“falta uma banda q una todas as tribos.Como foi o Norvana”
Quando Dinho Ouro Preto publicou essa belíssima frase na sua conta oficial do Twitter, as pessoas discutiram mais o nome do Nirvana escrito errado do que qualquer outra coisa, por motivos óbvios.
Apesar de tudo, a ideia por trás do que Dinho falou no Twitter tem muito a ver com o momento que o rock brasileiro passa, onde o underground vive uma de suas melhores eras e, ao mesmo tempo, o mainstream tem praticamente zero bandas do estilo nas rádios e canais de televisão país afora.
Historicamente falando, não apenas aqui no Brasil mas também lá fora, sempre foi necessário que uma banda independente estourasse nos principais palcos para que a atenção voltada a ela e seu número de fãs dessem base e sustentação para mais uma penca de nomes, e as mais diversas cenas se consolidassem como gêneros de massa.
Um dos bons candidatos a serem daqueles grupos que agradam os mais variados e exigentes tipos de fã dos inúmeros sub gêneros do Rock And Roll é o Scalene, de Brasília.
O grupo está no circuito independente há um tempo considerável para ganhar experiência de palco e de estrada, e com seu primeiro disco, Real / Surreal, mostrou os talentos do vocalista e guitarrista Gustavo Bertoni, que tem apenas 21 anos de idade e é responsável por boa parte das composições da banda.
Foi com o álbum, também, que uma base de fãs começou a se formar, a ponto de levar os brasilienses para o palco de festivais como o Lollapalooza Brasil e o famigerado SXSW, em Austin, Texas.
Éter é o nome do novo disco da banda e, de uns tempos pra cá, tornou-se um dos lançamentos mais aguardados do rock nacional, primeiro pelo respeito que o underground tem pelo Scalene, e segundo por uma participação recente no programa de televisão SuperStar, onde a banda só recebeu elogios e bateu recorde de votação do público.
“Sublimação” abre os trabalhos do disco com a sonoridade característica do Scalene e a mistura certeira entre peso e melodia; logo de cara, o vocal de Gustavo Bertoni atua na canção como um instrumento, algo que a maioria das bandas brasileiras têm dificuldade em executar como acontece aqui. Cantando em Português, a banda ganha ainda mais pontos no quesito de acessibilidade.
Na sequência vem “O Peso da Pena”, que nem precisaria ter “peso” no nome para mostrar a que veio. Uma variada gama de influências aparece no som, de Deftones a Queens Of The Stone Age, passando pelo Muse. É com a banda britânica, muito provavelmente, que a banda será comparada por boa parte dos ouvintes e veículos de massa, muito em função de canções como “Histeria”. Mas não se engane, há muito mais aqui em um caldeirão com a cara do Scalene.
O rock alternativo dos anos 90 e o grunge, por exemplo, são muito bem representados em “Fogo”, canção que deixaria qualquer expoente de Seattle feliz da vida com sua instrumentação mesclando violões e guitarras, e o vocal de Gustavo aliado às suas letras. O que começa como uma balada se transforma em um som épico através de uma ponte que realmente arde como o fogo.
Há espaço também para os pianos e os arranjos cheios de beleza, como em “Gravidade”, que contrasta seu clima melancólico com a letra que fala de Rivotril e sobre como “a paz que procura não é química”, antes de embarcar em um refrão daqueles de cantar junto. Aqui a capacidade de Gustavo e companhia em viajarem entre os mais diversos estilos em tão pouco espaço, e de maneira tão bem amarrada, surpreende mais uma vez.
Surpreende também a ótima “Furacão”, por sua beleza e letra. A primeira canção de Éter sem guitarras pesadas em algum momento mostra que o Scalene não apenas está confortável, como sabe o que faz quando diminui o volume. E melhor, ainda emenda seu fim na próxima faixa, “Terra”, cuja introdução vai te lembrar do rock nacional dos Anos 80 e 90 antes de explodir em um som que novamente chama gente como Pearl Jam, Alice In Chains e Soundgarden para conversar bem de perto. A faixa conta com a participação de Mauro Henrique, do Oficina G3.
Competente e chegando ao seu final, o novo disco do Scalene ainda tem espaço para um hit radiofônico cheio de “Oh Oh Oh” na pele de “Náufrago”, um resumo do que a banda faz de melhor o tempo todo: peso, melodia, vocais, letras. O ápice de Éter chega quando Gustavo canta sobre como “cada um carrega um mundo singular”.
“Alter Ego” tem uma veia de pós punk, um quê de indie rock e solos a la QOTSA em sua mais recente fase, enquanto “Tiro Cego” volta a apostar na variação entre guitarras limpas e carregadas de distorção.
Ao final do disco, após pouco mais de 40 minutos, petardos e afagos, o ouvinte se depara com a sombria e gigantesca “Loucure-se”, que faz bom uso do viés teatral e temático mostrado tanto no seu álbum anterior quanto nos clipes do Scalene, com arranjos de corda, guitarras, guitarras e mais guitarras, que se despedem do álbum antes de “Legado”.
Quando a faixa, baseada na percussão marcante, foi disponibilizada pela banda para divulgar seu novo disco, pareceu estar longe da imponência de trabalhos anteriores do grupo, mas aqui, encerrando o disco, faz mais sentido com harmonias e berros que encerram Éter de maneira redondinha para que fique aquela vontade de apertar o play novamente.
Há elementos o suficiente para agradar os mais variados gostos em Éter, novo disco do Scalene. Melhor do que isso, há influências muito bem trabalhadas e arranjadas de forma que incorporam o som do grupo como ingrediente mesmo, e não como cópia.
Junte isso à voz bastante única do seu vocalista e a capacidade que a banda tem de arriscar quando é necessário, e você tem um dos sérios candidatos a melhor disco nacional de 2015.
Se o Scalene vai ser o “Norvana” que vai juntar as tribos, não dá pra saber, mas dá pra chutar, com grandes chances de fazer um golaço, que os brasilienses serão um dos grandes nomes do país em pouquíssimo tempo e têm o que faltou em nomes que apareceram no mainstream e falharam nos últimos anos: credenciais, credibilidade e talento de sobra.
Éter sai em 19 de Maio.