OMISSÃO

Entre Nunes e Boulos, parte do rap paulista escolheu a omissão política

Enquanto empresários abraçaram candidatos da direita, parte da cena do rap decidiu pela neutralidade política.

Emicida e Criolo
Foto: Felipe Mascari

Em algumas horas, São Paulo deve reeleger o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB). Apesar dos seus três anos de gestão serem marcados por uma zeladoria nula da cidade, obras sem licitações e o retrocesso em índices na educação e saúde, a capital paulista manterá Nunes no cargo – com uma certa conivência do rap paulista com a política local.

A eleição municipal, inclusive, foi palco de alguns dos momentos mais vergonhosos da história da democracia do país, realizados pelo outsider Pablo Marçal, representante em ascensão da extrema-direita e do núcleo duro do bolsonarismo.

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Ambos os candidatos, apoiados pela direta paulista, receberam o apoio das principais gravadoras do funk paulista. A GR6, sob a figura do seu presidente Rodrigo Oliveira, apoiou Nunes, enquanto o fundador da Love Funk, Henrique Viana, também conhecido como Rato da Love, publicou um vídeo ao lado de Marçal.

Os vídeos causaram polêmica. Diversos fãs e cantores criticaram as publicações, apontando as contradições por parte dos empresários. Afinal, eles lucram com esses gêneros de origens negras, periféricas e marginalizadas, enquanto essas comunidades são os principais alvos da repressão, da violência e do sucateamento feito por esse perfil de político.

Vale lembrar: o escolhido para ser vice na chapa com o atual prefeito é o coronel da reserva da Polícia Militar Ricardo Mello de Araújo, que tem agido como uma ponte entre Nunes e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Esse mesmo vice chegou a defender que policiais façam abordagens diferentes em bairros com moradores ricos, como Jardins e Vila Olímpia, e na periferia.

Não é de agora

Desde 2018, ano em que o Brasil elegeu Bolsonaro, parte expressiva do rap nacional tem se abstido do debate político. Embora nomes importantes da cena como Emicida, Mano Brown, Don L, Djonga e MC Hariel seguem se posicionando contra os retrocessos e a ascensão da extrema-direita, ainda há uma parcela que mobiliza milhões de ouvintes, mas segue inerte politicamente.

O rap tem crescido cada vez mais fora seu próprio nicho. Nos últimos anos, diversos artistas conquistaram o topo das plataformas de streaming, milhões de novos seguidores e um potencial de comunicação jamais visto antes. Porém, esse crescimento também resultou num afastamento com as raízes do gênero.

Prova desse distanciamento são os comentários de novos fãs de gêneros em perfis de artistas ou mídias independentes. Cada vez mais é possível encontrar um alto número de pessoas que se dizem ouvintes de rap defendendo políticos de direita, ações de repressão policial e políticas exclusivas.

Dias antes do primeiro turno da eleição deste ano, Djonga desabafou em suas redes sociais sobre o “retrocesso” que ele enxerga ao observar o comportamento de parte de seu público, apontando a contradição entre o consumo de suas letras e a falta de compromisso com importantes questões sociais.

“Triste ver que grande parte de quem consome nosso trabalho apoia o retrocesso, seja nas urnas, seja no dia a dia, seja nos comentários atuais das páginas de rap, seja nos comentários sobre as vítimas em Gaza, Líbano, nos comentários sobre as situações que rolam no mundo do entretenimento que a gente vive. O pior é que eu vejo que, muitas vezes, o objetivo maior com esses comentários e falas não são nem resolver o problema de fato”, escreveu.

Omissão em São Paulo

A poucos dias das eleições municipais em São Paulo, poucos foram os artistas da cena que abraçaram publicamente a candidatura de Guilherme Boulos (PSOL) ou expressaram uma posição contrária à atual gestão. É como se os rappers vivessem num mundo a parte da sociedade ou não entendessem que seu papel transformador não fica restrito apenas na música.

Emicida tem participado assiduamente da campanha do candidato de esquerda, publicando fotos nas redes sociais e gravando um vídeo de apoio ao psolista. “Meu voto é feito respondendo três perguntas: Que tipo de sociedade queremos? Por que queremos isso? E como realiza-la politicamente? No meu caso, a resposta é Boulos.”

Artistas do rap são formadores de opinião e, historicamente, suas vozes são alinhadas às causas sociais e políticas que impactam diretamente suas comunidades. O silêncio diante da ascensão do extremismo é sinônimo de uma apatia e neutralidade em relação a questões urgentes.

Em uma era de redes sociais, onde cada ação ou inação é amplificada, o posicionamento político de um rapper pode influenciar eleições, moldar debates públicos e, de certa forma, ajudar a formar ou impulsionar um projeto de país – ou de cidade.

A omissão e falta de interesse em participar do debate político do país só fortalece a ascensão novos marcais e distancia ainda mais os jovens dessas questões. Fazer dinheiro é prioridade, óbvio, mas esse objetivo não pode ser desvinculado dos compromissos da própria.

Caso contrário, os versos do rapper baiano Vandal na música “Aracnídeo”, no álbum de 50 anos de Sabotage, seguirão fazendo sentido e resumindo parte da cena: “Por dinheiro e mídia, vários fecham com racista. Tem uns cara no rap fazendo tudo que quer: xenofobia, homofobia, uns agressor de mulher”.

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