Entrevistas

Conversamos com o Arcade Fire sobre as mudanças da sonoridade da banda

Richard Reed Parry, do Arcade Fire, nos recebeu no topo da Fundição Progresso para uma simpática conversa sobre os rumos da banda.

Arcade Fire
Foto: Divulgação / Guy Aroch

Faltava pouco mais de uma hora para a abertura dos portões do show do Arcade Fire no Rio de Janeiro e uma rodinha de seguranças se reunia no backstage. “Então, a atração de hoje é gringa e é diferente”, disse um homem que parecia ser chefe de segurança. Toda a estrutura da casa ia ser mudada por uma noite pois a banda ia passar pelo meio do público.

“E temos que manter o caminho aberto e o público calmo”, disse ele, enquanto Régine Chassagne passava por ali, andando calmamente no meio das pessoas em direção à pista, conferindo o palco. Essa foi a recepção que tive quando cheguei para conversar com o Arcade Fire. De cara, já deu para notar que realmente o Arcade Fire era completamente diferente da imagem que eu tinha deles.

A banda que surgiu inspirada pelo pós-punk e cantando sobre temas soturnos parecia muito em paz e tranquila. Antes mesmo de subir seis andares de escada – passando pelo palco e camarins – até o topo da Fundição Progresso, onde estavam recebendo a imprensa, já tinha ouvido o pessoal da gravadora falar que eles eram um amor.

Na América Latina com a tour do seu recente Everything Now, o Arcade Fire parecia estar querendo aproveitar tudo mesmo do Brasil. A todo momento. No dia anterior ao show, parte da banda foi prestigiar o projeto solo do baterista Jeremy Gara no festival Novas Frequências e depois saíram pela noite carioca.

“Nossa, isso é muito Blade Runner”, disse Richard Reed Parry, o simpático e alto guitarrista, apontando para a Catedral Metropolitana, que foi a paisagem de nossa conversa.

Richie, como ele mesmo se apresentou, é um multi-instrumentista muito influente no meio indie, participando do Arcade Fire desde o EP de estreia do grupo – que co-produziu – além de colaborar com grupos como o The National. Falamos brevemente sobre as mudanças de sonoridade da banda durante os anos, sobre a relação deles com o Brasil e sobre discos e amigos.

TMDQA: Alguns de vocês foram na Audio Rebel ver o Jeremy tocar…

Richard Reed Parry: Sim, sim!

TMDQA: Muitos fãs ficaram surpresos de ver vocês rodando pela cidade. Vocês costumam fazer isso nas turnês?

Richard Reed Parry: Esse show é o tipo de coisa que gostamos de fazer nesses últimos, sei lá… vinte anos. Quando você é um artista, você meio que orbita em volta de outros artistas, gosta de estar em ambientes de arte. Mas quando você chega em um nível de reconhecimento, de fama, as pessoas acham que você só vai orbitar em volta desses níveis de reconhecimento, sabe? Acho que isso que surpreende as pessoas. Mas pra gente é tudo igual, faz parte do que gostamos de fazer, das pessoas que gostamos de conhecer.

TMDQA: Essas viagens costumam inspirar vocês? Esses momentos que vocês dialogam com outros artistas…

Richard Reed Parry: Não sei se do ato de viajar em si, mas sério… Olha esse lugar! (Risos) (Nessa hora, Richard apontou para o centro do Rio e para a Catedral Metropolitana) Isso é incrível! Os lugares são inspiradores. Ontem (07/12) nós ainda fomos numa casa onde tocava samba, na Lapa, e foi incrível. Esse tipo de experiência que é inspirador. Ver todas aquelas pessoas, aquela banda, as pessoas cantando os sambas. Viajar em si é muito cansativo e pesado, mas esses momentos que conseguimos fugir é… (suspiro)

TMDQA: Li que “Black Wave” foi inspirado em São Paulo, na primeira vez que vocês vieram aqui.

Richard Reed Parry: E é verdade!

TMDQA: E vocês usaram “Orfeu Negro” em um clipe… Além disso, lá no passado vocês fizeram uma versão de “Aquarela do Brasil”.

Richard Reed Parry: Sim!

TMDQA: Vocês tem uma conexão diferente com o Brasil? Vocês sente algo diferente nos shows aqui?

Richard Reed Parry: Com certeza. Acho que esse um das… talvez a mais… a platéia mais musical do mundo. Dá pra sentir do palco a musicalidade que vem do público. Esse foi o primeiro lugar – o Rio –  que viemos fora da América do Norte e Europa. Foi muito especial. A gente ficou “oh, isso é bem diferente”. Acho que só tem algo parecido em Portugal e na Espanha. Deve ser algo da cultura das línguas latinas. Vocês cantam mais alto… e melhor! (Risos) Eu não sei explicar, mas do palco dá pra sentir que pro público não é só o show de um banda… é algo maior, que eles se relacionam com as músicas.

TMDQA: Um amigo meu disse que prefere o Arcade Fire de antes do Reflektor por ser “mais dramático”. Mas os dois últimos álbuns são… bem dramáticos!

Richard Reed Parry: Sim, muito drama!

TMDQA: Você ainda se surpreende por as pessoas ainda estranharem o rumo que a sonoridade de vocês seguiu? Nesse caminho um pouco mais… pop.

Richard Reed Parry: Não. Eu mesmo sou um cara pouco pop então eu compreendo bem o sentimento. (Risos) Mas sabe como é banda, né? (Risos). Mas acho que foi uma mudança natural. Sem querer comparar, mas muita gente ficou irritada quando o Clash fez o Combat Rock e mudou a sonoridade deles. E esse é um puta disco. Imagino que eles devem ter perdido alguns fãs, pelo menos os punks (Risos)… Mas é um ótimo disco. O que eles podiam fazer, não é? Acho que o principal é continuar sentindo a mensagem da música e deixar ela seguir para onde ela deve ir.

TMDQA: Everything Now foi lançada com um trabalho visual e conceitual forte por trás. Fazer essas músicas ao vivo e coloca-las junto das outras da discografia mudou algo no modo como você as vê?

Richard Reed Parry: Sim, tem alguns sabores que mudaram. A gente mudou alguns detalhes, algumas… cores, de algumas músicas para elas casarem melhor. O novo disco é bem diferente do resto da discografia, mas mesmo dentro de álbuns já era necessário fazer isso. O Funeral, por exemplo, todas as músicas são muito diferentes. Montar setlist é um jogo de combinações e isso é bem divertido.

TMDQA: A música de vocês sempre pareceu com um clima de… hino. Como se fosse a trilha sonora de um protesto. Sempre senti que se tivesse andando na rua e tivesse rolando um protesto com pessoas cantando “Wake Up”, iria junto.

Richard Reed Parry: (Risos) Obrigado, cara!

TMDQA: Nesse tempos sombrios, você sente que música pode ser um modo de mudar as coisas?

Richard Reed Parry: Sim, música é algo que une as pessoas. Não é o que move a politica, que leva as pessoas até a justiça, mas é importante para unir as pessoas. Por exemplo, as pessoas beneficiadas pela Partners In Health (ONG focada em ajudar pessoas sem cobertura de sistemas de saúde pelo mundo e com quem a banda tem uma parceria) começaram a vir nos nossos shows e para muitos ali, tinha sido o primeiro show que eles foram. Até pro Paul (Farmer), fundador da ONG, foi o primeiro show. Sentir que o nosso trabalho consegue restaurar as energias, trazer alegrias para pessoas que precisam ou realizam trabalhos tão importantes assim, foi muito importante para nós. Sinto que esse é o papel da música nas mudanças…

TMDQA: Como um combustível…

Richard Reed Parry: Como um combustível… Trazendo as pessoas juntas umas das outras. Música pode ser um combustível de união, de debates.

TMDQA: Para fechar, você tem mais discos que amigos, Richie?

Richard Reed Parry: Sim, demais. Parece que uma parte de você que vive nesses discos.

TMDQA: Tem algum disco que você sempre leva com você, que você sempre ouve quando está em tour?

Richard Reed Parry: Tem alguns discos que eu sempre volto. Tipo o Spirit of Eden ou o Laughing Stock, do Talk Talk… Tem também os discos do Nick Drake que volto sempre. O Live 93 do The Orb. Esses discos parecem quadros que você para na frente deles e por mais que você já tenha visto mil vezes, ainda acha que tem segredos a descobrir.