Simplesmente "Carlos, Erasmo"

"Enfim, aqui estou": 50 anos depois, maior álbum de Erasmo Carlos ainda traz lições sobre o Brasil

Após presença na trilha sonora do filme "Ainda Estou Aqui", disco de 1971 tem mostrado diálogo com gerações pós ditadura e pós pandemia

"Enfim, aqui estou": 50 anos depois, maior álbum de Erasmo Carlos ainda traz lições sobre o Brasil
Imagens: Divulgação

Tive o prazer e a honra de entrevistar Erasmo Carlos duas vezes, sendo a última durante a pandemia em 2022, depois que o cantor se recuperou da COVID-19 e retomou a agenda de shows com alguma segurança graças à vacina.

Na ocasião, o Tremendão fez uma reflexão surpreendente ao dizer que “o Brasil está cuidando mal das novas gerações” e afastando a juventude da cultura, de maneira mais intensa hoje do que era na época da Jovem Guarda, quando vivíamos a ditadura militar.

Infelizmente, o “gigante gentil” da música brasileira nos deixou no final daquele ano, mas agora em 2024 a sua obra eterna está em alta novamente graças ao filme Ainda Estou Aqui, que fala justamente sobre as torturas e abusos institucionais na década de 1970.

O longa estrelado por Fernanda Torres tem na trilha sonora o clássico “É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo”, do álbum Carlos, Erasmo (1971), e neste artigo eu vou te explicar os motivos que fazem desse disco um verdadeiro amigo do Brasil.

Erasmo Carlos: da Jovem Guarda à música de protesto

Na virada para os anos 1970, o presidente Emílio Médici implantou uma das fases mais repressivas do regime militar brasileiro, com censura da imprensa e da arte, perseguições, torturas e desaparecimentos, como retratado no filme de Walter Salles.

Erasmo Carlos era reconhecido como pioneiro do Rock no Brasil à época, com hits como “Festa de Arromba” e “Sentado à Beira do Caminho”, mas buscava também explorar ritmos mais nacionais, acumulando parcerias com Elza Soares, Tim Maia e, claro, seu maior parceiro Roberto Carlos.

Para seu sétimo disco de estúdio, o compositor decidiu gravar canções de outros autores: Caetano Veloso escreveu para ele “De Noite na Cama”, Jorge Ben Jor fez “Agora Ninguém Chora Mais”, e Taiguara compôs “Dois Animais na Selva Suja da Rua”.

Mas foram Erasmo e Roberto que compuseram as canções mais significativas do disco, como “Gente Aberta”, que tem o famoso e romântico verso – e por isso mesmo, subversivo – “Se o amor me chamar, eu vou”.

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Carlos, Erasmo e o profundo desejo de viver em um Brasil contraditório

Carlos, Erasmo tem 13 faixas em pouco mais de 40 minutos, com produção de Nelson Motta, e mostra um Tremendão influenciado pelo movimento hippie, misturando Funk Psicodélico com Samba Rock e MPB.

Mas o disco se tornou um verdadeiro clássico graças à terceira faixa, “É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo”, com guitarras explosivas gravadas por Lanny Gordin, lendário músico da Tropicália que gravou com Gal Costa, Rita Lee, Jards Macalé e mais.

Já a letra da canção é um verdadeiro retrato do Brasil sitiado, um relato da resiliência do nosso povo com versos como: “Estou envergonhado com as coisas que eu vi / Mas não vou ficar calado, no conforto acomodado, como tantos por aí”.

Quando confrontei Erasmo com esses versos imortais, na entrevista de 2022, o cantor disse que ainda tinha o mesmo vigor e vontade de viver de quando a escreveu, mas que o nosso país ainda vivia alguns dos mesmos problemas de 1970:

“O mundo está seguindo e eu não posso ficar parado, senão vou ser atropelado pelo progresso. Eu posso não saber da notícia, mas sei da manchete. Eu descobri, por exemplo, as playlists. Que maravilha! Nunca convivi tanto com música como agora. Passou a ser minha mania: eu respiro, como e faço playlists.

Tem um pessoal brasileiro fazendo música da maior dignidade, mas que não tem lugar pra se apresentar. As TVs e rádios não mostram, optam pela música que eu chamo ‘carnavalesca’, como o funk, em que sua única responsabilidade é se divertir e dançar”.

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Ouça Carlos, Erasmo, o maior álbum do Tremendão

Ou seja, o disco Carlos, Erasmo não é apenas uma fotografia crua da ditadura militar no Brasil, mas também uma lição para os dias atuais e futuros, para seguirmos em frente com a cabeça erguida e a mente aberta.

Erasmo e Roberto Carlos, Rubens e Eunice Paiva, Fernanda Torres e Montenegro… são daquelas histórias que não se apagam jamais, nomes que estão enraizados na cultura brasileira graças ao poder que discos e filmes têm na nossa vida, ainda que o inimigo tente reprimir a arte e a democracia.

Ouça abaixo o seminal Carlos, Erasmo na íntegra e acompanhe também o vídeo da nossa Quarta do Colecionador, no Instagram, mostrando a belíssima edição em vinil do álbum. E se ainda não foi ao cinema assistir Ainda Estou Aqui, tá esperando o quê?!

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