Projeto inclui um filme musical experimental e um álbum duplo

FernandoS lança EP homônimo e antecipa projeto “Necklace” em papo com o TMDQA!

A produção explora temas como traumas e saúde mental através da música

FernandoS - Fernando Grostein Andrade e Fernando Siqueira
Crédito: Divulgação

O duo FernandoS, formado por Fernando Grostein Andrade e Fernando Siqueira, está começando a revelar um projeto ousado que une cinema e música, Brasil e Estados Unidos, dramas pessoais e universais. O primeiro gostinho é um EP, autointitulado, lançado pela Virgin — mas não para por aí. 

Além de um álbum duplo a ser lançado futuramente, o projeto Necklace (Entrelaços) inclui um filme musical experimental gravado em diversos lugares, como Bahia, Rio de Janeiro, Califórnia e Utah. O filme e o álbum estão profundamente ligados à exploração de temas como a relação entre a música, a natureza, os traumas e a saúde mental, temas que FernandoS trata com sensibilidade e profundidade.

Para aquecer o lançamento do álbum e do filme, o EP conta com quatro faixas inéditas. Com todas as músicas compostas por Siqueira e produzidas por Andrade, o lançamento serve como uma introdução ao que o público pode esperar do projeto completo.

FernandoS fazem lançamento em palcos brasileiros

O duo já começou a ganhar destaque com apresentações, como no famoso palco do Whisky a Go Go, em Los Angeles, que já foi trampolim de bandas icônicas como The Doors e Guns N’ Roses

Agora, a banda escolheu o Festival do Rio para apresentar as novas fases do projeto. O filme estreia hoje, dia 09/10, às 21h30, no Estação Gávea, após um show no Manouche, no Rio, com presença de famosos. 

As faixas autorais que compõem o filme também chegam a São Paulo no dia 24 de outubro, no Bona Casa de Música, para dar continuidade à divulgação do projeto. O TMDQA! aproveitou a oportunidade para conversar com os dois artistas sobre os desafios de traduzir em música e filme.

A conexão entre música e saúde mental

A busca por acolhimento e a necessidade de se reconectar após experiências traumáticas são temas centrais no projeto Necklace como um todo. Fernando Grostein Andrade e Fernando Siqueira enfrentaram um período de grande dificuldade após precisarem deixar o Brasil devido a ameaças anônimas.

Elas surgiram como resposta ao fato de terem assumido publicamente sua relação amorosa e também em consequência de suas críticas à masculinidade tóxica de Jair Bolsonaro, abordadas no documentário Quebrando Mitos (2022).

Para os dois artistas, o trauma de deixar o Brasil e começar uma nova vida na Califórnia trouxe desafios, mas também abriu espaço para que eles explorassem o poder curativo da arte, especialmente da música. Fernando Grostein Andrade comenta: 

“A música é uma linguagem universal que se conecta com pessoas de diferentes culturas e idiomas. Artistas como Manu Chao mostram como essa diversidade pode ser explorada com maestria. Para muitas pessoas, a música oferece uma experiência emocional profunda, seja ouvindo sozinhas ou em grandes shows. O trauma cria uma desconexão, e quem sofreu abuso vive preso em pensamentos repetitivos, ou loops. Esses loops podem reaparecer em momentos íntimos, relembrando o trauma. A música, nesse contexto, ajuda a curar e reconectar, embora seja um processo longo”.

A música foi justamente essa válvula de escape e uma ferramenta de cura para ambos, principalmente no período mais intenso de trabalho com o documentário Quebrando Mitos, que expôs ambos a imagens e histórias de violência, como a operação policial no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que resultou na morte de 22 pessoas. 

Grostein Andrade relembra: 

“Eu lembro de ter visto sangue no chão, restos de cérebro, mãe falando sobre o cérebro do filho. Era dormir e acordar editando isso, transcrição disso… Ver árvores caindo toda hora, mais relatos de povos indígenas, vários relatos de mulheres sobre violência. Foram quatro anos disso, inclusive em pandemia. Quem trabalha com conteúdo sabe. As imagens sangram para dentro da cabeça. Eu quero deixar claro que não é comparável ao risco que um bom policial sofre na linha de frente. Não é comparável ao risco que um ativista de direitos humanos na linha de frente sofre. Mas não estamos aqui pra ficar medindo o sofrimento, porque gente é gente. Não são as Olimpíadas da Dor. Quem sofre mais: um palestino, um indígena, uma mulher negra, um LGBTQ, uma mulher trans? Onde a gente vai parar se a gente ficar comparando a dor? Dor é dor, não tem jeito. E, enfim, me fez muito mal. O problema não eram só as imagens, mas o que essas imagens despertavam do meu passado, dos traumas que eu vivi, dos meus fantasmas. A música me ajudou a reescrever isso, mas eu quero deixar um comentário muito importante. Não é uma coisa assim, não é tiro e queda. É um processo, é uma jornada, é um desafio diário, é um treino”.

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A mudança para a Califórnia, o recomeço e o surgimento dos FernandoS

Mudar para a Califórnia, embora tenha sido uma saída necessária diante das ameaças que ambos enfrentaram no Brasil, trouxe novos desafios para o casal. A diferença cultural foi um dos primeiros obstáculos que os FernandoS precisaram enfrentar. 

Para Grostein, a mudança para os Estados Unidos foi muito mais difícil do que imaginavam. Ele descreve o processo como traumático, explicando que, apesar das oportunidades, viver na Califórnia não é tão simples quanto muitos brasileiros acreditam. Embora reconheça muitos de seus privilégios, ele argumenta que ser imigrante é um recomeço:

“Quando você fala da Califórnia, muitas pessoas pensam que é fácil, só tomando sol e ventinho na praia. Mas, na verdade, é um lugar muito competitivo e duro. O afeto lá é muito diferente do Brasil, e isso foi algo com o qual tivemos que aprender a lidar. Ao mesmo tempo, o fato de sermos latinos nos colocou em uma posição de ainda mais desafio, já que a representatividade latina na indústria americana de cinema é mínima, menos de 1%”.

A transição foi difícil também para Fernando Siqueira, que destaca a importância de manter as conexões com suas raízes e com o público brasileiro:

“Por mais que a gente more nos Estados Unidos, obviamente nós somos brasileiros, e é muito importante para nós essa coisa da raiz. A gente queria que tanto o filme quanto a música tivessem a nossa raiz mesmo. Então, é importante a gente ter vindo gravar aqui em estúdios no Brasil, e obviamente gravar o filme também.”

Além das contribuições de Fernando Grostein Andrade e Fernando Siqueira, o projeto Necklace também conta com a participação de Jaques Morelenbaum, renomado músico carioca, que colabora nas faixas originais do filme, do EP e do álbum com seu cello. 

A presença de Morelenbaum, conhecido por sua vasta trajetória que abarca de Tom Jobim a Ryuichi Sakamoto, com passagem por Marisa Monte e Sting, adiciona um toque especial ao projeto, aproximando ainda mais a conexão entre música e cinema que FernandoS busca explorar.

O lado teatral de Fernando Siqueira

Fernando Siqueira, que lidera os vocais do projeto, tem uma formação sólida em atuação, e essa experiência teatral influencia diretamente sua abordagem musical. Para ele, a performance no palco é uma extensão do que faz como ator, e a música é uma forma de contar histórias. 

“A minha formação maior é de teatro e atuação, está dentro de mim, tudo o que eu faço. E eu sou uma pessoa muito movida a contar histórias, em geral, eu gosto de o que me move. Eu acho que na música ela tem uma questão de performance.”

Siqueira também destaca a importância de trabalhar com música autoral, onde ele e Grostein compõem suas próprias canções. Ele acredita que esse formato permite maior autenticidade e profundidade na mensagem que desejam transmitir:

“O artista compositor é o que eu mais gosto, é o gênero de música que a gente faz. A gente escreve nossas próprias músicas e eu performo as músicas que a gente escreveu. Eu acho que é um jeito que eu consigo alimentar as duas coisas, que você tem que contar histórias. Seja quando eu estou atuando ou cantando ou estou escrevendo música, eu estou tentando contar uma história e fazer isso de uma maneira que o público sinta.”

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FernandoS e o impacto da música na saúde mental

Um dos principais objetivos de Necklace é provocar reflexões sobre saúde mental e desestigmatizar o tema, algo que tanto Grostein Andrade quanto Siqueira consideram fundamental. Com cada vez mais pessoas sendo diagnosticadas com diferentes transtornos mentais, eles esperam que o projeto ajude a abrir diálogos mais francos sobre o assunto. 

Fernando Siqueira enfatiza que a música pode ser uma ferramenta poderosa para enfrentar esses desafios: 

“A música pode ajudar as pessoas a sentirem que não estão sozinhas. Queremos que as pessoas se sintam à vontade para falar sobre saúde mental, porque quanto mais falarmos, menos solitários nos sentiremos.”

As canções do EP refletem essa intenção de sensibilizar o público e promover uma maior abertura sobre temas delicados. Para Fernando Grostein Andrade, um dos maiores desafios da sociedade contemporânea é o isolamento causado pela hiperconectividade e pelas desigualdades sociais. Ele espera que o projeto inspire compaixão e empatia entre as pessoas: 

“Eu gostaria que as pessoas entendessem duas coisas. Primeiro, que elas não estão sozinhas nas suas dores. Está difícil pra caramba, pra muita gente. Então, se de alguma forma puder fomentar a compaixão e a união entre as pessoas, já fico satisfeito. E outra coisa é que difícil é se colocar no lugar do outro, é uma das coisas mais difíceis que tem. Isso é uma coisa que espero que fique depois da pessoa passear pelo trabalho, pelo filme, pelo disco, por tudo”.

Próximos passos dos FernandoS

Com o lançamento do EP e a estreia do filme no Festival do Rio, os FernandoS já têm novos planos em andamento. Além da apresentação no Bona Casa de Música, em São Paulo, no dia 24 de outubro, o duo pretende expandir a divulgação de Necklace para outros festivais e eventos internacionais. A resposta do público ao projeto será um indicador importante para definir os rumos que a banda irá seguir nos próximos meses.

O álbum completo, que será lançado em 2025, trará novas faixas e aprofundará ainda mais os temas explorados no EP e no filme. A expectativa é que o público brasileiro e internacional se conecte com a mensagem, que mistura música, cinema e uma busca por cura e reconexão.

Enquanto isso, o duo FernandoS se propõe a ser um diálogo sobre temas profundos e reflexões essenciais para o mundo – seja em Los Angeles, no Rio de Janeiro ou em qualquer lugar.

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