Escrevo esse texto enquanto o sangue do meu herói ainda está quente. Não só pelo pouco tempo que faz, mas também por sua arte estar tão presente. E arte recente, assim como a sua partida.
Lembro que meu primeiro contato com David Bowie foi ainda pré-adolescente. Assisti ao filme “Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída” e ele faz uma participação cantando. Fiquei mais que intrigado por aquele homem que parecia desafiar tudo. Minha mente juvenil explodiu em mil possibilidades e vontades e sentimentos e representatividade.
A partir daí ele se agarrou em cada período da vida que eu estava começando a construir. Sendo como espelho dos desajustados, questionando gênero, escancarando sexualidade e quebrando cada regra que existia. E era muitos. Era Ziggy, Major Tom, Thin, Jack. E era eu. E era ele.
Até que aquele ídolo que não lançava nada desde que me entendia por gente e não tinha interesse em música, voltou de forma grandiosa com The Next Day, um disco que sempre me pareceu tão esperançoso e vivo. Não satisfeito, três anos depois, anunciou e lançou Blackstar, que viria a ser sua elegia.
Não posso negar que ainda não consegui ouvir o novo álbum após a notícia. Não quero encarar como sua despedida, sua última performance, a instalação final. “Olhe para cima, eu estou no céu”, ele fala na belíssima “Lazarus”. Ele já estava preparado e queria nos dar um presente antes de partir. É difícil processar a generosidade de um homem que durante uma batalha de 18 meses contra um câncer ainda encontrou vigor para gravar um registro tão atual e relevante. É um nível de doação que nós, pessoas comuns, talvez nunca conheçamos.
Imagine o quanto um artista como Bowie fez por cada jovem confuso com sua imagem, seu lugar nesse planeta e com quem deveríamos amar. Não é pouco. Seu legado é tão maior que apenas a música. Sua marca vai ficar em todo mundo que se questiona e se sente desconfortável na própria pele. Várias gerações vão admirar sua arte, nossos bisnetos vão perguntar onde a gente estava quando ele morreu. Bowie é para sempre. Pó de estrela é eterno.
“David Bowie era um grande amigo, ele só ainda não sabia disso”, falou uma jornalista hoje na BBC Radio 6. Não tenho como concordar mais. Obrigado por tudo, amigo. Obrigado por dividir a vida conosco. Até um dia!
https://www.youtube.com/watch?v=louXPUW7tHU