Em 2008, o coletivo paulistano Na Humilde Crew lançou um single chamado “Triunfo”, do até então desconhecido rapper Emicida. Através do boca-a-boca, o primeiro lançamento do que viria a se tornar o Laboratório Fantasma repercutiu na cena alternativa do rap nacional e pavimentou o caminho para o lançamento da mixtape Pra quem já Mordeu um Cachorro por Comida, até que eu Cheguei Longe… e o resto é história que todos nós conhecemos.
Por trás de Emicida e do Laboratório Fantasma está, e sempre esteve, seu irmão Evandro Fióti. Ele, acostumado a ser ‘o cara’ dos bastidores desde os tempos do Na Humilde Crew, reuniu também nomes como Rael da Rima, Ogi e Flora Matos e montou um verdadeiro império que, hoje, além de gravadora responsável pelos nomes acima, é loja de discos, roupas e acessórios, e já organizou um festival.
Mas Fióti ainda não se dá por satisfeito, e parece ter esperado o momento certo para sair do backstage e tomar o microfone. Composto com a ajuda de nomes mais que pesados da música nacional, Gente Bonita é sua primeira aventura oficial como artista e carrega seis faixas enraizadas na MPB.
Aproveitamos o lançamento dessa “celebração das pessoas” para falar com o talentoso e visionário Fióti sobre o processo de gravação do EP, suas influências, as parcerias na composição e execução das músicas e, claro, os próximos planos do Laboratório Fantasma.
Ouça Gente Bonita e leia a entrevista abaixo!
TMDQA!: Você está no mundo da música faz tempo, mas o EP é seu primeiro trabalho autoral. Conta um pouco sobre como foi a experiência de planejar e gravá-lo!
Fióti: Eu já tinha a ideia de fazer algo há algum tempo, e pessoas próximas me chamavam atenção para isso. Dentro de mim as coisas estavam um pouco decididas em respeito à direção que esse trabalho tomaria. A produção foi bastante orgânica: liguei para alguns amigos com quem já tinha trabalhado no Laboratório, gente com quem tinha identificação tanto musical quanto pessoal, e rolou na maior naturalidade.
TMDQA!: Apesar de sua conexão com alguns dos maiores nomes do rap nacional como o Emicida e o Rael da Rima, o EP é enraizado em outros gêneros: tem samba, reggae, MPB… essa é a linha que você pretende seguir em lançamentos futuros? E quais artistas te influenciaram?
Fióti: Aquilo é o que consigo entregar de forma mais pura. Eu ouço de tudo, gosto de muitos estilos variados, mas nesse projeto quis focar na brasilidade, nessa coisa que corre nas veias. Escuto muito música brasileira: Cartola, Racionais, Gilberto (Gil), Djavan… é algo que está dentro de mim. Mas a música é feita de momentos – uma hora estou ouvindo mais MPB, em outra é rap, e assim por diante. Pensando no ‘hoje’, estou satisfeito com a textura desse disco.
TMDQA!: Embora este seja seu primeiro lançamento, ele já tem um peso enorme se formos analisar os nomes envolvidos: Juçara Marçal, Thiago França (Metá Metá), e ninguém menos que Caetano Veloso no clipe de “Obrigado, Darcy!”. Como se desenvolveram essas parcerias?
Fióti: Essas são pessoas muito carinhosas, queridas que conheci no decorrer da minha caminhada. Todas as participações aconteceram de maneira espontânea. Postei uma foto no Instagram e o Thiago disse que queria participar; quanto à Juçara, eu estava produzindo com o Rodrigo Campos e ele falou: “vamos chamar a Ju pra essa faixa?”; já a presença do Caetano no clipe aconteceu porque o mostrei pra Paula Lavigne e disse que queria alguém narrando a história do Darcy (Ribeiro). Fiz a proposta pra ela e ela sugeriu o Caetano, disse que ele ia gostar. Aí ele gravou na casa dele mesmo e mandou! Fiquei meio nervoso nessa hora.
TMDQA!: O EP é uma espécie de análise do cotidiano, algo bem característico do samba e da MPB. E a existência de um trabalho que faça contraste à instabilidade política, à violência contra a mulher, e outros assuntos tristes que ganharam muita relevância nos últimos meses é bastante positiva. Você queria fazer um trabalho ‘feliz’, digamos assim, quando começou a idealizá-lo?
Fióti: Estava fazendo esse disco desde o começo do ano e essas ‘bombas’ ainda não haviam estourado. E foi sem nenhum conceito pré-definido, a celebração das pessoas surgiu naturalmente. Eu preciso desenvolver meu lado de letrista. A arte se faz importante quando cria uma transformação na sociedade, e não sei se tenho capacidade de compor uma critica social focada. Mas estou rodeado de pessoas que me fazem muito bem e prefiro focar no meu ponto forte, que é composição musical. O Emicida, o Rael, eles têm o dom de escrever daquele jeito, e a hora que peguei as letras deles pensei “deixa eles fazendo isso e eu faço a música”, porque o talento lírico deles é de outro mundo. E são coisas que normalmente não estariam nos trabalhos deles, então rola essa oportunidade de eles explorarem um outro universo, mas sem pretensão.
TMDQA! Vamos falar do Laboratório Fantasma: o que está rolando agora por lá e o que podemos esperar ao longo desse ano? Algum plano para o retorno do Festival Ubuntu?
Fióti: Estamos organizando a empresa para trabalhar novos artistas e fazendo análise com algumas pessoas. A ideia esse ano é conseguir trabalhar como gravadora mesmo. O mercado condicionou isso para nós. Temos o disco novo do Rael (da Rima), produzido pelo Daniel Ganjaman, e a turnê do Emicida na Europa que estamos planejando há muito tempo, então o foco é nesses dois grandes projetos. Sobre o festival: queremos fazer em novembro mas precisamos da cota de patrocínio. Ela não está garantida, então é arriscado dizer qualquer coisa agora, mas queremos voltar com o Ubuntu sim.
TMDQA!: Hoje o Laboratório está produzindo em diversas frentes, num ritmo acelerado. Com toda a correria e os compromissos, você ainda sente prazer em trabalhar nele do jeito que sentia quando começou?
Fióti: A burocracia existe. Tem coisas no trabalho que dão prazer e outras nem tanto, mas isso é normal – tem que passar por um lado ruim para ter o bom. Quando começamos não era tão burocrático, mas o caminho era mais difícil; crescemos, temos mais pessoas para administrar e mais contas para pagar, mas também temos produções melhores que alcançam muito mais gente. Nós nos consolidamos como uma empresa na música. Viemos desenvolvendo uma turnê há quatro anos e ela vai acontecer agora, que é a do Emicida na Europa. Isso dá prazer, porque existem muitas barreiras entre o mercado brasileiro e o resto do mundo. Exportar uma música que não é daquele continente é foda, então conseguir abrir esse diálogo lá fora é gratificante. A música nacional é muito importante e respeitada mundo afora, inclusive a nova geração dela. Você para a Europa e vê festivais dedicados à nossa música, portanto temos que continuar trabalhando esses novos expoentes dela.
TMDQA!: Você tem mais discos que amigos?
Fióti: Mais discos, de lavada. Todo dia conversamos sobre discos no Laboratório. Ouço mais música do que converso com pessoas: de manhã depois de acordar, no trânsito, chegando em casa à noite…