Por Guilherme Coutinho e Eduardo Salomão
Escrevemos recentemente, aqui no TMDQA!, sobre como funciona o sistema de pagamento de royalties no Spotify e que os plays que geram receita aos artistas nem sempre ocorrem de forma orgânica. Isso porque existem fazendas digitais utilizadas para burlar esse sistema, através de robôs que reproduzem inúmeras vezes determinada faixa.
A prática em questão é proibida, vale lembrar, pelos termos de uso das plataformas de streaming. Além disso, ainda pode configurar crime.
Recentemente, porém, ganhou uma versão arrojada: o norte-americano Michael Smith criou uma quantidade absurda de músicas utilizando Inteligência Artificial, distribuiu estas faixas em diversos perfis nas plataformas de streaming e multiplicou os respectivos plays com robôs . O esquema, que teve início em 2017, gerava aproximadamente 660 mil execuções diárias e rendeu a Smith uma fortuna de US$ 10 milhões ou quase 60 milhões de reais.
Os valores astronômicos envolvidos, aliados à percepção quanto à impossibilidade de produção humana de tantas músicas em tão curto espaço de tempo, motivaram a Mechanical Licensing Colletive (MLC) – organização responsável pelo recolhimento e repasse de royalties digitais nos Estados Unidos – a investigar e reter o pagamento de royalties em favor de Smith.
Não bastasse isso, agora Michael enfrenta acusações de fraude eletrônica e lavagem de dinheiro, podendo pegar até 20 anos de prisão por cada crime. A íntegra da denúncia pode ser consultada através da reportagem publicada pelo portal Music Business Worldwide.
Guerra contra as fraudes no streaming
Em agosto deste ano a MLC já havia anunciado uma parceria com a empresa Beatdapp, a fim de otimizar o seu sistema de identificação de fraudes. E a nova parceira da MLC apontou, no último mês de julho, que as fraudes no streaming como aquela praticada por Smith custam US$ 2 bilhões à indústria fonográfica por ano! Isto porque, os royalties que deveriam ir para artistas reais acabam sendo desviados.
Este caso evidencia como é importante que haja um controle externo sobre os dados de consumo de música nas plataformas, de forma que haja uma maior investigação e punição a fraudes. Cabe lembrar que o próprio Spotify já foi acusado de usar “artistas fantasmas” para impulsionar suas playlists, onde produtores criariam músicas por uma taxa fixa, sem receber royalties como os artistas convencionais.
O compositor sueco Johan Röhr tornou-se uma figura intrigante no Spotify, acumulando mais de 15 bilhões de streams com suas composições. Ele está por trás de mais de 650 pseudônimos na plataforma, como Minik Knudsen, Csizmazia Etel e Maya Åström, criando músicas instrumentais que dominam playlists populares de gêneros como “piano tranquilo” e “alívio de estresse”. Isso o colocou no top 100 de artistas mais reproduzidos no mundo, superando até grandes nomes como Britney Spears, Metallica, e ABBA.
Grande parte do sucesso de Röhr se deve à sua presença em playlists curadas pelo próprio Spotify, usadas pelos ouvintes como pano de fundo para atividades cotidianas. No entanto, isso gerou críticas, com observadores alegando que a plataforma favorece grandes compositores “ocultos” como Röhr em vez de apoiar músicos independentes. Só o pseudônimo Minik Knudsen, por exemplo, tem hoje mais de 185 mil ouvintes mensais e só uma das músicas (“I et andet liv”) tem mais de 43 milhões de plays, sem sequer uma foto, bio ou perfil em redes sociais. As músicas de Minik estão em pelo menos 10 playlists oficiais do próprio Spotify atualmente, mais de 6 meses após matérias denunciando o caso em jornais como The Guardian.
As plataformas de streaming coíbem, em seus termos de uso, as práticas voltadas à promoção de falsos plays; também alegam que criaram métricas para a identificação desta conduta e que estão derrubando as faixas impulsionadas por ouvintes fantasmas. O Spotify, por exemplo, já publicou um alerta quanto ao risco envolvido na contratação de serviços que prometem impulsionar o número de plays de determinada faixa. Porém, a restrição aos plays fantasmas parece conviver com um incentivo a artistas fantasmas inflados por playlists.
Dito isso, fica a dica: utilizar sistemas fraudulentos para inflar os plays nas plataformas de streaming definitivamente não é uma opção – prejudica os outros artistas; a indústria fonográfica e pode dar cadeia!
Fiquemos atentos aos próximos capítulos da caça aos (ouvintes) fantasmas do streaming…