Mergulhe na nova obra do guitarrista brasileiro

TMDQA! Entrevista: Kiko Loureiro explora teoria da mente em "Theory of Mind", primeiro álbum pós-Megadeth

"Fazendo música instrumental, não tenho compromissos mercadológicos, meu compromisso é comigo e vou até onde minha loucura vai", diz o guitarrista

Kiko Loureiro
Foto por Henrique Grandi

Aos 52 anos, com a terapia em dia, novos olhares para si e para a vida, criatividade livre para experimentações e a guitarra mais afiada do que nunca, Kiko Loureiro acaba de entregar nas plataformas digitais seu sexto álbum, Theory of Mind, o primeiro após sua saída do Megadeth no ano passado.

Não mexeu no time vencedor que habita parte de seus trabalhos e trouxe novamente a campo os amigos de Angra, Felipe Andreoli, no baixo, Bruno Valverde, na bateria, e a esposa Maria Ilmoniemi nos teclados, para segui-lo nas 11 faixas instrumentais.

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A capa de Theory of Mind de Kiko Loureiro por Gustavo Sazes

Kiko Loureiro lança Theory of Mind

O guitarrista, atualmente baseado no Finlândia, recebeu o TMDQA! para um papo exclusivo e explica que a novidade é que em Theory of Mind ele abandona qualquer pretensão em repetir a fórmula de músicas anteriormente bem-sucedidas de sua carreira.

Dois singles foram aperitivo para quem estava curioso sobre a novidade: “Mind Rise” e “Out of Nothing”.

“Fazendo música instrumental, não tenho compromissos mercadológicos, meu compromisso é comigo e vou até onde minha loucura vai. Olhei para esse disco e pensei: ‘é o que é!'”, diz Kiko.

O conceito de Teoria da Mente

Kiko conta que foi fortemente influenciado a falar da teoria da mente em seu novo disco pelas reuniões escolares dos filhos, onde teve seu primeiro contato com esse conceito abordado pela psicologia e filosofia — uma reflexão e estudo profundo sobre como os indivíduos entendem os pensamentos e emoções dos outros. “Isso me intrigou muito”, revela o guitarrista.

Kiko também compartilhou que temas como a neurodivergência têm sido amplamente discutidos no ambiente escolar das crianças e que ele acha estimulante a nova forma com que a sociedade tem encarado antigos termos como “levado”, “sapeca” ou “disperso”, hoje substituídos por uma compreensão mais profunda e científica dos comportamentos, o que tem ressonância na maneira como ele vê o mundo e em sua música.

Além disso, sua esposa está realizando uma pós-graduação em ensino de música para neurodivergentes e, assim, o tema passou a permear ainda mais as discussões em família – o que, inevitavelmente, impactou o conceito do novo álbum que nasce, então, de uma série de descobertas pessoais que moldaram sua visão sobre as complexidades da mente humana e as relações sociais.

A neurodiversidade, vale explicar, é um conceito que reconhece a diversidade das funções cerebrais, cognitivas e comportamentais das pessoas.

Mensagem sem palavras

Transmitir uma mensagem sem palavras é um dos principais desafios da música instrumental.

Kiko explica que Theory of Mind é profundamente orgânico e sinestésico, em contraste com as reflexões que ele também faz no disco sobre a ascensão da inteligência artificial e da “mente robótica” que começa a ter capacidades muito humanas ao flertar com a empatia e a passar com louvor em testes de teoria da mente aplicado em adultos e crianças.

Em Theory of Mind, Kiko opta por um caminho experimental, onde o ouvinte é convidado a interpretar as faixas em um processo similar como se faz com obras de arte abstratas ou literatura em metáforas.

Outra dimensão interessante no novo momento é o fato do guitarrista estar considerando adicionar letras de sua autoria às suas músicas e, assim, incluir palavras em futuros projetos é um exercício que o tem intrigado – além de, eventualmente, cantar em alguma faixa.

“Em algumas áreas da música eu não investi muito tempo. Agora me dá vontade de cantar, porque eu fiz uma recente turnê no Brasil e cantei. Sempre tive cantores excelentes do meu lado, André Matos, Edu Falaschi, então, cantar ficava para lá. Com o Megadeth comecei a cantar, pois o Dave (Mustaine) me pedia para ajudá-lo nos vocais, então, eu comecei a pegar um pouco dessa vontade”.

“Eu gosto de mostrar as músicas para amigos e pedir que eles descrevam o que visualizam ao ouvi-las. As respostas são sempre surpreendentes, algo que lembra o processo de entender arte abstrata, onde cada um enxerga algo diferente.”

Emoções em pauta

A liberdade criativa alcançada no momento não surgiu do acaso. Durante a pandemia, Kiko começou a frequentar sessões de terapia, algo que ele nunca havia feito antes. “Eu queria me preparar para o cenário que a humanidade estava vivendo”, afirma. A terapia lhe ofereceu uma nova perspectiva sobre a vida e sobre si mesmo.

“Nunca passei por depressões ou transtorno de ansiedade, o que é comum hoje, mas me encontrei em reflexões sobre quem eu sou.”

Morando na Finlândia, ele percebe um forte contraste cultural entre os europeus mais reservados e os brasileiros mais expressivos. “Aqui, as pessoas são menos coléricas ou apaixonadas, o que pode ser visto como frio no Brasil”, explica Kiko. O guitarrista conta que “é na bagunça e no meio de tantas notas que ele se encontra”.

Esta parte de sua personalidade é mostrada na essência de Theory of Mind. “Essa bagunça é algo que já aceitei com tranquilidade”, reflete.

O analógico em tempos digitais

Kiko Loureiro revela que as imagens da contracapa e do interior de seu novo álbum, que também ganhou uma versão em LP, foram feitas por meio de fotografias analógicas utilizando o processo de superexposição.

Elas são assinadas pelo fotógrafo Ricardo Santos. O guitarrista escolheu esse método para criar uma verdadeira obra de arte, transmitindo a ideia de uma mente em constante movimento. Loureiro buscou privilegiar o analógico em contraponto ao uso da inteligência artificial, temas que costuram o disco.

Amadurecimento, saída do Megadeth e machismos

Além do processo criativo, Kiko também abordou questões pessoais mais profundas. Quando perguntado se sofreu algum tipo de machismo por se afastar do Megadeth para cuidar da família, ele afirmou que, na Finlândia, esse tipo de visão é incomum.

“As pessoas aqui têm uma visão bastante avançada sobre parentalidade e paternidade. Eventualmente ouvi algumas piadas, especialmente de brasileiros, como ‘o que vou dizer para minha esposa agora que você saiu do Megadeth na hora de combinar meu futebol?’ Mas, no geral, homens que viajam e trabalham muito fora de casa entenderam e até louvaram minha decisão, ainda que não pudessem fazer o mesmo”.

Kiko se diz fascinado pela lógica do Estado Finlandês que, ao providenciar boa condição de vida para as pessoas, as permite se dedicarem a si mesmas e às suas relações de forma verdadeira e desinteressada, além da busca constante da sociedade local por paridade entre homens e mulheres que decidem ter filhos.

O futuro da cena

Em nosso papo, Kiko Loureiro também faz uma reflexão sobre a cena musical finlandesa, sugerindo a necessidade de uma renovação após a era de grandes bandas como Nightwish, Stratovarius e Children of Bodom.

Ele também mostra um olhar atento a novos headliners, como Ghost, Slipknot e Gojira, potencialmente capazes de atrair multidões e assumir o lugar de gigantes como Deep Purple e Iron Maiden.

Em tom descontraído, durante a conversa, brincamos: “Holy Wars ou Unholy Wars“?, músicas quase homônimas de Megadeth e Angra. Kiko, rápido, respondeu com um sorriso: “Unholy Wars. Essa eu participei da criação!”.

Ouça agora Theory of Mind

Com Theory of Mind, Kiko Loureiro entrega um trabalho que reflete sua mente inquieta e sua curiosidade contínua. É um álbum que não apenas expande as fronteiras da música instrumental, mas também convida o ouvinte a uma jornada profunda sobre o que é ser humano em tempos de transformação tecnológica e pessoal.

Theory of Mind teve produção de Adair Daufembach, mixagem e masterização por Jacob Hansen e capa desenhada por Gustavo Sazes.

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