A quarta edição do Coala Festival foi intensa.
Propondo-se a levar grandes nomes da música brasileira e embalar com muita dança o sábado dos paulistanos, o palco montado no Memorial da América Latina (SP) no último sábado (12) acabou servindo também como plataforma para diversos discursos políticos, de resistência, inclusão e luta. Não houve um show sequer que não tenha contado com pelo menos algumas palavrinhas de conscientização, ovacionadas a todo instante pelo público. Mas também, olha esse line up: Liniker e os Caramelows, Aíla, Tulipa Ruiz, Rincon Sapiência, Emicida e o muitíssimo aclamado Caetano Veloso. Não tinha como ser diferente.
Além do já costumeiro “Fora Temer” presente na grande maioria dos festivais desde o ano passado, o Coala abraçou a campanha a favor da liberdade de Rafael Braga – morador de rua preso e condenado em 2013 durante as manifestações que tomaram conta do Brasil por portar uma garrafa de desinfetante e, em 2016, por ser encontrado com 0,6 g de maconha e 9,3 g de cocaína. No telão acima do palco, a frase “Liberdade para Rafael Braga” brilhava de hora em hora, e foi repetida nos shows que se seguiram ali.
Quanto às apresentações, o evento adotou uma tática interessante, repetindo o feito de outros anos. Quem abriu foi Liniker — atração que poderia facilmente se encaixar entre Rincon e Emicida –, e pelo menos um terço dos 12 mil presentes já estava no local às 13h, horário de início do festival. A cantora voltaria a aparecer no palco durante o show da santista Tulipa Ruiz para cantar “Víbora” e “Sushi”, arrancando aplausos do grande público reunido no Memorial. Quem também passou por ali foi Aíla em um show coeso e elétrico, baseado em seu último álbum, Em Cada Verso um Contra-Ataque (2016); o MC Rincon Sapiência chegou por volta das 17h e levou elementos da cultura africana, tanto na música quanto no visual, ao público animado e receptivo. Já Tulipa, recebida com gritos e aplausos, chamou também o pai Luiz Chagas ao palco e apresentou faixas dos álbuns Dancê (2015), Tudo Tanto (2012) e Efêmera (2010).
O destaque — e a segunda maior reação da plateia naquela noite — ficou mesmo com o rapper Emicida, que chamou seu irmão Fióti e o cantor Rael ao palco para uma enxurrada de hits, cantados na íntegra pelos fãs fervorosos. Vale dizer que a apresentação do cara é uma experiência interessante, e não só pela performance em si. Em um show carregado de discursos contra o racismo, apologia ao orgulho negro e à cultura do hip-hop no Brasil, impressiona o público reunido ali para ver o rapper: em sua maioria adolescentes brancos e de classe média. Mas Emicida não se incomoda, muito pelo contrário. Em determinado momento do set, o artista cita seu passado com Rael, quando os músicos tocavam para uma plateia de no máximo 200 pessoas — a grande maioria sendo os próprios MCs da cena — e se impressiona ao ver para quem e para quantos está tocando hoje. Pela paixão do rapper ao cantar seus versos e interagir com a plateia, o sucesso se mostra mais do que merecido.
Daí veio Caê… e Caê é Caê. Sozinho com seu violão, sem nenhuma decoração ou parafernália, um dos maiores cantores da MPB subiu ao palco ao som de gritos ensurdecedores vindo da plateia jovem, que provavelmente nem era nascida quando Veloso compôs seus maiores sucessos — a autora desta resenha inclusa. Abrindo com “Nosso Estranho Amor” e jogando na roda, quase sem pausa, hits como “Odeio” (onde o público gritava “Temer!” após o verso “odeio você”), “Baby” e “London, London”, Caetano teve poucas mas calorosas interações com o público. Em determinado momento de “O Leãozinho”, uma falha no som fez um baita de um barulho, e o cantor brincou dizendo que era o próprio leão rugindo. Posso ser sincera? Eu estava esperando ele mandar um “Coala, bota essa porra pra funcionar!” (saudades, VMB), mas a piada foi até melhor.
Seguindo com a belíssima “Sampa”, uma cover de “São São Paulo” de Tom Zé, “Podres Poderes”, gritos de “Fora Temer” e fechando com a dupla “Um Índio” e “Odara”, Caetano Veloso encerrou o Coala Festival da melhor maneira possível. Obrigada, Caê!
Estrutura
Com uma decoração pra lá de bonita e descolada, o Coala ofereceu diversas atividades e atrações paralelas que funcionaram bem durante o festival, mas nem tudo são flores. Apesar de acertar em cheio no line-up deste ano, o evento teve falhas na organização e no planejamento imaginado para receber as 12 mil pessoas que esgotaram os ingressos desta edição.
As filas gigantescas, além de atrasarem quem queria comer um lanchinho ou tomar uma cervejinha para ver os shows, acabavam atrapalhando a passagem do público e resultaram na interrupção da venda de fichas por volta das 19h. Uma hora depois, quase todo tipo de bebida vendida no festival esgotou. Não foram fatores que tornam o Coala inabitável, é claro, mas vale uma atenção maior para as próximas edições, já que música boa não falta e o público está disposto a ir.