No mundo da música, o papel do manager muitas vezes é mal compreendido. Há quem associe essa figura a um tipo de “guarda-costas” dos artistas, alguém com uma personalidade bélica que faz de tudo para proteger seu cliente ao mesmo tempo em que, supostamente, tira proveito financeiro da carreira dele.
Mas essa visão estereotipada está longe de refletir a realidade do management. O relacionamento entre um artista e seu empresário é muito mais complexo e profundo. Trata-se de uma parceria, quase uma sociedade, onde a confiança, a sinceridade e a comunicação aberta são essenciais.
Esse profissional, mais do que um administrador de contratos, é quem define rumos e abre portas. Essa relação é o pilar de muitas carreiras de sucesso, e sua função vai além de proteger. Ela envolve orientar, dar suporte emocional e gerenciar expectativas, tanto do artista quanto do público e do mercado.
Não é à toa que managers como Eliane Dias e Renata Brasil são referência nesse setor. Eliane, que se recusou a ser meramente a “esposa de Mano Brown” e passou a gerir um dos grupos mais importantes da música nacional, os Racionais MC’s, é hoje uma das vozes mais influentes no management musical brasileiro. Com uma trajetória marcada pela liderança e pelo empreendedorismo, ela se destacou no cenário da música nacional ao criar estratégias inovadoras para artistas em um ambiente desafiador.
Já Renata, cujo currículo inclui a produção de grandes eventos como o Festival de Verão de Salvador, a Copa do Mundo e o The Town, é reconhecida pela sua visão estratégica e capacidade de gerenciar grandes projetos no Brasil e no exterior. Além de sua atuação em eventos musicais, sua experiência abrange também a produção executiva e curadoria artística, fazendo dela uma das principais referências do setor.
Em entrevista ao TMDQA!, ambas revelam os desafios que enfrentam no dia a dia e como conseguem equilibrar a arte com as pressões comerciais.
O equilíbrio entre criatividade e mercado
Eliane Dias, diretora executiva da Boogie Naipe, é um exemplo claro de como esse equilíbrio precisa ser construído com uma boa estrutura de apoio e autonomia para os artistas.
“Eu equilibro as demandas contando com uma equipe dedicada, com muito trabalho, com artistas talentosos e que querem vencer na carreira, pois hoje ser artista é uma pressão psicológica muito grande. Para que não sofram mais pressão, nós damos total autonomia para todos os artistas e assim ficamos equilibrados também, pois só nos comprometemos com o que nossos artistas conseguem entregar.”
Para Eliane, que recentemente participou do Dia do Corre promovido pelo Museu das Favelas, é fundamental que os artistas tenham liberdade mas que saibam, ao mesmo tempo, até onde conseguem ir sem comprometer a saúde mental ou a qualidade do trabalho.
Já Renata Brasil, fundadora da Brazuca Management que já trabalhou na produção de eventos para artistas como Ivete Sangalo, BaianaSystem, Vanessa da Mata, Mahmundi, Carlinhos Brown, Àttooxxá e Afrocidade, vê esse equilíbrio como um exercício constante, que exige planejamento estratégico e foco na autenticidade.
“Equilibrar as demandas criativas com as pressões comerciais é um ato de equilíbrio constante, mas com uma abordagem estratégica e um foco na autenticidade, é possível inovar e manter relevância no dinâmico cenário da música brasileira. O papel dos empresários e gestores na indústria da música evoluiu de um simples administrador de carreira para um estrategista multifuncional. A capacidade de adaptação, o conhecimento em tecnologia e a compreensão profunda do comportamento do consumidor são essenciais para navegar com sucesso nas águas turbulentas e em constante mudança da indústria musical contemporânea.”
Para Renata, esse management envolve não apenas administrar a carreira do artista, mas identificar oportunidades e, por vezes, até sugerir caminhos inesperados para que ele permaneça relevante.
A evolução do papel do management na era digital
O avanço das redes sociais e das plataformas digitais transformou o papel do manager, exigindo uma nova abordagem para o desenvolvimento de carreiras. Para Eliane Dias, essa mudança aumentou o peso sobre os artistas e seus gestores.
“As maiores mudanças vêm dos meios de venda dos artistas. Como os artistas são obrigados a se venderem através das redes sociais, são muitas entregas, mais cuidar da aparência, mais criação artística, mais atenção aos fãs. Essas mudanças estão muito pesadas, eu sinto este peso também. Usamos estratégias para ajudar com as entregas virtuais, mas mesmo assim é muito pesado. Nós empresários temos um trabalho enorme para vender shows, está tudo mudado, acho muito fora da ordem, mas é o jogo. Antes era só tocar no rádio ou aparecer na TV.”
Renata também destaca como essa transformação exigiu uma adaptação dos gestores, em especial na sua atuação no mercado como especialista em planejamento. Sua contribuição vem sendo na criação do desenho focado em marketing e identificação das potencialidades.
“A indústria da música tem passado por mudanças significativas ao longo das últimas décadas, especialmente com o crescimento do universo digital, o surgimento das redes sociais e a globalização do mercado. Essas transformações tiveram um impacto profundo no papel dos gestores, que precisavam de adaptações.”
Para ela, a era digital trouxe novas possibilidades, mas também impôs desafios, como a necessidade de estar sempre conectado ao público e às tendências.
Decisões difíceis
A tomada de decisões faz parte da rotina do management, e muitas vezes essas escolhas moldam o futuro de um artista ou projeto.
Eliane lembra do desafio de levar o Rap para grandes palcos e a pressão de organizar um evento de grande escala na Virada Cultural, um show que se tornou emblemático – como é possível conferir no mini-doc que a Boogie Naipe fez com o comando do saudoso diretor Rafael Kent.
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“O mais difícil foi entrar nas grandes casas de show com o Rap e fazer a Virada Cultural [Nota: provavelmente se referindo à edição de 2013], onde me responsabilizei por um público de cem mil pessoas, pois eu não queria a segurança obrigatória do estado. Mas chegamos num acordo onde os responsáveis pela segurança pública ficaram atrás de um tapume ao lado do palco e graças a Deus tudo ocorreu na paz de Jesus.”
Essa escolha de tomar as rédeas de grandes projetos, mesmo em um ambiente de desconfiança, demonstra o papel de liderança que o manager precisa assumir.
Por outro lado, Renata Brasil recorda um caso de adaptação que vivenciou na Irlanda, ao perceber que seu público-alvo buscava algo diferente do que originalmente oferecia.
“Junto a mais dois sócios, criamos o Boteco Brasileiro. Inicialmente eram baladas semanais, trabalhava eventos temáticos e com Samba, Samba Rock, MPB, mas tivemos que nos moldar ao mercado. Com perfil de jovens, estudantes e recém chegados do Brasil, as influências do contemporâneo estavam frescas, aquele público não buscava nostalgia e sim o que soava de mais atual no mercado. Mediante a esse cenário, criamos o Boteco Sertanejo, foi uma explosão no período. Fugimos de algo que batia em nossa porta, agradeço até hoje por ter aberto. Foi um grande sucesso para a comunidade brasileira e irlandesa, que carinhosamente chamava de Cowboys.”
Essa flexibilidade e capacidade de leitura de mercado são características fundamentais para quem gerencia carreiras artísticas.
O desafio de ser mulher no management
Como boa parte das mulheres no mundo corporativo e da música, tanto Eliane Dias quanto Renata Brasil enfrentaram desafios relacionados ao gênero ao longo de suas carreiras.
Para Eliane, o caminho para conquistar espaço em um ambiente majoritariamente masculino foi longo.
“O principal desafio foi ter credibilidade. Superei trabalhando muito, dormindo cinco horas por noite para que tudo desse certo. Sempre dou o máximo para que tudo dê certo.”
Já Renata acredita que, por ter iniciado sua carreira muito jovem, o fator idade também se somou às barreiras de gênero.
“Possuo algumas experiências na produção e planejamentos. Primeiro foi um fator idade, iniciei a carreira muito cedo. Acredito que por ser mulher, contribui ainda mais na confiabilidade. Mas foi algo superado e após alguns anos reconhecido. Tenho amigos gestores respeitosos e parceiros.”
A recompensa de estar ao lado da arte
Apesar dos desafios, as duas profissionais enfatizam a satisfação de trabalhar na gestão. Para Eliane, o maior privilégio é acompanhar de perto o processo criativo dos artistas e ver o impacto que a música causa nos fãs.
“O lado bom é estar ao lado da arte, ver o processo de criação, ver uma obra nascer, ver os fãs com os olhos brilhando, cantando. Não tem preço, é lindo demais, faz tudo valer a pena. Ver uma pessoa que ninguém acredita vencer na vida por seu próprio esforço não tem preço. Eu só agradeço a oportunidade em poder viver essa vida ao lado da arte.”
Renata Brasil destaca o prazer de contribuir para a realização dos sonhos de seus artistas.
“Sonhar o sonho dos sonhadores é algo genuíno, contribuir para a realização dele é algo satisfatório. Especialmente quando o seu dom é servir.”
Para ambas, essa conexão emocional com o trabalho no management é o que torna a profissão tão recompensadora, apesar das pressões e responsabilidades.
Por fim, deixam conselhos para quem deseja trabalhar nessa função. Eliane Dias acredita em preparação antes de tudo:
“Cada pessoa vai achar o seu jeito de trabalhar, mas é necessário ter networking, estudar o mercado, ter artistas dedicados, ter uma equipe que veste a camisa e amar a arte.”
Renata Brasil concorda e resume:
“Estude o mercado, estude o produto, estude seu artista. Gerenciar não é somente gerir shows, merchandising, mas envolve a construção para eternizar a obra e imagem do seu artista.”
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