A música sempre foi um espelho de cada artista, mas poucos conseguem refletir suas raízes de maneira tão crua e, ao mesmo tempo, sofisticada como o DJ e produtor MU540. Com o lançamento de 4×4, seu novo EP, ele não apenas reafirma sua relevância como inovador na cena do funk e da música eletrônica, mas também nos convida a um mergulho filosófico sobre identidade, resistência e transformação cultural.
MU540 é um arquiteto sonoro, alguém que transforma beats em novas histórias influentes. A mistura de afrohouse e baile funk em 4×4 não é um mero capricho, mas uma afirmação de que a música periférica brasileira pode – e deve – ser global, sem perder suas raízes.
“O funk é movimento social, é periférico, mas ele também é música eletrônica”, afirma o produtor. Esse manifesto musical, dividido em sete faixas energéticas, é uma aula de como subverter expectativas sem abdicar da autenticidade.
A autenticidade de MU540
MU540 aprendeu cedo que estar à margem também significa ter a liberdade de criar sem amarras.
Desde os tempos em que desenhava MPCs imaginárias nas carteiras da escola, ele já entendia que a música é um espaço de possibilidades infinitas. Hoje, seu trabalho é marcado por um equilíbrio raro: é autoral, mas dialoga com o mercado. “Eu sou DJ e trabalhador. Sei desenrolar na indústria, mas mantenho minha autenticidade em alta sempre. Quando você é autêntico, o público sabe onde te encontrar”, explica.
Sua visão musical ampla faz de MU540 um produtor capaz de unir elos que, durante muito tempo, estiveram desconectados. Ao unir o rap e o drill com o funk, ele mostra que é possível encontrar um ponto em comum entre os gêneros, destruindo qualquer barreira.
“Eu sempre busco uma congruência entre os dois gêneros. Num triângulo isósceles, a gente tem ângulos congruentes, e temos estilos musicais que são congruentes também. É possível unir o funk consciente com drum & bass ou o Racionais com Banda Djavú. A gente tem uma barreira na nossa cabeça que não deixa a gente enxergar esses estilos congruentes. Foi o que eu vi com o drill e o funk”, exemplifica.
O house e o funk
Essa autenticidade aparece de forma contundente em faixas como “DZ7”, que funciona como um portal para o universo de 4×4, e “06:40AM”, em parceria com MC Laranjinha e Cave, cujo videoclipe mergulha na estética periférica sob a direção de BOY PRINCESS. Aqui, a semiótica é tão importante quanto o som: MU540 traduz em imagens e beats a resistência cultural que pulsa nas quebradas.
A fusão de funk e house music em 4×4 é mais do que uma escolha artística; é um ato político. MU540 enxerga o house – um gênero nascido da cultura preta – como um espelho do que o funk representa hoje: um movimento roubado e, ao mesmo tempo, resistente. Nesse processo, o produtor “esconde” o funk por trás da música eletrônica em seu novo EP.
“Estou trazendo a linguagem do funk com a roupa do house para enganar eles”, revela. Essa estratégia é uma metáfora sobre como o funk pode navegar entre mundos e públicos distintos, sem perder sua essência. “O que acontece quando um cara de negócios vê um funkeiro? Ele foge. Agora, se ele vê um funkeiro vestido igual a ele, ele conversa.”
Para MU540, o funk é mutável porque é vivo. Ele absorve influências, adapta-se, mas nunca se rende. “Sabe por que existe o funknejo? Porque o funk é a única música que consegue capturar massas sem ser forçado, é tudo o que a indústria quer. Ele tem facilidade pra se unir com outros gêneros. Por isso que eu estou trazendo isso e mostrando o funk como música eletrônica”, argumenta.
Os graves de MU540
Em 4×4, cada faixa é uma construção sonora única, pensada para “machucar os sistemas de som” e fazer o mundo dançar. Esse “conceito de pista”, como ele descreve, é sustentado por uma engenharia musical que carrega sua assinatura: graves intensos, distorções e uma mistura de texturas que só podem ser encontradas em suas produções.
O produtor relembra da criação de “HINO DOS D“, música do álbum em parceria com o rapper Kyan, onde utilizou a inteligência artificial pra criar um sample único e uma estética completamente própria.
“Eu gosto de tirar algo da manga que ninguém espera. Vou na plataforma de Inteligência Artificial, coloco as características das músicas que eu quero e transformo a IA numa parceria musical, criando sons que são únicos. Eu foco no sound design, o meu grave característico é criado da minha cabeça. São sons que a pessoa nunca vai achar na vida, porque só tem naquela música.”
O funk como transformador social
Mais do que um DJ, MU540 é um filósofo do som. Ele vê na música um campo de batalha cultural, onde questões como elitização e marginalização estão em jogo. Para ele, o funk não é apenas entretenimento; é um instrumento de mudança social. Por isso, ele alerta sobre a apropriação do gênero.
“O funk muda a vida das pessoas. Por isso, tem muito playboy querendo entrar na cena. Porém, se o funk é uma oportunidade para pessoas que não são de baixa renda, ele também é uma oportunidade de mudança de vida de várias pessoas de baixa renda, certo? Ele é uma oportunidade de mudança para quem precisa, mas precisa ser cuidado com carinho pelo Brasil.”
Ao ouvir 4×4, não estamos apenas apreciando música; estamos participando de uma conversa sobre o Brasil, o mundo e as intersecções entre arte, política e identidade. MU540 nos convida a pensar no funk como um fenômeno que transcende gêneros e barreiras.
Com seu EP, MU540 não apenas entrega faixas para pistas de dança, mas também propõe uma reflexão sobre o lugar da música periférica na era global. Como ele mesmo diz, “o funk é gigante, e ele transforma a vida das pessoas”. E em 4×4, ele prova que essa transformação pode começar com um grave bem afinado e uma batida que nunca para.
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