Direitos Autorais na televisão

Netflix precisou de autorização da família para fazer a série Senna?

Minissérie sobre Ayrton já é a mais vista de língua não-inglesa da plataforma

Senna comemorando vitóia na série do Netflix com champagne / espumante.
Senna comemorando vitóia na série do Netflix com champagne / espumante.

Por Fernanda Galera e Guilherme Coutinho

A polêmica em torno da nova série de Ayrton Senna na Netflix é o assunto do momento. Como pode uma obra sobre a vida de um dos maiores ícones do automobilismo omitir detalhes importantes, como o relacionamento de mais de um ano de Adriane Galisteu com o piloto, sendo que ela estava ao seu lado na Europa no momento do fatídico acidente?

A primeira resposta é simples: a série é uma obra ficcional. Isso significa que, embora baseada em acontecimentos reais, houve liberdade criativa para modificar eventos, incluir personagens e enfatizar certos aspectos enquanto outros foram minimizados. Por ser ficção, não há compromisso com a verdade factual.

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No entanto, persiste a dúvida: por que então houve a necessidade de autorização da família Senna? Não seria mais fácil produzir um documentário biográfico, abordando inclusive os conflitos e as relações pessoais mais controversas do piloto?

Aqui entra um dilema jurídico e reputacional. Embora biografias não necessitem de autorização, conforme estabelece o artigo 20 do Código Civil e reafirmado pelo STF no caso da biografia de Roberto Carlos, ainda existem limites para essa liberdade. A família poderia, por exemplo, alegar que o conteúdo ofende a honra ou a reputação de Ayrton Senna ou de seus familiares. Essa ressalva é prevista na legislação para equilibrar a liberdade artística com os direitos de personalidade. Assim, uma biografia não poderia incorrer em difamação, calúnia ou injúria.

Para evitar esses riscos, é comum buscar autorização da família ou dos herdeiros do biografado, mesmo quando não é obrigatório. Isso reduz as chances de processos judiciais, que podem levar a indenizações ou retirada do conteúdo do ar. Há ainda outro motivo relevante no caso Senna: os direitos sobre seus ativos tangíveis e intangíveis, geridos pela empresa Ayrton Senna Empreendimentos Ltda.

Essa empresa detém mais de 50 marcas registradas, incluindo o nome “Ayrton Senna”, sua assinatura, o capacete icônico e outros símbolos associados ao piloto. Já falamos sobre a importância de proteção de marcas de bandas aqui. Conforme o artigo 130, inciso II, da Lei de Propriedade Industrial, qualquer utilização dessas marcas exige autorização prévia. Além disso, a lei obriga o titular da marca a zelar por sua integridade e reputação, o que significa que qualquer uso não autorizado ou considerado ofensivo pode ser questionado judicialmente.

Outro ponto crucial é o acesso a arquivos pessoais, imagens raras e itens que retratam a vida do piloto, muitos dos quais estão sob controle da família. Sem autorização, seria quase impossível incluir esses elementos na série. Muitas vezes os contratos com familiares preveem, além de autorizações de direito de imagem e direito autoral, também uma prestação de serviços que inclui entrevistas, acesso a materiais restritos e afins.

Diante de tantos desafios legais, financeiros e práticos, faz sentido que a produção tenha preferido evitar problemas e seguir as condições impostas pela família Senna. Pode não agradar a todos, mas essa decisão garantiu que a série fosse adiante sem tropeços, mesmo que algumas escolhas criativas ainda deixem espaço para debates entre os fãs.

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A coluna Direitos Autorais trata de direitos autorais de forma simplificada e direta. Guilherme Coutinho comanda a coluna e convida especialistas para colaborar.

Fernanda Galera Soler colaborou neste artigo. Ela é advogada, perita e autora. Doutora e Mestre em Direito pela FDUSP. Pesquisadora da University of Oxford. Especialista em Propriedade Intelectual pela ESAOAB.

Gui é Doutor em Direito pela USP. Advogado, consultor e professor na área de direitos intelectuais e contratos desde 2008. Fundador da Phonolite, empresa especializada em direitos autorais e mercado da música que atua como editora, representante de artistas, gravadoras e promove eventos e cursos.

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