O que é, afinal, a MPB?
A polêmica sigla, que significa Música Popular Brasileira, é um conceito mais complexo do que simplesmente um estilo musical propriamente dito. A música popular, afinal de contas, remete aos sons que fazem sucesso no âmbito nacional. No Brasil, gêneros como ijexá, samba, bossa nova e choro se tornaram populares. Surgiu, daí, uma tentativa de englobá-los, juntos a todos seus elementos, em um novo gênero: na MPB. Essa mistura complexa de subgêneros é o que mais cativa a cantora baiana Illy,
De naturalidade baiana, Illy, desde pequena, encanta qualquer espectador com seu talento. Elogiada por nomes como Caetano Veloso e Gal Costa, a cantora lançou recentemente seu primeiro álbum cheio, intitulado Voo Longe.
Para divulgar o álbum, Illy se apresentou duas noites seguidas no Rio de Janeiro (dias 24 e 25 de Maio), e estivemos lá para contemplar a performance de uma das maiores apostas atuais da MPB.
O show
Em 2016, Illy apresentava seu primeiro EP, Enquanto Você Não Chega, no Rio de Janeiro. Com apenas 4 músicas autorais, a cantora encarou o desafio que seria se apresentar na Zona Sul da cidade.
Dois anos se passaram e Illy agora apresenta Voo Longe. A semelhança entre os dois momentos é o lugar: o Teatro Ipanema foi o palco usado para sediar o lançamento de ambos os discos. Uma casa onde as pessoas apreciam a apresentação sentados, desfrutando da música. Uma pena, porque passado pouco mais de uma hora do início da apresentação, algumas pessoas já se viam levantadas dançando as envolventes canções do repertório da cantora.
Illy foi uma das apresentações do Festival Levada, que tem como proposta a divulgação de artistas independentes. Já em sua sétima edição, o festival também já apresentou grupos como Muntchako (que tocou no Festival TMDQA! do ano passado), e artistas como Letrux.
Nessa hora e meia de apresentação, tivemos de tudo. Ouvimos de tudo também: samba, bossa nova, ijexá, axé… O lugar não estava lotado, mas as palmas animadas dos presentes ao final de cada canção fazia o simples teatro se assemelhar a uma ópera lotada.
Letras leves com temáticas suaves marcam as músicas e também serviram para dar o “tom” do show. Mas também tivemos críticas sociais e políticas. Discursos a favor do empoderamento feminino precederam a interpretação de “Vida de Bailarina“, canção originalmente gravada pela cantora Ângela Maria em 1954. “Porque toda mulher tem o direito de ser quem ela quiser. Aliás, ‘Fora Temer’ e ‘Marielle Presente'”, disse Illy.
Além disso, a baiana dedicou a apresentação a sua mãe e a sua avó. A mãe, inclusive, estava presente dentre o público, aplaudindo orgulhosamente sua filha.
Visualmente, o show foi muito bonito também. O cenário continha água, reflexos e uma iluminação que acompanhava o clima das músicas. Para executar a dançante e latina “Djanira“, a cantora e a banda colocaram óculos escuros, o que também impactou o público positivamente.
Illy estava acompanhada de uma sincronizada e animada banda, formada por Marcelo Callado (bateria), Marcelo Costa (percussão), Guilherme Lírio (guitarra) e João Gabriel (baixo). Nem sequer problemas ocasionais no som desanimaram o público.
Além do forte grupo instrumental, a apresentação também contou com um ilustre convidado, o compositor carioca Davi Moraes. Juntos, cantaram uma das inéditas de Illy, “Afrouxa“, além de “Café com Pão“, faixa de Davi lançada em 2004 no álbum Orixá Mutante. Durante o tempo de Davi no palco, Guilherme Lírio assumiu um posto de guitarrista base, deixando o convidado brilhar com uma guitarra funkeada e com belos solos de guitarra que animaram – ainda mais – o público.
Discursos da cantora ao longo da apresentação celebraram a música baiana, a MPB “raiz” e artistas consagrados do gênero. É um nome para se prestar atenção. Não é inimaginável que, daqui a alguns anos, outros artistas estejam no palco homenageando Illy,
A entrevista
Tivemos a honra de entrevistar a cantora pouco antes do show. Sentada enquanto seu cabelo recebia os últimos retoques para o show, Illy conversou conosco sobre o álbum, sobre sua carreira, sobre a Bahia, sobre a MPB…
TMDQA!: Primeiramente, parabéns pelo seu álbum! Você começou a sua carreira musical aos 16 anos, e daí em diante você passou por diversos estilos musicais. Tudo sempre envolvendo a MPB, os gêneros mais característicos da música brasileira. Mas de onde nasceu o seu interesse por música?
Illy: Nasceu em casa mesmo. Eu venho de uma família bastante musical. Meus pais tocavam e cantavam bem. Minha mãe canta muito bem. Meu pai tocava bateria. Meu irmão também já tocou comigo. Minha avó, meu tio, que é compositor e inclusive compôs uma do meu disco… Então essa coisa nasceu de casa. Até o que sempre ouvi, meu gosto musical, foi muito guiado por influências familiares.: Ângela Maria, Elis Regina…
TMDQA!: Teve algum momento específico da sua vida em que você parou e percebeu que “Caramba! Eu tenho talento para isso”?
Illy: Foi quando eu comecei cantar e tocar em barzinhos. Os bares enchiam! As pessoas iam em plena quinta-feira só para me ver. Aí percebi que estava fazendo algo legal.
TMDQA!: Você já recebeu elogios de vários artistas consagrados da música brasileira: Caetano Veloso, Gal Costa… Como você se sente por já ter tido contato com esses nomes grandes? E como você se sente por já ter sido elogiada por eles? No que você acha que isso acrescentou para você na sua carreira?
Illy: Acrescentou demais! É muito importante ser elogiada por estes artistas, que são meus ídolos. E ter essa chance de estar com eles também. Caetano, por exemplo, foi uma grande oportunidade, pois eu estava gravando minha websérie, e vários artistas e compositores amigos participaram: Mosquito, Teresa Cristina e uma turma da Bahia também, que são os compositores do meu disco. Eu consegui juntar os amigos e os grandes ídolos, e acabou ficando uma coisa bem legal. Isso foi o que me deu a oportunidade de estar com Caetano, porque ele topou participar e aí a gente cantou junto. Foi aí que nasceu tudo.
Mas nesse dia que a gente cantou junto, pintou um elogio dele. Estávamos gravando, mas acabamos não pegando o final. Ele dizendo “Que lindo!”. Foi o elogio dele. É muito grandioso para mim. É muito importante ter essas oportunidades. Abrir show para a Gal Costa, no Circo Voador (casa de shows carioca), abrir show para Djavan… Foi uma grande chance que eu tive de mostrar meu trabalho.
TMDQA!: Você é da Bahia, e isso se reflete no seu disco de certa forma. O clipe de “Voo Longe”, lançado recentemente, foi gravado lá. E tem também artistas baianos participando das gravações. Você está no Rio há um bom tempinho, mas o que você diria, de característica sua, que o Rio não conseguiu mudar? Qual a essência da Bahia que ainda vive em você?
Illy: Já estou no Rio há três anos. Mas o que o Rio não conseguiu mudar em mim? Ah, tudo que está dentro de mim. Eu acho que a única coisa. Eu acho que o Rio me ajudou muito foi a enxergar a Bahia estando fora dela. Eu consegui ver a minha música e o quão baiana ela é. Foi quando eu descobri que carregava essa coisa da Bahia. Foi eu estar de fora e as pessoas valorizarem minha música, que tem muita influência de lá. Isso foi o que o Rio me mostrou, mas mudar? Eu acho que o que está dentro de mim, a minha essência, continua.
TMDQA!: Uma das coisas que mais me impressionou no seu álbum é que ele é, em si, um álbum de MPB, mas ele conta com muitos de seus subgêneros. E você sempre teve contato com diversos estilos, por conta da sua bagagem musical. Na hora de compor o álbum, você acha que essa versatilidade foi um desafio em algum momento? Como foi deixar tudo entrar de forma natural no álbum sem tender a levar o álbum para um subgênero específico?
Illy: Eu não sei dizer se para mim isso foi algo difícil. Eu sempre entendi a MPB como “Música Popular Brasileira”, então realmente tem tudo. Tudo isso é MPB. Eu tenho esse entendimento muito claro sobre a sigla. Mas eu me preocupava em relação às pessoas, pois precisava trazer uma unidade ao disco, fazer uma sonoridade que fosse marcante em todas as faixas, que trouxesse uma cara mesmo. Eu acho que foi bacana. Eu consegui, graças ao apoio de uma equipe legal. Tem Moreno (Veloso) e Kassin, que já se entendiam, que já fizeram outros trabalhos juntos. E a gente conseguiu.
TMDQA!: O que você aprendeu ao ver seu álbum sendo produzido por eles?
Illy: Nossa, muita coisa! Com o Moreno, eu aprendi a relaxar e a fazer algo mais fácil. Ele é muito fácil de se lidar, e passou muito disso para mim nesses três anos de contato. E Kassin também é uma pessoa muito doce, muito simples de executar tudo. O que eu aprendi com eles foi isso, porque eu sempre fui uma pessoa que se cobra muito, que nunca se dá por satisfeita. Quando gravava, eles diziam “Tá lindo. Tem que mudar nada. Isso é você.” Aí, aos poucos, eu ia relaxando e deixando fluir. Eu fazia algumas coisas que eram meio complicadas para mim, mas eu os via e percebi aos poucos que aquilo é a minha verdade, que tinha saído de mim naquele momento. Isso captava a minha essência, e foi no final das contas o que eu tive de mais valioso no meu disco.
TMDQA!: Outra coisa que eu reparei foi que o álbum, do início ao fim, foi montado. Não foram apenas “músicas aleatórias jogadas me qualquer ordem”. Isso ficou muito interessante de se ouvir, desde os versos iniciais de “Sombra da Lua” até a levada instrumental de “Ela”. Podemos dizer que o álbum é uma viagem completa.
Illy: Sim!
TMDQA!: Mas uma dúvida: por que a faixa escolhida para intitular o álbum foi “Voo Longe”?
Illy: Na verdade foi Jorge Veloso que escolheu (risos). “Voo Longe” é uma composição de Quito Ribeiro, um compositor baiano, e eu gosto muito de cantar músicas românticas, baladas. Essa faixa, no meu repertório, é especial. De todos os estilos que canto, essa canção simboliza um dos estilos que mais gosto de interpretar. E aí escolhemos essa, porque faz parte de toda essa história, desse voo, dessa vida e dessa viagem. Escolhemos “Voo Longe” para todo mundo entender.
TMDQA!: Há dois anos, você também tocou aqui no Teatro Ipanema, mas a ocasião era diferente. Na época, você lançou seu primeiro EP, Enquanto Você Não Chega. Agora que você tem um disco completo, inclusive com as músicas presentes nesse EP, como é para você subir no mesmo palco, só que com um repertório mais cheio e, consequentemente, com mais chances para mostrar seu talento para o público?
Illy: Me sinto realizada. A gente levou um tempão gravando esse disco, levantando os arranjos e tudo mais. Nada mais prazeroso do que fazer esse disco ao vivo, ainda mais com essa “bandassa”, que me faz sentir muito bem acompanhada. (nomes dos integrantes).. É uma tremenda sorte estar com esses caras e poder me apresentar com eles.
TMDQA!: Você tinha falado sobre a sua websérie “Illy e a MPB de Todos os Sons”. Ela teve vários episódios e é muito legal, porque ali você mostra, como o próprio nome sugere, diferentes vertentes e diferentes artistas. É muito interessante você disponibilizar esse tipo de material usando uma plataforma atual como o Youtube. Por exemplo, Caetano não conseguiu fazer uma divulgação desse tipo enquanto trabalhava em seus primeiros álbuns. Como você acha que as redes sociais, que esse novo mundo que a internet proporcionou, podem alavancar sua carreira? Como essas mudanças mudam a relação público-artista?
Illy: Foram duas temporadas de 16 episódios. Eu acho que o público acaba tendo mais contato com o artista. Eu mesma recebo várias composições pela internet, pelo Facebook. Esse contato é importantíssimo. Afinal de contas, é o público que faz o artista crescer. Hoje, o artista independente tem essa força. A internet ajuda muito, especialmente artistas independentes como nós. Eu, apesar de estar sendo distribuída pela Universal, mas me considero uma artista independente.
Eu comecei a fazer essa websérie justamente para gerar conteúdo e fazer as pessoas conhecerem meu som. Até então, eu tinha muita pouca coisa na internet. Agora que eu estou começando a me adaptar, porque admito que não sou uma pessoa muito atenta às redes. Mas isso tem me ajudado bastante. Estou lançando clipes, divulgando as músicas aos poucos. Foi muito legal, pois consegui valorizar um pouquinho de cada música e só agora lançar o disco todo, depois de as pessoas já terem ouvido bastante as músicas.
TMDQA!: Deu para deixar o gostinho na boca dos ouvintes.
Illy: Deu para deixar o gostinho e deu também para ser conhecida aos poucos. Tem me ajudado bastante no geral. E até para ter uma visão do que está acontecendo no mundo através da internet. Acompanho o trabalho de vários colegas que moram em outras partes do Brasil, por exemplo. Uns colegas de São Paulo, a turma da Bahia… Só tem a acrescentar!
TMDQA!: Quando você falou com o Tenho Mais Discos pela última vez, você comentou sobre seus álbuns favoritos. Os nomes envolviam Caetano, Gal Costa e Nana Caymmi, artistas importantíssimos para a MPB. Mas e em relação aos artistas mais novos? Existe algum artista ou álbum específico que chamou muito a sua atenção, a ponto de servir de inspiração para a composição de Voo Longe?
Illy: Tem, sim! Dos artistas contemporâneos tem uma sim, e eu tenho falado bastante dela. Ela deve achar que estou afim dela (risos). Júlia Vargas é o nome. Eu gosto muito do Pop Banana. Acho esse disco ótimo, e acho ela uma grande cantora. É um disco que ouço em casa e que curto muito. Acho muito bem feito e bonito.
TMDQA!: O Pop Banana, de alguma maneira, te inspira em composições ou mesmo em performances?
Illy: Eu me identifico muito com ela, porque têm surgido tantas cantoras-compositoras por aí. Quando achei Júlia, que é uma intérprete, eu pensei “Estamos no mesmo lugar”. Me identifico muito. Quando ouço, eu canto alto essas músicas em casa. São músicas que, inclusive, eu teria em um disco meu.
TMDQA!: Na última vez, perguntamos se você tinha mais discos que amigos, e você falou que tinha, sim!
Illy: Eu tenho poucos amigos, pois é (risos).
TMDQA!: Você acha que isso vai mudar, agora que você lançou o álbum, foi elogiada por artistas consagrados e tem mais visibilidade? Ou você vai ter sempre essa essência dos discos na veia?
Illy: Eu gosto muito de ter os discos, porque eu gosto de acompanhar, de ler encarte e tudo mais. Eu acho que continuarei tendo mais discos, porque isso pode continuar.
TMDQA!: Então você gosta de ter o disco em formato físico.
Illy: Eu gosto de ter o disco físico, sim. Tanto que lancei o trabalho em disco físico, e estamos na luta para vende-los. O disco físico tem coisa a arte. A do meu foi feita pela Fernanda. Tem as letras das músicas, tudo. Eu segui esse padrão.
TMDQA!: Acho que já está na hora de liberar você para o show (risos). Não quero atrapalhar. Bom show para você!
Illy: Muito obrigada!
Confira abaixo fotos e a setlist da apresentação:
- “Sombra Da Lua”
- “Só Eu E Você”
- “Árvore”
- “Voo Longe”
- “Olhar Pidão”
- “Que Foi My Love?” (cover de Djavan)
- “Moto I”
- “Baleia”
- “Vida De Bailarina” (cover de Ângela Maria)
- “Fama De Fácil”
- “Olha”
- “Afrouxa” (com participação de Davi Moraes)
- “Café com Pão (Davi Moraes)
- “Para Todo Efeito” (part. Davi Moraes)
- “Cinderela”
- “Desafio”
- “Djanira”
- “Ela”
- “Depois Que O Ilê” / “Faraó” (covers, respectivamente, de Caetano Veloso e Margareth Menezes)