Começa amanhã (14), em Brasília, o Festival Satélite 061, um dos mais representativos do nosso país. Isso porque não se trata apenas de música. O pessoal faz questão de convidar só artistas que lutam por uma sociedade menos preconceituosa. Tanto que o tema do Festival este ano é “Diversidade e Empoderamento”.
Se liga nas bandas convidadas: Gal Costa, Elza Soares, Autoramas, Emicida, Evandro Fióti, Baiana System e As Bahias e a Cozinha Mineira. Isso tudo além de vários artistas locais.
Os shows mesmo vão rolar nos dias 24 e 25, na Torre de TV, que fica no 913 Sul. Mas a partir de hoje começa uma programação paralela em diversos teatros de Brasília. Trata-se do Palco Radar de Artes Cênicas, que conta com oficinas, palestras e apresentações de dança e de teatro de rua.
Pra falar mais sobre o Satélite 061 e toda a onda de discussão de gênero, sexo e cor que o Brasil (ainda bem) está vivendo, o TMDQA! convidou o grupo As Bahias e a Cozinha Mineira pra uma entrevista.
Pra quem não conhece, são duas vocalistas transexuais que se conheceram na faculdade, em 2011, e formaram uma banda maravilhosa, performática, cuja sonoridade lembra muito a Tropicália, Ney Matogrosso, Clube da Esquina, e o disco de estreia, Mulher, saiu no finzinho do ano passado.
A formação conta com Assucena Assucena e Raquel Virgínia nos vocais, Rafael Acerbi é o guitarrista, Rob Ashtoffen no baixo, Carlos Eduardo Samuel toca piano, Vitor Coimbra na bateria e Danilo Moura é o percussionista. Foi a Raquel quem conversou com a gente. Confira o bate-papo abaixo!
TMDQA! entrevista:
TMDQA!: Obrigado por atender a gente! Vamos falar do Satélite061 já já, mas antes eu queria seguir uma ordem cronológica pra apresentar vocês direito. Como é que duas pessoas que moraram tanto tempo na Bahia, se encontram no curso de História da USP e formam um grupo musical?!
As Bahias: Pois é! A gente sempre brinca que foi uma coisa meio astrológica (risos). Eu sou de São Paulo, cresci no Grajaú, e a Assucena é de Vitória da Conquista. Teve um momento em que eu fui pra Salvador, porque eu queria muito ser cantora de axé. Quando cheguei lá, a Assucena estava chegando em São Paulo. Um tempo depois, em 2011, eu decidi voltar de Salvador e a gente se encontrou pela primeira vez no curso de História da USP. Eu voltei com o apelido de “Bahia”. E ela já tinha esse mesmo apelido na faculdade! Só que eu era a falsa baiana, né (risos). Aí a gente conheceu o Rafa [Rafael Acerbi, guitarrista da banda], que foi o encontro de duas vozes e um violão. Ele foi o arranjador do nosso disco. Então foi ali pelos bastidores da USP que a gente começou a se envolver musicalmente.
TMDQA!: O disco Mulher, que vocês lançaram no ano passado, já vem sendo produzido há algum tempo, desde 2012. Como é essa transição do amadorismo pra uma carreira profissional?
As Bahias: Ah, é super complexa. Você precisa entender que certas coisas só vão acontecer dentro de outros movimentos. Não é simplesmente se unir pra tocar. Uma carreira profissional ganha outras esferas, outras pessoas. Ganhamos outras preocupações que não apenas as poéticas. Uma carreira profissional exige estratégia, existem questões corporativas. Entender todo esse processo e se comportar diante dele é muito gostoso! Tivemos que entender como sustentar o projeto e fazer que ele não perca força. Existem discos maravilhosos Brasil afora que estão dentro da gaveta, porque têm proposta artística, mas não têm proposta executiva.
TMDQA!: E tem uma questão social também, porque a arte que vocês fazem começa a atingir um grupo maior de pessoas. E duas vocalistas transexuais… muita gente ainda fica chocada quando vê. Pra vocês foi preciso coragem pra falar sobre questões de gênero e direitos da mulher mesmo hoje em dia?
As Bahias: Existem dois movimentos – o que a gente acha que vai ser e o que realmente “vira”. O nosso trabalho ganhou um teor político muito forte, nossos shows se tornaram impulsos e sensações pra quem luta por uma sociedade mais igualitária e mais justa. Acho isso ótimo. É muito bom perceber que o nosso trabalho não foi apropriado por “fascistas”. O nosso trabalho, pelas graças do axé (risos), foi apropriado por pessoas que querem uma sociedade diferente. Não querem mais as violências transfóbicas, homofóbicas e racistas.
A gente recebe muitas mensagens de pessoas que falam que estavam deprimidas e quando conheceram nosso trabalho, ganharam força pra se levantar. Isso é emocionante pra quem é artista. Também dá forças pra mim e pra Assucena, porque a gente também sofre opressão, mesmo sendo artista. É lógico que hoje nós temos privilégios, mas ainda assim nosso dia-a-dia é muito difícil. Então essa “retroalimentação” é incrível. É um magnetismo de poder. O Brasil é realmente um país muito violento pra pessoas como nós.
TMDQA!: Eu já li em algumas entrevistas – e a gente também percebe pela sonoridade de vocês – que Gal Costa é uma grande influência pra banda. E vocês vão abrir pra ela no Festival Satélite061! Como é essa sensação?
As Bahias: Não sei (risos)! Você falando eu já fiquei arrepiada! Ah, é uma coisa meio louca. A gente passou muitos anos juntas ouvindo Gal Costa. A gente compôs nosso disco ouvindo Gal Costa. Eu nem sei a dimensão disso, na real.
TMDQA!: Já encontraram com ela?
As Bahias: A gente já ensaiou no mesmo estúdio que ela, no mesmo dia e na mesma hora. A Assucena encontrou com ela no corredor. Ela disse que ficou estatelada, meio sem reação. Falou que a Gal era uma “poesia”. A Assucena é bem poética (risos). Eu nunca me encontrei com ela, só fui a vários shows. A Gal é uma referência muito forte pra nós. Algumas coisas que os nossos fãs falam pra gente, eu tenho a dizer pra Gal. Eu estava deprimida quando conheci a obra dela. Então… eu não sei… nem sei se a gente vai falar com ela nos bastidores, porque festival é muita correria. Mas a emoção de abrir pra Gal Costa é muito grande, porque dá a sensação de que você está chegando próximo de onde sempre quis. Esse festival vai ser “bapho”!
TMDQA!: Que legal! E vocês já estão pensando em disco novo ou focadas só na divulgação do Mulher?
As Bahias: A gente vai lançar uma turnê nova, chamada “Etcétera e Tal”, que é do mesmo disco. Mas o segundo disco já tem umas 25 músicas concorrendo pra entrar. Agora a gente está escolhendo. Ele vai se chamar Bicha. É inspirado no disco Bicho, do Caetano. Mas o lançamento vai ser só no ano que vem. Por enquanto vamos continuar no Mulher, porque tem bastante coisa pra trabalhar nele ainda.
TMDQA!: É verdade, e tem bastante gente que precisa conhecer o disco ainda.
As Bahias: Então!
TMDQA!: Vocês merecem! Bom show em Brasília!
As Bahias: Muito obrigada!