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Entrevista Exclusiva: Fito Páez

O incansável cantor, compositor, músico, cineasta e poeta argentino nos recebe para uma conversa na cobertura do hotel onde estava hospedado.

Entrevista Exclusiva: Fito Páez

Fito Paez TMDQA

Numa tarde ensolarada um homem me esperava no bar na cobertura de um hotel chique no Rio de Janeiro. Enquanto outros hóspedes brincavam na piscina ali perto, o homem apagava seu cigarro, pedia um chopp e me cumprimentava com um sorriso sincero e simpático. Ali na minha frente, quase desapercebido dos turistas e dos nativos, estava um dos maiores nomes do rock em toda América Latina: o argentino Fito Páez.

Fito nasceu Rodolfo, 50 anos atrás, na cidade de Rosário. E, enquanto a música brasileira efervescia com uma geração de rock de Blitz, Barões, Legiões e Titãs, ele reinava, se tornando o maior vendedor de discos do rock argentino.

Dono de álbuns clássicos como “El Amor Después del amor”, “Circo Beat” e “Ciudad de pobres corazones”, Fito estava no Brasil para divulgar seu novo álbum de estúdio – terceiro esse ano! – , o divertido “Yo Te Amo”, e topou conversar com o TMDQA sobre música latina, sobre criação e sobre discos.

TMDQA!: Recentemente eu entrevistei o Kleiton & Kledir e eles falaram que “boa parte do Brasil está literalmente de costas para a música da América Latina”. Como você vê essa distância? Você sente uma distância?

Fito Páez: Acho que é bem mais complexo… Temos que levar em consideração a posição do Brasil, posição geo-política… O Brasil tem outra língua e foi considerado por muito tempo uma “ilha” dentro da América Latina e foram os feitos de vários artistas da música popular que fizeram com que essa distância completa fosse desaparecendo. Por exemplo, as versões que Gilberto Gil e Caetano fizeram, nos anos 70, sobre tangos argentinos ou “Fina Estampa” (de Caetano Veloso), um álbum inteiro que retomou parte de um imaginário latino-americano e que teve muito sucesso… no Brasil também.

Além disso, os músicos se uniram mais com o passar do tempo… Isso foi algo que me aproximou muito da música popular brasileira. Mas é um fato que o Brasil tem uma música muito poderosa. Que influencia também boa parte da América. É uma relação complexa, mas rica… Ou pelo menos, eu, como argentino, tenho muito que falar e falar e desfrutar da música brasileira… Faz parte da trilha sentimental da minha vida. Me sinto muito perto do Brasil… Mas como o Brasil se coloca nesse mapa é algo muito pessoal aos brasileiros…

TMDQA!: 2013 foi um ano muito produtivo para você. Você lançou um livro e 3 discos! E os três são muito diferentes entre si, principalmente “El Sacrificio” e “Yo Te Amo”. Como você escolhe qual música entrará em cada projeto?

Fito Páez: No caso de “El Sacrifício” e “Dreaming Rosario” foram músicas que tinha feito de 1989 até hoje. No primeiro, são músicas “malditas”, canções com histórias pesadas, tortuosas, que não haviam encontrado casa em todos esses anos. Em “El Sacrificio”, eles poderiam conversar entre si, se gerar tensões… Lá estão todas as garotas ruins. (Risos)

“Dreaming Rosario” foi composto nesse tempo, nesses 23, 25 anos e são canções mais amáveis, há momentos instrumentais… E fiz esse disco para ajudar as pessoas afetadas na tragédia de Rosario, onde um edifício explodiu e muitas famílias foram prejudicadas. Foi um motivo para doar tudo para ajudar os necessitados, fizemos uma tour para isso…

Já “Yo te amo” foi composto nesses últimos dois anos e calhou dos três saírem quase juntos… Foi muito pesado, uma tarefa complicada… É muito material, muitas emoções diferentes uma das outras… Mas eu sou assim também e contra isso não se pode fazer nada. (Risos) 

TMDQA!: Boa parte da imprensa disse que “Yo te amo” e “Dreaming Rosario” mostram um “Fito sentimental”… Mas você sempre falou do amor… Desde o “amor depois do amor”… Como você encara o amor hoje? Algo mudou nesses anos?

Fito Páez: Não… Acho que o amor, o tempo, a morte, a loucura, a paixão são os temas da existência humana. Não dá pra fugir muito ao fazer uma canção. É o material emotivo. São temas recorrentes… O que tem de diferente no “eu te amo” de “Yo te amo” é que o amor pode vir de muitos lugares distintos, não só o de um casal, entre quatro paredes… Mas o amor por amigos, por filhos, por algum objeto que amamos. Tudo isso está dentro desse disco…

TMDQA!: Que traz uma cara mais pop. O amor é pop ou é o pop que sugere um amor?

Fito Páez: Engenhosa ideia… mas não… O amor é uma ideia delirante… Tem uma famosa frase que diz: “de que falamos quando falamos de amor?”. Nesse caso acho que colocando os outros álbuns numa balança… Os sentimentos de “Yo te amo” são realmente pop.

TMDQA!: Recentemente você comemorou os 20 anos de “El amor después del amor” e ano que vem será a vez de outro grande sucesso, “Circo Beat”. O que mudou na sua música nesses 20 anos?

Fito Páez: A música é uma linguagem. Então eu tento conhecer essa linguagem. Investigar, buscar como trabalhar só com piano, quarteto de cordas, orquestras, arranjando para orquestras… Fazendo canções em diferentes gêneros… Não esqueça que na Argentina temos uma música muito rica e posso brincar com muitos gêneros diferentes…

Fito Paez para o TMDQA

TMDQA!: E a relação com o mercado? Como você se relaciona com o download, com o streaming?

Fito Páez: É difícil… Sabe, acho que minha relação com o mercado é quando vou lá comprar comida. (Risos) Eu faço música, escrevo, faço cinema… E não tenho tempo para analisar como funciona o mercado fonográfico no século XXI… Sei algumas coisas… Quando a indústria inventou o CD, ela criou sua cura e sua doença, que foi a máquina de copiar CDs. E foi isso que mudou a indústria, que sofre com as consequências dessa decisão. Eram todos milionários nos anos 90 e agora não sabem o que fazer… Estão perdidos.

TMDQA!: Você citou sua carreira como cineasta. Temos algum novo projeto em vista?

Fito Páez: Sim, sim… Estou terminando de reescrever um roteiro que se chama “Novela”. Foi o primeiro que escrevi. E agora estou com um roteirista me ajudando para tentar fechar até o ano que vem.

TMDQA!: Algum projeto pra 2014 além disso? Férias, novo disco? 

Fito Páez: Sim! Tenho ideias mas ainda vou ter que fazer a tour do novo disco… Eu faço música o tempo todo, ontem mesmo estava compondo aqui no hotel, ao piano. Nunca sei o destino final disso.

TMDQA!: E shows? Dessa vez você só veio para Porto Alegre… Teremos mais shows?

Fito Paez: Com certeza. Já temos planos… Creio que uma parte antes e outra depois da Copa do Mundo…

TMDQA!: Nosso site se chama Tenho Mais Discos que Amigos. Você tem mais discos que amigos?

Fito Páez: Amigos são amigos, mas discos são como eles… Eles te ajudam… Te acompanham, estão com você… O que estou falando? Pessoas são pessoas… Mas olha, não tenho tantos amigos assim… Nem tantos discos… Nesses últimos anos tenho adquirido o hábito perdido de re-escutar. E voltei a descobrir tanta música…

TMDQA!: Você tem algum disco para indicar desses?

Eu ando ouvindo muito Schumann, tenho buscado tudo que já gravaram dele…

TMDQA!: Isso tem influenciado seu modo de criar?

Fito Páez: Sim e não… Tem uma frase de Jobim que, ao ser perguntado se ele era influenciado pelo jazz, respondeu “isso não é jazz, é Chopin”. (Risos) O conservatório europeu foi muito importante para a formação musical do mundo ocidental… Não tem como fugir…