Este post é o quinto e último post de uma série que a banda Labirinto escreveu no TMDQA enquanto viajam em turnê pela Europa durante os meses de maio e junho. A banda paulista de post-rock/metal instrumental fez 13 shows passando pela Alemanha, Bélgica, França, Portugal, Espanha, Itália, Romênia, República Checa e Eslováquia.
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É a terceira vez do grupo na Europa e eles irão contar os bastidores da viagem nesta série de quatro posts. Este foi escrito por Marcos Felinto, que entrou na banda temporariamente para substituir o guitarrista Luis Naressi durante a turnê.
Aqui estão as chaves, sintam-se em Casa
31 de Maio, Dia 21 Entre A Romênia e a República Tcheca vivemos experiências dignas de fazer notar. Em ambos os lugares fomos abrigados e custeados pela cena, de modos diferentes, mas similares. Na Romênia nos apresentamos em um evento gratuito no coração de Cluj Napoca, tivemos abrigo em um apartamento dentro de um conjunto habitacional e este nos parecia ser reservado apenas ao recebimento de bandas de fora. A estrutura que as pessoas oferecem é de se fazer notar em relação ao que costumamos oferecer ou não oferecer para bandas que convidamos para nossas cenas. E isso não se trata de boa ou má vontade, trata-se de acesso e distribuição de renda, de políticas de incentivo à cultura, aos diferentes processos de desenvolvimento da especulação imobiliária entre lá e cá.
Acordamos 7h30, em Cluj Napoca, para dirigir 8 horas até a Brno (República Tcheca) e tocar no mesmo dia. Fizemos isso poucas vezes e vale dizer que foi um belo de um esforço que muitos não imaginam quando escutam falar de turnê. Todxs muito cansadxs dentro do carro e um caminho longo por percorrer.
Chegamos no local, chamado Vegalite. O nome já sugeria algo muito interessante. Ali funcionava um restaurante vegano, punk, independente no qual pessoas de muitas idades faziam refeições. O local era um porão de prédio residencial. O técnico de som da casa era muito gente fina, e muito doidão também, na tentativa de nos ajudar com a questão do estacionamento quase fez nossa van se tornar conversível, no pedido para estaciona-la em um lugar com o teto muito baixo.
Tocaríamos com 2 bandas, mas uma cancelou. Tocamos então apenas com a banda punk Godot Youth. Passaram o som rápido e já iniciaram, mas o que nos mostraram surpreendeu. Punk ótimo, um espírito que faltou em outros shows, música direta, rasteira, simples e forte.
Subimos depois de um discurso feito pelo organizador do evento. Palco apertado e todxs na frente querendo saber o que estávamos levando para aquela casa, não teve muita microfonação, devido ao fato da casa ser pequena e pela primeira vez tocamos direto do ampli. A audiência era muito boa, muito receptiva, e repleta de gente que em São Paulo não colaria em um rolê de uma banda como o Labirinto.
A galera bangueou e nos felicitou muito após a apresentação. Às vezes é bom tocar em locais pequenos e ver o que eles nos ensinam. Mas lembro que o pequeno aqui é muito mais do que o que temos em SP em shows médios.
Sobre as condições para recepção de visitantes, friso que continuamos sendo muito bem recebidos. Desta vez por Sasha, punk velho que morava e uma mansão, melhor do que muitas casas de regiões ricas de São Paulo. Seu irmão vivia com uma garota em um motorhome do outro lado da rua. Sasha precisava viajar para Praga logo cedo. Como de costume nesta tour, recebemos a chave e ouvimos: “sinta-se em casa”.
O stage dive que não deu certo
1 de Junho, Dia 22 Na noite anterior havíamos deixado todo o equipamento no local da apresentação e deveríamos estar lá para retirar por volta de 10h, antes que o restaurante abrisse. Mas o cansaço foi tanto que acabamos atrasando e quando chegamos tínhamos apenas 15 minutos para retirar tudo. Neste ponto da tour já estávamos tão ninjas com o descarregamento e carregamento da Van que tudo foi feito em menos tempo.
Almoçamos após carregar o carro. Muriel passou um tanto mal e temia inclusive não ter forças para o último show na Bratislava. Talvez a situação tenha nascido de uma combinação de alimentação baseada em pão com queijo, chá gelado, quando não bolacha com maionese e também com privação de sono. Por muitos dias dormíamos muito tarde, após um show, e acordávamos muito cedo para fazer o check out.
Fomos para Bratislava, que ficava há 3 horas de Brno.
Chegamos na casa British Rock Stars, um espaço bem legal com cara de pub. Se fosse em São Paulo, seria algum pico burguês possível de existir apenas em Pinheiros ou bairro similar, mas no contexto da cidade parecia um lugar comum, nada burguês, simplesmente bem arrumado. No local Muriel apresentou melhora e estava bem disposta para tocar.
Neste dia dividimos o Palco com 4 bandas e tivemos a sorte de reencontrar o pessoal do Lost in Kiev, com quem havíamos tocado em Paris. Ainda no mesmo rolê tivemos a oportunidade de conhecer a galera do Autism, da Lituânia e IWKC da Rússia.
Assim que chegamos no espaço de apresentação vimos uma sala forrada com o backline de todas as bandas e de longe enxergamos o problema que seria no decorrer do evento remontar o palco completamente para cada banda, inviável. Nós agilizamos antes da chegada do produtor e conversamos sobre o compartilhamento de backline com as outras bandas. Todos toparam. UFA! Não precisamos descarregar a van por completo e nossos ombros agradeciam por isso.
O IWKC abriu a noite. A banda iniciou uma tour apenas com metade de seus músicos, muito corajosamente. Deixaram que suas músicas se transformassem pela simplicidade e a ausência de certos recursos aos quais estavam acostumados. Som inocente, bonito, o que de mais bonito houve na noite.
Em seguida Autism, pesado, um som que na opinião de Kiko carecia de um vocal para melhorar. É interessante notar isso, pois aí se revela a dificuldade e o desafio em se fazer música instrumental estimulante, desafiadora. O som deles era pesado, tinha um tanto de colagem nas passagens e não era muito estimulante. Ainda assim uma performance se faz de muitas coisas, se faz com presença e lá estavam os lituanos muito presentes no palco, apresentando suas criações.
O Labirinto me pareceu bastante aguardado, a casa estava cheia na hora em que subimos, ficamos com receio de não termos feito uma passagem de som como a de outros shows, mas o que apresentamos para aquela plateia que enchia a casa foi um de nossos melhores dias. A casa estava cheia e as pessoas faziam questão de gritar e aplaudir em cada uma das passagens e estes estímulos se converteram em mais gás para que todxs nós comunicássemos o melhor de nossa musicalidade. Foi de fato uma apresentação bastante memorável.
Nesta altura da tour já estávamos muito bem entrosados e a única coisa que nos causava impedimentos era falhas técnicas em todos os nossos eletrônicos. Felizmente não houveram falhas e fechamos muito bem esta tour. O público, ao fim da apresentação gritava o nome da banda, gritava Brasil, vinham tirar fotos e pedir autógrafos… Tudo isso com mais empolgação do que afetação.
Por fim, Lost in Kiev. Que show, que banda! Ali se saíram melhor do que em Paris e compraram minha atenção com uma chuva de tempos tortos mesclados com bases quadradas e cativantes. Baixos que criavam linhas propositadamente desafinadas num groove muito corajoso para o gênero. A banda estava empolgada, todos expressavam a execução com o corpo todo, um show suado, bonito com construções que fugiam bastante do comum. Banda altamente recomendável! Revejo minha posição anterior e afirmo que talvez tenha sido o melhor dos shows que vi na tour. Embora a apresentação tenha sido magistral, o ponto alto ficou com um cara maluco de pedra que simplesmente invadiu o palco, se desvencilhando de todos os que tentaram impedir ele… quase tropeçou no board do guitarrista… Ele dizia “ME SOLTA, tá tudo ok” e ameaçava arruinar tudo com seu desequilíbrio. O cara queria dar um stage diving mas ninguém queria segurar ele. Descontente e mais do que sem graça deu um pulinho maroto para o chão e inventou outros modos de expressar sua felicidade.
Obs: o cara vestia um visú do Labirinto RS!!!
Acabado o rolê, confraternizamos, tiramos fotos, trocamos contatos e bebemos uma bebida proibida na Eslováquia, a qual o nome me esqueci. Uma bebida que lembrava cachaça, e na Europa todos apresentam a cachaça de cada país como se fosse algo novo. A nossa é a melhor, simplesmente. A deles se bebe com Sprite, e o gosto não é forte, mas quando bate no estômago rola um estragozinho de leve.
Nos despedimos de todxs e fomos para o hotel descansar.
Subindo caixas de som por quatro andares
2 de Junho, Dia 23 Acordamos para o check out e dirigimos o dia todo até chegar em Duisburg, já uma terra natal no contexto da tour. Fomos devolver o equipamento cedido pela banda Kokomo e por Rennê. Em seguida precisávamos devolver o carro e dormir para o derradeiro fim da tour, a despedida e a divisão da banda. Parte ficaria em Berlim e parte retornaria para o Brasil, eu e Kiko especificamente.
Reencontro emocionado e agradecido de despedida. No portão da fábrica estava Rennê e suas duas crianças, conversamos um tanto e fomos enfrentar nosso maior pesadelo, SUBIR AS CAIXAS 4 ANDARES ACIMA, tal como fizemos no primeiro carregamento da van. Subimos, sofrendo, e finalmente esta seria a última vez que faríamos isso. Não significa felicidade pelo fim da tour, mas uma sensação de que a missão foi cumprida e que não precisaríamos lidar mais com este aspecto dela.
Pegamos nossas malas no estúdio e tivemos uma visão infernal das bagagens. QUAAAAANTA COISA, que desespero! Fomos devolver a van em Frankfurt: mais duas horas de estrada e muito trânsito. As duas horas viraram quase quatro!
Em seguida fomos para o hotel no qual passaremos a última noite juntos. A concentração foi em como organizar as bagagens e distribuir o peso. Fomos dormir 5 da manhã, para mais um check muito cedo.
Agradecimentos finais
3 de Junho, Dia 24 Aeroporto de Frankfurt logo cedo, antes bagagens e bagagens, trâmites na alfândega e o preparo para um voo de 12h até Guarulhos. Nos despedimos de Muriel e Hristos que foram conosco até o aeroporto para dar uma ajuda.
Tudo tranquilo até chegar nossas últimas refeições da tour: macarrão, pão de queijo e batatas! Saímos da tour mas a tour não saía de nós. A aparição do prato era um filme de terror dos mais sádicos…
No Brasil já chegamos com memórias dos bons dias de estrada, sensação de termos entregue algo de muito bom nesta tour. O cansaço falava pelo corpo todo, mas uma pontinha no fundo da consciência afirmava com certa coragem que, se tivéssemos mais 10 shows, toparíamos de boa.
Aqui deixo meu último agradecimento para a Banda Labirinto, que me fez este convite tão irrecusável de crescimento criativo e musical.
Agradeço a Muriel pela por ser uma cabeça tão criativa, uma boa referência de profissionalismo, musa na batera e uma princesa no trato com o outro. Erick pela criatividade e oferecer para todos um envolvimento tão bonito com o universo de sonhos tão lindos que cria dentro da banda. Luís por ter sido meu tutor, super paciente, dedicado e comprometido com uma tour com a qual não pode comparecer. Hristos, por ter sido uma revelação de músico, um parceiro de estrada sensacional. Kiko e Hiroito, parceiros de longa data, dois professores da criatividade com os quais tive o prazer e compartilhar outros projetos. Finalmente Tom Malander, figura linda, carismática que deu muita luz para que esta tour fluísse muito bem, as sessões de gargalhadas ocasionadas pelo ótimo temperamento desta figura serão guardados para sempre conosco.
Longa vida ao Labirinto!