Entrevista exclusiva

Renan Inquérito celebra 10 anos do álbum "Corpo e Alma" e debate futuro do rap: 'prato cheio para um Marçal'

Em entrevista exclusiva, Renan Inquérito anuncia novo single que dará início às celebrações do clássico álbum do grupo.

Renan Inquérito
Foto: Rafael Berezinski

No movimento do Hip Hop, onde o peso das palavras muitas vezes é sobreposto pelo ritmo dos beats, Renan Inquérito surge como um artesão que construiu sua carreira não apenas a partir das batidas, mas do verbo que se faz vida. Sua trajetória é marcada pelo exercício contínuo de encontrar sentido nas páginas dos seus livros ou nas ondas sonoras que vibram através de suas músicas.

Renan começou sua caminhada com o grupo Inquérito — que ecoou nos anos 2000 a inquietação de uma geração — e hoje trilha um caminho solo onde a palavra não é apenas escrita ou cantada, mas falada. Em entrevista exclusiva para a coluna Rap em Pauta, do Tenho Mais Discos Que Amigos!, o rapper aparece às vésperas do lançamento de seu novo single “PAPO DE FUTURO” e da celebração dos 10 anos do clássico álbum Corpo e Alma, e reflete sobre a importância da palavra em sua arte, os desafios da indústria e a perpetuação de um legado que se desdobra além da música.

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Para Renan Inquérito, a palavra é mais do que uma ferramenta. É o fio condutor de sua jornada. Ao revisitar sua própria trajetória, Renan se enxerga como um “ornitorrinco” dentro do rap nacional: não é da geração de 90, mas também não se encaixa nos moldes da nova escola. “Eu caí para um lado do rap literário, mesmo sem ter sido minha intenção. A música saiu do caderno e voltou pro papel”, comenta. É esse vai e vem que lhe permitiu transitar livremente entre o rap, a literatura e a educação — territórios que ele ocupa com a mesma intensidade e orgulho.

A reinvenção e os desafios de mercado

Com 25 anos de carreira, Renan não se contenta em olhar para trás com nostalgia. Em vez disso, ele busca formas de se reinventar. “A galera usa o termo ‘rap raiz’, mas se é rap, já é raiz, tá ligado? Eu aprendi que sempre vai ter um jeito diferente de fazer música”, reflete. Essa busca incessante pelo novo é, para ele, um combustível vital que o mantém presente, ainda que o mercado se transforme à sua volta.

No entanto, não é só a novidade pelo novo que o move. “Minha caneta é movida por sentimentos”, revela. Sua criatividade, segundo ele, é como uma represa que acumula água até transbordar. “É a mesma correnteza que faz desembocar numa música nova”. Foi essa correnteza que levou ao surgimento de “PAPO DE FUTURO”, uma faixa que, nas palavras do próprio Renan, nasceu de versos guardados que, ao encontrar o beat de Pop Black, transbordaram como uma inundação.

O rapper também é um observador atento do cenário atual do hip hop. Ao falar sobre a nova geração e a evolução do mercado, ele revela uma preocupação que vai além das tendências do momento. “Hoje, há mais cerimônia do que mestre”, provoca, fazendo uma alusão direta à falta de profundidade nas mensagens que dominam o mainstream. Para ele, o MC, o mestre de cerimônia, perdeu o sentido original de guiar, de ensinar, de trazer algo que vá além do entretenimento superficial.

“O crescimento do hip hop é impressionante, mas ele cresce como um corpo que se pulveriza”, ele critica. A metáfora é poderosa: quanto mais longe se chega, mais fraca se torna a essência. Nesse contexto, Renan vê a atual indústria como uma máquina que prefere produtos enlatados e esvaziados de significado, pois são mais fáceis de digerir. “O esvaziamento interessa pra indústria, quanto mais enlatada e esvaziada vem essa novidade, mais fácil pro mercado”, analisa.

“A periferia vive muito a teologia da prosperidade. Então, quando ganha força um discurso de meritocracia, uma teologia da prosperidade, isso vem já colado num colado num discurso de ostentação e é um prato cheio para um Pablo Marçal da vida chegar e falar exatamente o que o cara quer ouvir”, alerta.

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O legado de “Corpo e Alma

Comemorando uma década de Corpo e Alma, Renan revisita esse álbum que marcou uma virada em sua carreira. “Ali tem muito capital afetivo e vontade”, recorda com orgulho. Foi após esse lançamento que ele tomou uma decisão que mudaria sua trajetória: abandonar seu emprego para viver exclusivamente da arte.

Como celebração, o rapper anunciou, com exclusividade ao TMDQA!, que o clássico será relançado numa edição limitada em vinil. Além disso, ele também está trabalhando num show comemorativo. Com 12 músicas, o álbum possui participações icônicas de Emicida, Arnaldo Antunes, Alexandre Carlo, Ellen Oléria, entre outros nomes.

Na visão do artista, o passado é um território de aprendizado, mas o futuro é um campo fértil de possibilidades. “PAPO DE FUTURO”, seu novo single, traz essa urgência de um artista que não se contenta em revisitar o ontem, mas que segue sedento por desbravar o amanhã. Em suas rimas, a vida pulsa, o pensamento se desdobra e a arte transcende as fronteiras do tempo. Porque, para Renan Inquérito, a palavra não é um fim, mas um meio — um meio de existir, de resistir e, acima de tudo, de renascer.

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