Texto por Stephanie Hahne, Laís Ribeiro e João Pinheiro
Por um lado alheia e por outro consciente da situação política e social do país, a música nacional resiste. E está pegando fogo.
O João Rock realizou sua 7ª edição neste sábado (09), em Ribeirão Preto, e mostrou que o mercado dos shows não é só feito de grandes festivais internacionais. Levando 60 mil pessoas ao interior de São Paulo, o evento provou sua consolidação mais uma vez com um line up de respeito, que misturou gerações e ritmos para um público igualmente diferenciado.
No Palco Brasil, que celebrou os 50 anos da Tropicália com atos como Mutantes, Tom Zé, Caetano Veloso e Gilberto Gil, o público era majoritariamente jovem. Nas grades de frente ao cenário, meninos e meninas na casa dos 20 choravam de emoção ao ver ícones da MPB, enquanto outros dançavam sem parar com as canções. Já no Palco João Rock, o principal do festival, uma galera já mais velha batia cabeça ao som de Pitty, Raimundos e Planet Hemp, por exemplo. Pra mostrar que música boa não tem idade, gênero, cor.
Dentre os diversos shows, o João Rock ainda montou uma pista gigantesca de skate que atraiu milhares de olhares curiosos. Nomes como Karen Jonz e Sandro Dias, o Mineirinho, exibiram suas manobras e ainda dividiram o cenário com vários entusiastas do esporte.
Em uma festa com tantos pontos positivos, um negativo foi apontado pelo público e visto por nós. Mesmo que a gente da imprensa não tenha usado os serviços e a entrada para o público geral no evento, era possível observar em todo canto filas inacreditavelmente grandes. Comentários na internet chegam a citar uma falha no sistema cashless do festival, o que teria sido a causa do problema. Um ponto a melhorar no próximo ano.
Abaixo, descrevemos um pouco do que foi o festival palco a palco, e ao fim da resenha ainda tem uma galeria de fotos exclusivas. Divirta-se!
Palco João Rock
Quem abriu os trabalhos no maior palco do evento — que é dividido em dois –, foi a ótima banda catarinense Napkin, que venceu um concurso do festival. O divertido grupo foi seguido pelo Cordel do Fogo Encantado, que voltou à ativa depois de um grande hiato e apresentou músicas antigas e novas. O público, que ainda estava chegando ao evento, se mostrou animado com o retorno do grupo.
O Supercombo subiu ao palco e contou com uma plateia muito receptiva, desde a sequência inicial com “Jovem” e “Fundo do Mar”. Ambas são bastante conhecidas pelo público, que entrou na vibe da banda, criando um clima muito participativo. O grupo falou sobre a sua segunda apresentação no João Rock, agora estreando no palco principal, e seguiu com faixas como “Monstros”, “Amianto” e “Rogério”. O fim de tarde combinou perfeitamente com a apresentação contagiante, que foi encerrada com o hit “Piloto Automático”.
Em seguida, foi a vez dos caras do Raimundos, que, apesar de não lançarem material inédito há quatro anos, possuem clássicos de sobra para comandar um público de festival. Abrindo com o seu maior sucesso, “Mulher de Fases”, a banda contou com um repertório de peso, passando por “Be a Bá” e “Esporrei Na Manivela”, até hits chicletes como “A Mais Pedida” e “Reggae do Maneiro”. Entre um mosh pit a todo vapor na pista, teve espaço também para um cover de Queen, com “Love Of My Life”, e uma homenagem ao Charlie Brown Jr., com “Lugar ao Sol”. Para finalizar, o grupo mandou “Me Lambe” e “Eu Quero Ver o Oco”. Além da música, discursos políticos vazios também fizeram parte da apresentação. Em determinado momento, a plateia iniciou o coro de “Fora Temer”, algo que aconteceu em quase todos os shows. Para isso, o vocalista Digão respondeu, “fora todos eles”, e depois de algumas frases genéricas, desviou do assunto.
Já o Skank esbanjou simpatia e intimidade com o público. Sendo uma das bandas que mais se apresentaram no João Rock, o grupo comandou a plateia com maestria e fez todo mundo cantar e pular do início ao fim. “E essa seleção, vai ou não vai?”, questionou Samuel Rosa em “É Uma Partida de Futebol”, um hino que sempre ganha mais força em ano de Copa do Mundo. Destaque ainda para a sequência empolgante de “Jackie Tequila”, “Te ver”, “Três Lados”, “Vou Deixar” e “Garota Nacional” — todas na ponta da língua até de quem não é fã da banda. Com “Vamos Fugir”, o Skank se despediu do palco mostrando mais uma vez o quanto é relevante para a música nacional.
Há um ano, Pitty escolheu o João Rock para marcar a sua volta aos palcos após um longo período afastada em função da maternidade. Porém, ela não realizava shows desde então, e o próprio festival acabou sendo um novo retorno às apresentações ao vivo. Com uma base de fãs muito diversificada, Pitty é a cara de festivais como o João Rock, conseguindo uma conexão forte com o público.
Iniciando o set com os sucessos “Admirável Chip Novo” e “Memórias”, a banda fez a alegria dos fãs com “I Wanna Be”, que não era tocada ao vivo há muitos anos — e essa era apenas a primeira surpresa da noite. Após “Equalize” e “Na Sua Estante”, fomos surpreendidos com a nova faixa, “Te Conecta”, que além de ter sido apresentada pela primeira vez, ganhou um vídeo registrado ao vivo. Pitty anunciou também que além de estar trabalhando no próximo disco, sairá em nova turnê a partir de Agosto.
O show ficou ainda mais especial quando Tássia Reis e Emmily Barreto (Far From Alaska) subiram ao palco para a primeira performance ao vivo do single “Contramão”, parceria que foi lançada recentemente . Além da nova faixa, elas apresentaram um medley com “Run The World (Girls)”, “Agora Só Falta Você” e “Maria da Vila Matilde“, canções de Beyoncé, Rita Lee e Elza Soares, respectivamente. Belíssima forma de representatividade feminina, uma questão sempre muito abordada por Pitty. Foi um show histórico, encerrado com “Máscara”, a faixa que há 15 anos projetou a banda nacionalmente.
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O reggae no Palco João Rock ficou por conta do Natiruts, que levou ao público muita positividade e celebração. Tanto com os sucessos “Presente De Um Beija-Flor” e “Liberdade Pra Dentro da Cabeça”, do primeiro disco, como “Na Positiva” e “Dois Planetas”, lançadas em 2017, o grupo cativou a plateia com bastante interação e grande energia. O ponto alto da apresentação foi ao som de “Natiruts Reggae Power”, hit que não deixa ninguém parado.
Depois, Gabriel O Pensador subiu ao palco com suas letras fortes e discurso engajado. Começando com “Tô Feliz (Matei o Presidente) – Parte 2″, segunda versão da faixa lançada originalmente em 1992, o músico mandou suas críticas a Temer, Bolsonaro e política em geral. Com “protesto em forma de ritmo e poesia”, como ele mesmo definiu, uma versão de “Chega” foi cantada à capela. Indo para um lado mais descontraído, o repertório contou também com “Cachimbo Da Paz”, “Zóio de Lula” (Charlie Brown Jr), a participação de Mariana Nolasco para cantar “Fé Na Luta”, “2,3,4,5,meia,7,8” e “ Até Quando?”.
Já Criolo, que lançou Espiral de Ilusão em 2017, focou sua apresentação mais no rap do que no samba. O cantor foi recebido por um público grande e engajado, e se mostrou emocionado pela recepção. Durante o hit “Não Existe Amor Em SP”, o rapper foi às lágrimas em um dos momentos mais emocionantes do festival, arrancando aplausos dos fãs.
Era madrugada quando o Planet Hemp entrou em cena para encerrar o João Rock, com um show destruidor. Da presença de palco da banda e suas falas relevantes sobre a política do país, até a arte visual do telão, foi uma apresentação arrebatadora.
Se com “Legalize”, “Dig Dig Dig”, “Fazendo a Cabeça” e “Queimando Tudo” o público já cantava e vibrava, fazendo a fumaça subir, quando BNegão anunciou que era a hora do hardcore, as pistas ficaram numa vibe insana. Ao som de “Mary Jane”, “100% Hardcore” e “Raprockandrollpsicodeliahardcoreragga”, os fãs formaram rodas e a entrega era total.
Em “Zerovinteum”, Marcelo D2 falou sobre o recente caso de racismo envolvendo a PUC-RJ, sobre violência e sobre intervenção militar. “Não é possível que em 2018 tenha gente querendo votar em Bolsonaro,” completou. Com a imagem de Marielle Franco no telão, BNegão citou o nome da ex-vereadora, e também de Anderson e Amarildo. Em seguida, outra homenagem: dessa vez para Chico Science, antes de “Samba Makossa”.
Depois de “Crise Geral”, do Ratos de Porão, e “Seus Amigos”, do Serial Killer, o show voltou para a vibe legalize em “Quem Tem Seda”. Planet Hemp afiadíssimo no palco e o show chegava ao fim com “A Culpa É De Quem” e o grande clássico “Mantenha O Respeito”. Mosh a todo vapor fazendo a poeira subir, literalmente, e um jeito único de encerrar uma apresentação grandiosa.
Palco Brasil
Em 1968 foi lançado o álbum Tropicalia ou Panis et Circencis, considerado o manifesto do movimento tropicalista. Como comemoração do aniversário de 50 anos da Tropicália, o palco Brasil era todo formado por artistas que são atualmente bastiões da música nacional e foram peças fundamentais na formação do movimento.
Quem abriu os trabalhos lá foi Os Mutantes. Sem lançar álbum desde 2013, a banda fez uma apresentação baseada em seus grandes sucessos. Hits como “Tecnicolor”, “Top Top”, “Minha Menina” e “El Justiciero” dedicada para o presidente Michel Temer e o Congresso nacional animaram muito o já grande público presente.
Refavela, disco clássico no qual Gilberto Gil homenageia a música negra, também teve seu espaço no palco. Além de Gil, Moreno Veloso, Anelis Assumpção, Chiara Civello, Mestrinho e Bem Gil celebraram os 40 anos de lançamento do álbum empolgando o público com os sucessos como “Ilê Ayê”, “Um Canto de Afoxé”, “Samba do Avião” e até uma versão em italiano de “Aqui Agora”.
“Ofertório” é uma música que Caetano Veloso escreveu para a missa de 90 anos de Dona Canô, sua mãe. Reunião de família, esse é o clima passado no show de mesmo nome da canção no qual o cantor se reúne com seus filhos Zeca, Tom e Moreno Veloso.
A apresentação é muito intimista, o que foi um pouco prejudicado já que o som dos outros palcos acabou vazando e atrapalhando. Nada que tirasse a beleza dos clássicos “Alegria, Alegria”, “O Leãozinho”, “Reconvexo” e a acachapante versão de “Força Estranha” com o público cantando junto. Há também espaço para o novo nas composições de seus filhos, como na lindíssima “O Seu Amor” e em “Todo Homem”, na qual Zeca brilha com sua incrível voz à la James Blake. Além de toda essa beleza, não dá para não destacar momentos como Tom dançando passinho enquanto cantam o funk “Alexandrino” e o cover de “Tá Escrito”, do Grupo Revelação. Em resumo, se Ofertório passar por sua cidade, vá. Certamente é um daqueles shows que você vai querer contar aos seus netos.
O responsável por encerrar os trabalhos do Palco Brasil foi o sempre incrível Tom Zé. E que escolha certa. Com sua palavra cantada e tiradas inteligentes, o baiano de 81 anos brincou com o público, com a política, com sua banda, com o festival, com tudo. Dentre canções como “Tô”, “Augusta, Angélica e Consolação”, o cantor fez críticas afiadas. “Ordem e Progresso uma porra, é Ordem e Regresso”, comentou sobre o momento que vive o Brasil.
Em determinado momento da apresentação, sem vergonha alguma, Tom Zé ainda divulgou a venda de seus discos ali na grade do palco. No fosso onde fica a imprensa, a mulher do músico montou uma mesinha com os produtos e uma máquina de cartão de crédito, e Tom ainda prometeu que autografaria tudo depois.
Palco Fortalecendo a Cena e Red Bull
Menores no tamanho, mas não no peso.
O palco Fortalecendo a Cena recebeu bandas novas de todo o Brasil, na função de mostrar pro público o que está rolando de novidade na cena independente. Bandas como Kilotones, Dônica, Sinara, Rael, Froid e Francisco El Hombre passaram por lá e levaram um público bastante volumoso para conferir as apresentações.
O grande destaque fica justamente com a banda que encerrou os trabalhos. A Francisco subiu ao palco já depois da meia-noite, competindo com o Planet Hemp que tocava no cenário principal. A plateia tímida no início foi crescendo a cada música que passava, e cada vez mais animada também.
Dentre canções como “Bolso Nada”, “Calor da Rua”, “Meu Sangue Ferve por Você” e “Triste, Louca e Má”, a banda mandou vários recados afiados sobre feminismo, política e preconceito. Em determinado momento, rolou a já esperada invasão ao palco, com membros de bandas como Far From Alaska e Supercombo fazendo a maior bagunça.
Um show pra lavar a alma.
Ali pertinho, a Red Bull levou ao palco os grupos e artistas Marujos, Mari Nolasco – que recebeu Rael como convidado -, Motriz e Enversos.
Esse pessoal foi finalista do Red Bull Music Breaktime Sessions, o maior concurso de bandas universitárias do país, e agora estão concorrendo para gravar um EP no Red Bull Music Studios, em São Paulo. Você pode votar até a próxima quinta-feira (14), clicando aqui.