Especial: Três anos de “Human Sadness” de Julian Casablancas + The Voidz

Em meio ao anúncio de uma turnê Sul-Americana, o primeiro single do álbum Tyranny de Julian Casablancas + The Voidz, “Human Sadness”, completa três anos

Julian Casablancas em Human Sadness
Foto: Reprodução / YouTube

“Coloque dinheiro em minhas mãos e eu farei as coisas que você quiser que eu faça.” Essas são as primeiras palavras murmuradas por Julian Casablancas, numa clara alusão ao conteúdo central do álbum Tyranny (2014), pouco antes de um trecho da assombrosa “Requiem in D Minor” de Mozart edificar o cenário de “Human Sadness”. Com incríveis onze minutos de duração, a música foi lançada há exatos três anos pelo seu próprio selo, Cult Records, como o primeiro single de seu segundo álbum solo e primeiro com o grupo The Voidz.

Eu gosto de músicas longas. Eu estive pensando em compor uma por um tempo. Eu simplesmente pensei que seria uma ótima ideia lança-la como um single. Eu me lembro que o Arcade Fire tinha uma música, ‘Here Comes The Night Time’, e ela tinha cerca de uns 10 minutos e eu achei que aquilo era muito legal. Eu pensei que se eles a tivessem lançado como o primeiro single teria sido como um moderno ‘Come On Eileen’! Músicas como ‘Bohemian Rhapsody’, ‘November Rain’, ‘The End’, ‘Paranoid Android’ – elas foram todas singles e músicas lendárias. Eu não estou tentando confundir as pessoas ou ser esquisito. Só estou tentando fazer algo legal e inspirador (The Guardian, 2014).

Na época, a canção chegou a ser descrita pela Rolling Stone como “um monstro desprovido de estrutura que contém de tudo, desde ruídos ofensivos e vocais distorcidos a solos de stadium rock e uma pitada da energia do punk nova-iorquino pelo qual Casablancas ganhou fama.” A ausência de uma métrica clássica e suas constantes nuances sonoras podem confundir os ouvidos despreocupados numa primeira audição. A música, assim como o restante do disco, está longe de ser algo facilmente digerido – como seus sucessos de outrora com sua banda original, The Strokes, que veio para “salvar o rock” na virada do milênio.

Suas letras remetem o ouvinte a um turbilhão de emoções. Tratam de temas como ganância, corrupção, angústia e depressão, bem como examinam sua relação com a figura distante de seu pai, John Casablancas (fundador da agência de modelos Elite Model Management), que faleceu em 2013 em decorrência de um câncer. “Nunca queremos dizer que estamos tristes/Fico agradecido que tivemos uma chance/Eu sei que você não terá o seu tempo de volta/Eu gostaria que você tivesse.”

Apesar de ambos terem se reconciliado antes do inevitável, sua relação turbulenta sempre teve reflexos negativos no comportamento de Julian, sobretudo nos dias de glória dos Strokes, quando atribuiu seus problemas com o álcool a uma forma de chamar a atenção de seu pai. “Foi intenso. Mesmo que você não seja próximo de seu pai, quando isso se vai, é como se o teto de sua casa caísse,” lamenta o cantor, que encontrou a real figura paterna em seu padrasto, o artista e autor Samuel Adoquei, que acabou se tornando uma espécie de mentor para Casablancas, quando lhe presentou com uma fita do The Best of The Doors. “Ele é a pessoa mais sábia que conheço. Tudo positivo que eu já fiz eu sinto que devo a ele.”

Curiosamente, os primeiros rascunhos de “Human Sadness” ganharam vida na forma de uma gravação demo que Julian compôs em 2012 intitulada “The Unseen Beauty”. Ela foi usada no curta homônimo que retrata um dia na vida Adoquei, em seu estúdio na Union Square, em Nova York, bem como nos créditos finais do videoclipe do single.

Tal demo foi submetida a diversos incrementos desde sua concepção e exigiu um elaborado esforço para se chegar ao produto final. “Demorou bastante tempo para a finalizarmos. É a música na qual nós mais trabalhamos,” atesta Julian.

Alex [Carapetis, baterista] fez o loop, com os acordes de Requiem (aquela do Mozart), e depois ele a tocou para mim e isso me tirou do chão. Realmente mexeu comigo e eu poderia ouvi-la por horas. Eu achei tão legal e poderoso. Então eu acho que eu trabalhei nessa música separadamente e, de pouco em pouco, ficou evidente que eu teria que adicionar algumas melodias de outras canções que eu estava guardando. Depois disto, Jeremy [Gritter, guitarrista e tecladista] estava tocando guitarra sozinho no estúdio quando eu entrei e então comecei a cantar por cima e isso acabou virando a ponte [refrão]. A parte pesada foi fruto de uma jam que fizemos em certo ponto. Assim, enquanto estava sendo composta, eu percebi que ela seria aquela música longa (We All Want Something to Shout For, 2014).

Quanto ao seu videoclipe, este foi dirigido num esforço conjunto entre Warren Fu, Nicholaus Goossen e Wissa e levou mais de um ano para ser finalizado, sendo lançado apenas em 2015. Seu áudio consiste numa versão ao vivo da canção e o roteiro, elaborado pelo próprio Casablancas, Fu, e o baixista Jake Bercovici, foi inspirado na história dos músicos que perseveravam e continuaram tocando enquanto o Titanic afundava. Explora diferentes enredos de melancolia e angústia brilhantemente retratados por cada membro da banda justapostos a uma performance da música enquanto o mundo acaba.

Foi muito intenso trabalhar nela. Eu nunca tinha trabalhado numa música em que as pessoas estavam à beira de lágrimas. Eu não estava chorando, mas foi muito intenso. (…) foi uma das daquelas raras vezes em que eu me senti engolido por isso (The Guardian, 2014).

A complexidade de “Human Sadness” é notória, tanto em termos visuais e instrumentais, quanto líricos. A presença mais erudita na canção talvez seja uma adaptação de um verso do filósofo e poeta persa Rumi: “Além de todas ideias de certo e errado existe um campo/Eu lhe encontrarei lá.” O trecho, repetido três vezes como um refrão (embora, frente a todo caos métrico desta canção, seja considerado pelo músico apenas como uma ponte), revela um refúgio a toda aflição projetada ao longo da canção.

Além deste, também merece destaque seu verso de conclusão, que é um dos remanescentes da demo “The Unseen Beauty”. “Tudo está perdido/Eu encontrarei o meu caminho/Então eu digo/Ser não é ser/Ser não é o jeito de ser.” Por mais confuso que possa soar, estes versos se mostram bem apropriados para encerrar a canção, especialmente quando considerada a influência filosófica de Rumi. “Qualquer pessoa cujo eu perturbador tenha morrido/O sol e a nuvem obedecerão/Se você deseja brilhar como o dia/Queime a noite da auto-existência/Dissolva-se no Ser que é tudo,” diz o filósofo. Fãs mais assíduos de Casablancas acreditam que, considerando este conceito, a noção de sermos um “eu” ou “ego” separado do resto do universo seria apenas uma ilusão e a consequente raiz de todo o sofrimento. Desta forma, ser não é o jeito de ser, conforme canta Julian. É preciso renunciar o ego e entender que somos um.

Desta vez eu fiz o que eu achei que seria objetivamente legal ao invés de me preocupar mais com o que as outras pessoas achariam. Essa é a concretização da profecia do que eu gostaria que o The Strokes tivesse se tornado (National Post, 2014).

Julian Casablancas + The Voidz tem dois shows agendados no Brasil junto de Rey Pila e Promiseland. A turnê Hollywood Bolívar Tour chegará em São Paulo, no Cine Joia, em 18 de Outubro e no Sacadura, Rio de Janeiro/RJ, no dia 19.