Com 12 anos de trajetória no cenário musical, KING Saints acaba de dar um grande passo em sua carreira com o lançamento de seu primeiro álbum de estúdio, Se Eu Fosse Uma Garota Branca.
A artista, conhecida por suas letras afiadas e críticas sociais ácidas, traz ao público um trabalho autoral que une deboche e leveza em uma narrativa potente sobre diversidade e questões raciais. Com sua caneta certeira, KING promete marcar presença no cenário pop brasileiro, e o disco é o seu cartão de visitas.
A produção do álbum conta com nomes de peso, como Marcel e o trio Los Brasileros, responsáveis por trabalhos aclamados com artistas como Karol Conká e MC Soffia – ambas marcando presença no álbum. KING também já deixou sua marca como compositora em colaborações que lhe renderam indicações ao Grammy Latino, incluindo os álbuns DOCE 22, de Luísa Sonza, e AFRODHIT, de IZA. Esse histórico só reforça o talento da artista, que se destaca como uma das principais vozes do lado B do pop nacional.
Nesta entrevista ao Tenho Mais Discos Que Amigos!, KING Saints reflete sobre sua jornada, as inspirações por trás de seu álbum de estreia e o impacto das mulheres negras em sua vida e obra. Com um estilo único e um discurso poderoso, a artista convida o público a uma reflexão sobre identidade e preconceito, sempre com o toque de humor que é sua marca registrada.
Confira o papo abaixo enquanto ouve o disco na sua plataforma favorita.
TMDQA! Entrevista: KING Saints
TMDQA!: Oi, KING! Parabéns pelo álbum! O disco traz uma abordagem crítica e ácida, mas também aborda temas sensíveis. Como foi essa escolha de trazer essa pegada crítica para questões que são um pouco espinhosas?
KING Saints: Primeiramente, muito obrigada por estar me recebendo aqui. Foi algo proposital, uma escolha consciente. São 12 anos de caminhada e esse é meu primeiro álbum, então estou muito feliz com esse processo. Não é só sobre a minha percepção pessoal, mas sobre o que está ao meu redor. Vejo muitas mulheres negras, batalhadoras, que trabalham incansavelmente, e isso faz cair por terra esse discurso meritocrático de que, quanto mais você trabalha, mais você consegue. Eu vejo minha mãe, minha tia, minha avó, todas acordando cedo, pegando ônibus, chegando tarde, e mesmo assim, isso não garante uma grande recompensa para elas. O álbum reflete justamente essas questões, discutindo desde a meritocracia até a escolha da monogamia como algo decidido e não imposto.
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TMDQA!: Eu li que você se inspirou na Lily Allen, por exemplo. Dá pra ver essa influência, mas o álbum é muito Brasil, muito Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. Como suas raízes aparecem nesse primeiro disco e qual a importância disso pra você?
KING Saints: Muito importante! Eu sou de Duque de Caxias, um lugar que, quando se fala dele, muitas vezes só se mencionam coisas negativas, mas também saem grandes talentos de lá, como Ludmilla, Bruna Marquezine, Pocah, entre outros. Caxias é uma cidade viva, e o povo é muito forte. Para mim, é crucial levar isso comigo. No começo da minha carreira, as pessoas insistiam em me chamar de carioca, mas eu sempre corrigia: “Eu sou de Duque de Caxias”. Tudo de bom que vem de lá, querem transportar para outro lugar, mas eu faço questão de falar sobre Caxias no Grammy, por exemplo. É importante mostrar de onde eu venho, e que eu não estou sozinha nessa jornada. O álbum é um trabalho muito coletivo, com produtores e compositores também da Baixada Fluminense.
TMDQA!: Você falou da importância de trazer a vivência da sua própria família. E a representação das mulheres negras eu sinto que é uma questão muito central no disco. Eu queria que você falasse um pouco sobre a influência da sua família, especialmente da sua avó, na sua perspectiva de vida e no álbum.
KING Saints: Eu não convivi com minha avó, ela já tinha falecido quando nasci, mas a presença dela sempre foi muito forte na minha família. Somos muito espiritualistas e acreditamos na importância dos nossos ancestrais. Tudo o que fazemos reflete neles e vice-versa. Minha avó deixou muitos ensinamentos, e até hoje minha família, especialmente minhas primas que têm filhos, falam sobre ela e os valores que ela passou. Para mim, isso se conecta com a história do Brasil, porque as pessoas negras precisaram aprender a contar suas próprias histórias, já que muitas vezes elas não foram documentadas. Uma Carolina Maria de Jesus chega a ser algo quase mítico, “uau, ela escreveu livro!”.
Então, acaba que quando eu olho para dentro da minha família, eu vejo friamente esse reflexo do quanto a gente precisou contar um para o outro, a história do outro, para manter aquela imagem viva, sabe? Para manter aquela pessoa viva, aquela existência, não fazer aquele ser ser apagado, né? Então, eu acho que a maior influência que eu tenho é a Dona Iracy Ribeiro. Braba!
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TMDQA!: Para a maioria das pessoas, você passou muitos anos nos bastidores, como compositora. Acho que a pergunta óbvia é: como tem sido essa transição para o papel de artista solo e lançar seu próprio álbum, em um nível de protagonismo ainda inédito na sua vida artística?
KING Saints: Eu sempre fiz um pouco dos dois, compor e criar meu próprio álbum. Mesmo agora, não deixei de compor para outros artistas, e tenho várias músicas prontas para lançar. Compor é algo que me dá prazer, eu faço isso o tempo todo. Claro, há um lado de trabalho, mas eu componho até em situações do cotidiano, é algo natural pra mim. Lançar o primeiro álbum foi emocionante, e ver a recepção das pessoas que já gostavam dos artistas com quem trabalhei se conectando agora com o meu trabalho é incrível. Quero viver esse momento ao máximo, sem pressa, e aproveitar cada detalhe dessa fase.
TMDQA!: Tá certo, você batalhou muito pra chegar aí, né? Então, agora é só aproveitar, só curtir e continuar trabalhando, claro. Falando nisso, no álbum, você tem colaborações com artistas como Karol Conká, MC Soffia e Leoni. Tem uma forte veia crítica, até política na carreira deles. De que maneira essas parcerias estão te ajudando a amplificar as mensagens que você queria transmitir nesse disco?
KING Saints: Cada colaboração foi pensada com muito cuidado. Eu expliquei a todos o conceito do álbum, o que eu queria passar, e todos toparam contribuir, mesmo com suas agendas de lançamentos. Foi um processo alinhado para garantir que fizesse sentido para o trabalho de cada um também. Ter a legitimação desses artistas foi muito importante para mim. Sou fã do Leoni, por exemplo, e nossa relação começou há muitos anos, quando participei de um workshop de composição com ele. Quando o convidei, ele aceitou na hora.
Karol Conká é uma referência máxima para mim, e MC Soffia é o futuro, uma revolução desde criança! Ela é o futuro da nação, saca? E ela está no meu projeto. Tem feat do DaLua, que é o mano do trap, ele é, tipo, um criador dessa cena, sabe? Há também Levinsk, Afrodite Bxd e Boombeat. E a MC Dany, que veio aí, cobrando os caloteiros!
Eu acho que o primeiro passo é esse, todo mundo estar feliz de estar colaborando, e que os fãs que acompanham também acham que fez sentido, eles estarem colaborando comigo de alguma maneira, né?
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TMDQA!: Claro. Nesse tópico de juntar públicos, a sua trajetória passa por cenas complementares, como o Carnaval e o underground LGBTQIA+. Como essas experiências moldaram sua identidade artística?
KING Saints: Eu sou cria da Pimpolhos da Grande Rio, a Escola de Samba mirim. Desfilei desde os seis anos na Marquês de Sapucaí, e isso moldou muito quem eu sou. Ali aprendi a ser destemida e desenvolvi meu lado artístico. Minhas primeiras músicas foram em inglês porque eu queria mostrar que meu estudo de inglês tinha valido a pena. Eu também sempre estive no underground LGBT do Rio de Janeiro, especialmente na Lapa e Baixada Fluminense, onde tive espaço para apresentar minha música. Isso foi muito importante pra mim, e esse ambiente sempre me acolheu. Eu me sinto segura e representada ali.
Nos meus primeiros clipes, minha mãe fazia os figurinos e as roupas eram todas de carnaval que pegávamos no barracão da Grande Rio. A Pimpolhos liberava e a gente customizava tudo, do balé ao cenário. Tem clipes gravados lá no barracão da Grande Rio, no barracão da Pimpolhos. Se não fosse por esse lugar, eu jamais seria a artista que sou. Ali foi meu grande laboratório, onde experimentei tudo antes de decidir o que eu queria fazer da vida. Foi um conhecimento que tive de forma gratuita, graças à escola de samba e à Pimpolhos da Grande Rio. Isso é algo que jamais vou esquecer.
E eu sou uma mulher bissexual. Na minha família, nunca foi uma pauta delicada, sabe? Eu nunca precisei me apresentar dizendo: “Olha, estou com uma namorada, me desculpem por existir”. Sempre foi natural, nunca houve aquela necessidade de justificar minha sexualidade. E foi nesse ambiente underground, nas boates LGBT do Rio de Janeiro, que eu comecei a me apresentar. Já toquei na Lapa, em várias casas, por toda a Baixada Fluminense. Nessa época, não havia plataformas como hoje, era YouTube e olhe lá. Então, eu andava com pen-drive, CD gravado, pedia para o DJ tocar e, se desse certo, já pedia para fazer uma apresentação na próxima edição. O ambiente LGBTQIAP+ sempre me abraçou, tanto como consumidora quanto como artista. Eu me sinto muito à vontade e representada nesse meio, e fico feliz de carregar isso comigo.
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TMDQA!: Perfeito, tudo isso faz parte de quem você é e está no grande balaio sonoro desse disco, né? Dá pra sentir isso. KING, eu quero te agradecer muito pelo seu tempo. Foi ótimo poder trocar essa ideia sobre o seu lançamento.
KING Saints: Muito obrigada. Foi um prazer falar com vocês. Beijos, gente.
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