AUTENTICIDADE

Como "Maria Esmeralda" se tornou um dos melhores álbuns de rap da década

Álbum de Thalin, Cravinhos, VCR Slim, Pirlo e iloveyoulangelo é um mosaico de interpretações e sentimentos

Maria Esmeralda
Foto: Lucas Cavallini/Divulgação

Lançado em junho de 2024, Maria Esmeralda não é apenas um álbum de rap.

Composto por Thalin, Cravinhos, VCR Slim, Pirlo e iloveyoulangelo, o disco se tornou um fenômeno singular na cena musical paulistana, encantando críticos e ouvintes com sua narrativa densa, que transborda uma poesia moderna com raízes em temas clássicos.

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Em sua construção, há uma convergência de vozes e sensibilidades que transcendem a simplicidade de um relato, tornando-se um mosaico de interpretações e sentimentos que dialogam tanto com a memória quanto com o presente.

Na centralidade do álbum está Maria Esmeralda, uma personagem fictícia que emerge ao longo das 16 faixas como musa e metáfora, uma figura inspirada nas avós dos artistas e, de certo modo, na história popular do Brasil.

Cravinhos, um dos integrantes, descreve a escolha de Maria Esmeralda como algo que “junta um dos nomes mais populares do Brasil com uma preciosidade raríssima.” Ela é apresentada de forma etérea, e sua presença caminha entre amor, desilusão e nostalgia. Maria Esmeralda revela-se, assim, um álbum de dualidades: o amor e o desencanto, o drama e a calma, o antigo e o novo.

Segundo Langelo, “as batidas soam antigas, mas não ultrapassadas, e Maria Esmeralda está sempre nessa dualidade do romance e da vingança.”

Uma obra horizontal

A produção foi uma obra coletiva e horizontal. Cada artista trouxe um traço distinto, moldando o disco com uma perspectiva única, mas coerente. Enquanto Cravinhos mixava as faixas e Pirlo cuidava da masterização, VCR Slim se ocupava dos visuais e todos contribuíam nas letras e composições. A riqueza colaborativa é parte da identidade do disco, marcada por texturas que, como descreve Cravinhos, “soam underground, mas ao mesmo tempo apresentam muita sofisticação.”

Um momento especial do disco é a faixa de abertura, Lúdica, na qual a cantora Marília Medalha, lenda da MPB e esquecida pela indústria, recita um poema de sua irmã falecida, Marly Medalha.

Pirlo revela que a aproximação com Marília foi quase um destino: ela apareceu em um pequeno teatro onde o pai de Thalin era curador, e, a partir disso, um laço profundo foi criado. Para o grupo, a presença de Marília no álbum é mais que uma participação; é um tributo à resistência e à paixão pela arte. “Marília, que foi deixada de lado pela indústria, mas permanece amando a música e sua família, foi a cereja do bolo em Maria Esmeralda”, afirma Pirlo.

“No fim percebemos que não havia pessoa melhor para abrir o álbum se não Marília, uma pessoa que sofreu na ditadura, uma pessoa que foi deixada de lado pela indústria, mas que permanece amando a música e sua família. Uma pena ela não ser tão conhecida quanto os outros membros da Tropicália, por exemplo, pois é uma das maiores artistas que já pisaram nesse país”, acrescentou.

A abstração de Maria Esmeralda

Talvez, o que seja mais instigante sobre Maria Esmeralda é o papel do ouvinte. A narrativa do álbum é uma tapeçaria incompleta que convida cada pessoa a costurar seu próprio entendimento e sentimento. “A história de Maria Esmeralda é diferente pra cada um”, diz Langelo.

Thalin, que assume o papel de narrador em várias faixas, destaca o desafio de envolver o público sem impor uma única interpretação. “Praticamente o álbum todo eu rimei como um personagem, um narrador e não como Thalin, mas de uma maneira subjetiva. Então mesmo quando eu digo coisas íntimas, o ouvinte se sente parte daquilo, pois está ouvindo uma história e não um segredo”, explica ele, revelando um dos elementos mais sensíveis do projeto: a capacidade de transformar o íntimo em algo universal.

Com suas referências que vão da MPB clássica ao cinema marginal, Maria Esmeralda marca uma nova linha de produção no rap brasileiro, uma que desafia as convenções e mostra que a sensibilidade também é potência. Thalin observa que o álbum conseguiu unir artistas já reconhecidos, como Doncesão e yung vegan, a talentos emergentes que vêm ganhando espaço.

“Trouxemos uma melodia e uma sensibilidade que estava um pouco esquecida, além das histórias que soam como histórias, é um álbum de quase crônicas”, diz ele, refletindo sobre a ressonância que o disco alcançou entre ícones da cena como Marcelo D2, Daniel Ganjaman e BNegão, e também entre ouvintes de todas as partes do país.

No horizonte do grupo, que estará no lineup do C6 Fest em 2025, também está o desejo de expandir ainda mais essa conexão com o público. “A meta número um é levar esse disco para o máximo de pessoas possível”, afirma VCR Slim. E, como aponta Cravinhos, no universo do underground, a jornada de um álbum não termina no streaming, mas se fortalece no boca a boca e no palco.

Com Maria Esmeralda, o grupo não apenas criou uma obra que se coloca ao lado dos grandes lançamentos de 2024, mas também apontou novos caminhos para o rap brasileiro, provando que, quando há profundidade e autenticidade, a música pode tocar fundo, abrindo-se para interpretações que ressoam na vida de quem escuta.

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