitarrista da banda Diesel (posteriormente Udora), alcançando sucesso no cenário do rock alternativo nacional e internacional. Durante uma passagem pelos Estados Unidos, trabalhou com renomados produtores como Matt Wallace e Thom Russo, o que consolidou sua experiência e abriu portas para futuras colaborações de destaque.

De volta ao Brasil, Leonardo se destacou com a banda Transmissor e se firmou como um dos principais produtores musicais do país. Sua versatilidade é evidente em trabalhos com artistas como Milton Nascimento e na produção de álbuns elogiados pela crítica, como o V do Maglore e Thinking Out Loud, do Moons. Leonardo é também fundador do selo La Femme Qui Roule, que reforça sua ligação com a cena musical independente tanto no Brasil quanto na Europa e Japão.

Com quatro álbuns solo lançados, turnês internacionais e uma série de produções que seguem entre as melhores do ano, Leonardo Marques continua assinando algumas das principais produções do cenário musical brasileiro. Sua recente colaboração com o produtor francês Blundetto e as indicações ao Grammy Latino atestam a relevância de seu trabalho, que alia inovação e respeito às raízes musicais.

O Tenho Mais Discos Que Amigos! convidou Leonardo Marques para um papo sobre seu trabalho como produtor musical até aqui e sua visão sobre o cenário nacional. Confira abaixo!

Leonardo Marques na porta de seu estúdio, Ilha do Corvo, em Belo Horizonte (Crédito: Lucca Mezzacappa)

TMDQA! Entrevista: Leonardo Marques

TMDQA!: Leonardo, obrigada pelo seu tempo! Vamos começar pelo começo: como você desenvolveu o interesse pela música e pela forma como ela é feita e construída?

Leonardo Marques: Lembro de ouvir discos de vinil do meu pai em casa, Milton, Stevie Wonder, Frank Sinatra, Roberto Carlos, mas a música chegou com força mesmo na minha vida na pré-adolescência, colecionando discos de vinil, lembro dos primeiros com Dire Straits, Michael Jackson, A-ha e depois indo mais pro rock com a coleção completa de Black Sabbath, Jimi Hendrix, Led Zeppelin, Sepultura, Megadeth, Iron Maiden e vários outros. Vivenciei a época do Rock in Rio II, com Guns ‘N Roses, Faith no More e logo em seguida a MTV, a chegada do Grunge, com a Pearl Jam, Soundgarden, Alice In Chains, Screaming Trees, Nirvana. De ouvinte, passei a querer tocar aquele tipo de som na guitarra e junto de amigos de colégio fizemos uma banda cover de Pearl Jam e Alice In Chains.

Com o passar do tempo, a banda começou a compor músicas próprias e a partir daí surgiu um forte interesse em desvendar e exercitar várias formas de pensar a estrutura, arranjos, andamento, dinâmicas e toda a vibe de uma construção musical. Em seguida, entramos em estúdio pra gravar um EP com essas primeira canções, já numa pesquisa intensa por timbres de guitarra. Nessa mesma, época consegui meu primeiro emprego como engenheiro de som em um estúdio de gravação e os pontos foram se conectando. Depois com toda a experiência no Brasil e na Califórnia com a banda Diesel, já estava interessado no aspecto de técnicas de gravação e aprendendo com Matt Wallace, Tom Russo, e vários outros grandes produtores. 

TMDQA!: Que habilidades você desenvolveu foram mais decisivas para amadurecer sua sonoridade como artista e produtor?

Leonardo Marques: Acho que o desenvolvimento da minha sonoridade como artista se aprofundou quando mixei meu terceiro disco solo e consegui criar um universo bem pessoal de escolhas estéticas, uma coleção de timbres que pavimentaram meu caminho como artista solo. Como produtor musical, está sendo aprimorar e valorizar a busca e captura de momentos de espontaneidade criativa, experimentação e exploração de arranjos, sonoridades e timbres originais que possam agregar na concepção estética de uma canção. 

TMDQA!: Seu trabalho como produtor vem ganhando mais notoriedade. Como você vê essas possibilidades que se descortinam à medida que sua carreira vai crescendo?  Qual conquista ou marco te faria se sentir realizado e valorizado no meio?

Leonardo Marques: Vejo as possibilidades com grande entusiasmo, sou um eterno estudante, sempre em busca de novas formas e caminhos de produzir música, sempre buscando estar preparado pra qualquer oportunidade que apareça e também poder criar novas possibilidades onde antes não existiam.

A maior conquista é saber que aquele disco que eu fiz junto com a banda ou artista com tanto amor e cuidado vai reverberar na vida das pessoas, seja em pequena ou grande escala, mas saber que conseguimos atingir uma verdadeira conexão com o coração dos ouvintes é a melhor conquista sempre. 

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TMDQA!: Você trabalha com artistas de diferentes gêneros musicais, estilos e propostas. Como você decide o próximo trabalho que terá sua assinatura?

Leonardo Marques: Na maioria das vezes os artistas que me procuram já se identificam com minha sonoridade, então de certa forma já começo com uma interseção de gostos e escolhas estéticas, e essa assinatura vem do resultado da minha interação com o som e o desejo de cada artista.

Em relação a essa assinatura, ela acontece de diversas maneiras. Seja em algumas produções onde toco todos instrumentos, e as minhas limitações se tornam escolhas estéticas ou outras vezes escolho ou sugiro instrumentistas, onde imagino que suas personalidades poderiam encaixar numa determinada produção ou propondo novas formas de pensar uma estrutura, andamento, tom, groove, interagindo na sonoridade de cada instrumento, sugerindo melodias, ou harmonizações, trabalhando bem de perto em cada escolha, tentando chegar no imagético idealizado pelo artista, tentando decodificar pelo meu prisma e transformar esses desejos em realidade sonora. 

TMDQA!: Aliás, a assinatura, a autoria, é muito importante. Hoje, a indústria da música tenta entender o que fazer com a Inteligência Artificial generativa. Você acha que ferramentas que automatizam a produção musical são um risco para a profissão?

Leonardo Marques: Acho que a facilidade de se criar um fonograma nunca esteve tão avançada. Talvez incorporar perifericamente algumas dessas ferramentas pode ser prático pra solucionar algumas limitações, mas na minha opinião, a manufatura e o artesanato da criação musical vinda através de um filtro de vivências e experiências singulares de um ser humano ou de um coletivo, com todas suas imperfeições e limitações, ainda toca mais o meu coração que uma canção feita em linha de montagem massificada.

TMDQA!: Falando em parcerias, o que julga mais importante no relacionamento entre artistas/bandas e produtor musical?

Leonardo Marques: Acho que a confiança, respeito, admiração e cumplicidade mútua, junto de muito foco e determinação de encontrar as melhores pérolas no caminho da produção de uma música, deixando o ego de lado e sempre trabalhando em prol da canção. 

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TMDQA!: As plataformas de streaming ainda não exibem todos os créditos de uma gravação, e com isso o nome dos produtores não ganha tanto destaque nesses ambientes. A seu ver, como isso pode ser melhorado pelos players do ecossistema musical?

Leonardo Marques: Todas informações de uma canção estão incluídas no ISRC do fonograma fornecido para o upload, mas na maioria das plataformas não consta esses créditos. 

Outra questão é que a nomenclatura de produtor musical, engenheiro de som ou mixer não consta também no formulário do ISRC. Vejo isso como o início do problema. Atualmente surgiu uma nomenclatura de músico acompanhante cujo instrumento é Pro Tools, essa seria a forma mais próxima de creditar um engenheiro de som e um mixer, mas ainda de forma improvisada.

Acho que além de nomenclaturas corretas para inserção desses profissionais no ISRC de uma canção seria necessário que as plataformas divulguem esses créditos. Talvez a inclusão de uma contracapa com a ficha técnica no artwork de um lançamento poderia ser uma solução, além de que isso fazia parte do imaginário da maioria dos ouvintes de vinil, onde a experiência ia além de ouvir as músicas, existia uma imersão na arte gráfica, letras, quem eram os autores de cada canção, onde e por quem foi gravado, produzido, mixado. E parte do sonho de participar de um disco é ver ali seu nome na ficha técnica.  Hoje com a falta dessas informações já se cria uma distância maior da interação do ouvinte com a obra.

TMDQA!: Que conselho você dá para artistas que querem se autoproduzir e também para quem quer começar a produzir outros artistas?

Leonardo Marques: Acho que um conselho seria acumular “horas de voo” no estúdio, criar intimidade com o ato de gravar e produzir, fazer sem medo das limitações que possam existir, e saber que o mais importante é fazer e concluir um trabalho, não esperar pra ter uma situação ideal. Não é o melhor estúdio, o melhor microfone, o melhor equipamento. A situação ideal é capturar a inspiração e ter coragem de agir com o coração, fisgar o que tiver brotando no ar, pegar esses momentos que são literalmente mágicos, saber sentir quando ele está acontecendo, canalizar ele com o que tiver em mãos e não deixar escapar por qualquer outra questão.

Minha carreira como produtor começou porque decidi gravar meu primeiro disco solo, sem pretensão alguma além do simples fato de querer muito concretizar o sonho de ter um disco com meu nome na capa, composto,  gravado e produzido por mim. Com apenas um microfone usado e uma placa de som de 2 canais, ele se transformou em um disco que tenho orgulho até hoje e abriu muitas portas, começou a gerar o interesse de vários artistas na cena musical da época para que eu colocasse o meu olhar em suas obras, o que acabou se tornando o meu ofício diário há quase 15 anos, onde dedico a minha vida à obra de outros artistas e a concretizar o sonho deles. Fazer parte do trabalho, das vidas e sonhos de tantos artistas faz dessa profissão algo muito especial e gratificante. 

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