O Skank está comemorando os 20 anos do lançamento do disco, O Samba Poconé, um dos mais premiados de sua carreira, com uma série de ações.
A primeira foi o anúncio de uma turnê comemorativa que começou com 3 shows e já tem uma série de apresentações agendadas, inclusive para o ano que vem, em que a banda tocará algumas músicas do disquinho. Em seguida, o grupo lançou CD triplo também comemorativo, dividido da seguinte forma: o primeiro CD com as faixas originais; o segundo CD com versões inéditas – entre demos e ensaios – dos arquivos do baterista Haroldo Ferretti e o terceiro com arquivos de Dudu Marote – produtor da banda – e versões de estúdio e mixagens diferentes, faixas instrumentais, remixes, além da inédita versão de “Minas com Bahia”, gravada apenas por Samuel Rosa (na época do lançamento do disco, Samuel e Daniela Mercury gravaram a canção para o disco Feijão com Arroz da baiana.
Depois da apresentação da turnê no último sábado, que a nossa equipe acompanhou de perto (relembre aqui), conversamos por telefone com Haroldo Ferretti, o responsável pelos arquivos do estúdio e “dono do acervo oficial da banda”. Acompanhe!
TMDQA: Já se passaram 20 anos de O Samba Poconé e de lá pra cá, muita coisa aconteceu. Como você avalia a história do Skank de 1996 para cá?
Haroldo: Nossa… foi uma longa história. Na época do Poconé, em 96, talvez fosse a época que o Skank sofreu a maior pressão da sua carreira. A gente estava vindo de um álbum (o Calango, de 1994) que já tinha sido um sucesso enorme de vendas, tinha gravadora, imprensa, nós mesmos nos cobrando e tal. Foi um álbum que de certa forma foi meio tenso, mas foi um álbum que deu certo. Depois daquilo tudo passou a ser um pouco mais prazeroso, sabe? No Siderado (de 1998) a gente já teve a coragem, a liberdade de começar com um single totalmente diferente (Resposta, a primeira canção de amor single do Skank). Eu acho que isso foi muito pontual, muito da época, a gente foi desenvolvendo essa sensação de melhorar. Mas muita água já passou debaixo dessa ponte, né?
É um álbum que nos deu isso também, a possibilidade de mostrar a nossa música em outros cantos do mundo
O Samba Poconé é um álbum que nos levou pra o mundo inteiro, “Garota Nacional” quando foi lançada, não fez tanto sucesso no Brasil no começo, mas depois começou a tocar muito em outros países em uma época em que não tinha nem Internet e que as gravadoras tinham uma força grande nesse aspecto. Dentro da Sony, tinha um departamento praticamente de comércio exterior, que lançou o disco em vários países o mundo, então, esse é um álbum que nos deu isso também, a possibilidade de mostrar a nossa música em outros cantos do mundo.
TMDQA: Aproveitando que você falou em “Garota Nacional”, essa é uma música que além de ter uma batida diferente, também carrega uma letra, digamos, “politicamente incorreta”, quando diz “eu quero te provar” e com o clipe provocador, entre outras coisas. A gente vê essa mesma temática em outras músicas ao longo da carreira do Skank, que não trazem a história de amor sempre com o final feliz, como “Formato Mínimo”, “Garrafas”, “Escravo” e “A Noite”, do Velocia, que traz essa história do “queremos nos divertir, sem nos preocupar com o amanhã”. Qual você acha que foi o segredo da Garota Nacional para o sucesso? Ter essa temática nas letras do Skank é proposital?
Haroldo: Eu acho que a gente não pensa em falar de um assunto ou de outro propositalmente. Vez ou outra o Samuel sugere aos parceiros de letra escrever sobre um assunto ou outro, mas normalmente são letras que vêm e que a gente gosta. Não é nada muito proposital de ter esse politicamente incorreto.
E também essa questão do politicamente incorreto é engraçado. Claro que não dá pra comparar com outras coisas que tocam no Brasil hoje em dia, seja do funk, seja dessa música chamada sertaneja, tem coisas muito mais explicitas, muito mais agressivas até do que o Skank já fez, não vejo muito dessa forma.
O clipe foi censurado em vários países, ou então tinha uma tarja preta quando uma das atrizes mostrava o peito, tinha umas coisas assim…
Falar de uma fórmula é difícil. Acho que tem a questão da batida, que quando a música começa, ela já chama a pessoa pra dançar, pra sacudir o corpo… Tem o refrão que não tem letra, não tem língua, que funciona bem em qualquer lugar, todo mundo no mundo vai conseguir falar Beat it laun, daun daun. Talvez o clipe tenha contribuído muito, foi um clipe cheio de atrizes… mas foi uma ideia do Andrucha (Waddington, um dos diretores do vídeo), e quem conseguiu as atrizes também foi ele. A gente topou, faríamos se elas topassem, porque não tinha cachê. Imagina você pagar cachê para aquelas atrizes lá todas? Mas foi uma coisa que acabou funcionando. Agora, fora do Brasil o clipe foi censurado em vários países, ou então tinha uma tarja preta quando uma das atrizes mostrava o peito, tinha umas coisas assim… De certa forma, causou essa estranheza em certos lugares. Mas acho que prevalece a música, o conjunto da obra.
TMDQA: Vocês fizeram o lançamento do disco triplo, com B-sides e gravações exclusivas do seu acervo pessoal. Você é um colecionador de raridades do próprio trabalho?
Haroldo: Pois é… outras coisas ficaram de fora por exemplo, do Samba Poconé: a primeira versão das músicas que o Mano Chao participou não entraram porque faltou prazo pra liberação editorial, então assim… Olha, eu acho que eu sou um pouco acumulador! (risos).
Tô brincando, não é isso não! O negócio é o seguinte: o estúdio era na casa dos meus pais, onde eu morava. Eu era o cara que montava microfone, posicionava microfone, apertava o REC e saía tocando. Eu sempre tive essa relação próxima com esse lado técnico de estúdio, então eu ia guardando as coisas do Skank, ia organizando, guardando… não tinha porque apagar. Acabou que uma coisa que a gente não sabia quanto tempo ia durar, a gente vai fazendo 25 anos de história e vários desses materiais se tornam relíquias mesmo, a ponto de serem lançados num álbum. Era a minha forma de organizar no estúdio que fazia a gente ir tendo essa história.
TMDQA: E a gente tem mais amostras desse acervo. Já tivemos o lançamento do Skank 91, do Calango, agora do Poconé…
Haroldo: Exatamente! E tem dos outros álbuns que vieram depois, todos eles têm alguma coisa. Tem música que não entrou, tem música que a gente nem gravou de verdade no estúdio, que a gente fez só a demo. Agora, interessante é que na época que o Fernando falou (Fernando Furtado, empresário da banda), sobre a ideia de lançar o Poconé, foi bacana por que eu fui escutar o que eu tinha, porque eu não lembrava o que eu tinha gravado. O que mais me chamou a atenção foi uma constatação que eu fiz. Na época que a gente fez a pré-produção, lá em 1996, esquecendo o que foi lançado agora, a gente levou aquilo ali pra gravadora. Apresentamos como sendo o CD que a gente gravou: “Olha, é isso aqui, são 11 músicas, tá aqui o repertório, foi isso que a gente compôs e tal”. Aí o Jorge Davidson, o produtor do álbum, disse que o disco estava pronto e que não precisava gravar nada não. A gente entrou naquela de “Não, não… imagina! Isso é só uma fita demo! Vamos gravar sim, que vai ficar melhor…”. De fato ficou muito melhor, ficou melhor gravado, porque eu não sou engenheiro de som. Eu quebrava um galho. Mas, escutando agora e lembrando a crítica do Jorge, que falou que a gente estava louco de gastar dinheiro em estúdio e não sei o que mais, agora eu entendi o Jorge. Essas demos estão muito boas. Claro, precisava gravar uma voz melhor, uma mixagem melhor… mas se fosse o caso de imprimir e mixar, por mim daria certo! Naquela época a gente foi meio “CDF”.
TMDQA: E não é a toa também que o Máquina virou um grande estúdio, gravou muitas bandas de BH e de todo o Brasil também, não é?
Haroldo: É… a gente sempre gostou dali, sempre foi muito bom. Mas você sabe que nós vendemos o Máquina né?
TMDQA: Soube sim. Pessoalmente, fiquei muito triste…
Haroldo: Pois é, eu também! Mas estava chato pra gente administrar. Quando a gente está gravando é a melhor coisa do mundo, mas quando a gente não está, é complicado administrar uma casa daquela, com aquela estrutura, com segurança e tantas outras coisas. Mas acabou que quem comprou foi para fazer uma coisa muito legal, reformar o estúdio, ampliar, mantendo a mesma estrutura, então eu acho que deu certo. Eu também tenho um pouco de saudade mas fica sempre aquela Lei de Murphy: nós entrávamos no estúdio, estragava o computador. Aí entope o vaso sanitário. Aí queima a luz. Aí vou eu lá sento na bateria, levanto pra ligar pra eletricista, pra encanador… então encheu o saco. Acho que passou aquela fase. Foi lindo, maravilhoso, mas a vida segue.
TMDQA: Mas aproveitando que você falou que tem coisas guardadas dos outros discos da banda, a gente pode ter esperança de ter outras edições comemorativas de outros álbuns?
Haroldo: Sim, olha… eu acho que para o Siderado a gente não planeja algo assim, mas já falou-se do Cosmotron… igual aconteceu com o Poconé, a gente vai dar uma garimpada nos outros álbuns, tem coisas de outros discos.
TMDQA: Então é um Siderado talvez não, mas talvez um Maquinarama, um Cosmotron…
Haroldo: Isso… não sei… o Fernando fala muito do Cosmotron, mas vamos ver o que tem, talvez pra fazer assim um bootleg assim de tudo, né? De tudo o que sobrou ou do que faltou (risos). Quem sabe? A gente está super feliz com O Samba Poconé e é engraçado né? Ali tem coisas muito legais, é muito do que a gente estava no estúdio mesmo e é um material para o fã de verdade, que tem curiosidade de escutar. Não tem grandes pretensões de vendas, mas foi algo muito divertido.
Pela primeira vez, eu me senti Los Hermanos (risos). Sabe aquela banda que o cara dá o primeiro acorde e que a galera canta
do início ao fim?
Ah! E o show… foi engraçado, porque a gente fez Rio, BH e São Paulo esse final de semana agora. E aí, é bem engraçado eu falar, mas no show eu me senti pela primeira vez, eu me senti Los Hermanos (risos). Sabe aquela banda que o cara dá o primeiro acorde e que a galera canta do início ao fim? E aí as músicas do Samba Poconé, três são conhecidas, só que tinha um público ali que sabia o Samba Poconé, que queria cantar O Samba Poconé, foi engraçado. Até onde eu enxergava a plateia tinha muita gente cantando o Poconé, e vibrando, de olho vidrado… foi uma sensação tão boa, a gente se divertiu muito, sabe? No dia seguinte, no nosso grupo de WhatsApp, todo mundo se declarando um pro outro, todo mundo “Pow, tô feliz demais, essa banda…” e tal. É por essas e outras que a gente é uma banda que existe aí há tantos anos, né?
TMDQA: É verdade! Mas me conta… Depois de 20 anos de lançamento do disco, vocês já foram a Poconé?
Haroldo: (risos) Nossa! Na verdade nós passamos em Poconé antes de fazer o disco, mas o nome inspirou o Chico (Amaral, compositor parceiro de Samuel Rosa) a escrever a música “Poconé” e o nome do disco veio depois da música.
TMDQA: Vocês já disseram que têm o projeto de gravar um DVD celebrando esse disco, no Circo Voador. Essa gravação já tem data?
Haroldo: O Fernando está resolvendo essa data com o Circo Voador, mas ainda não tem nada marcado, pelo menos que eu saiba não.
TMDQA: A gente trabalha com muitas bandas independentes aqui no TMDQA! que têm o Skank como uma inspiração. Que recado você daria pra essa galera?
Haroldo: Fazemos o que gostamos, trabalhamos muito e fazemos com amor. O grande segredo para o sucesso talvez seja esse, buscar sempre ser fiel ao que somos e estarmos felizes, ser fiéis ao nosso público.
TMDQA: E como somos o “Tenho Mais Discos Que Amigos”, preciso perguntar: vocês vão relançar o Poconé também em vinil?
Haroldo: Por enquanto ainda não pensamos nisso. O disco é triplo, tá bem completo e cheio de versões que os fãs nunca ouviram. Vamos curtir esse lançamento!
TMDQA: Para finalizar: você tem mais discos que amigos?
Haroldo: Tenho mais discos, mais arquivos, mais MP3 e mais fitas K7 que amigos!
(várias boas risadas aconteceram após conhecermos essa resposta!)
O Skank continua em turnê divulgando seu mais recente disco, Velocia, incluindo as 8 canções do especial O Samba Poconé em algumas apresentações. Para saber se a banda vai passar pela sua cidade nos próximos meses, consulte a agenda oficial.