Música

Puta que pariu, precisamos falar sobre "Titanomaquia", dos Titãs

Há 25 anos, em 1993, Titãs lançava o seu sétimo disco de estúdio com letras afiadas, guitarras pesadas e o produtor Jack Endino (Nirvana, L7).

Titãs em Titanomaquia

“Titanomaquia”, como define a mitologia grega, foi a guerra que aconteceu entre os Deuses do Olimpo e os Titãs.

Obviamente não são os Titãs sobre os quais falaremos aqui na matéria, mas a banda brasileira soube muito bem aproveitar a brincadeira com seu nome para lançar o sétimo disco da prolífica carreira, há 25 anos, em 10 de Julho de 1993.

 

Origens

Titanomaquia foi o sucessor de Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, um disco em que os Titãs resolveram tocar o foda-se, assumir a produção e gravar algumas de suas letras e canções mais pesadas.

Hoje um clássico entre fãs da banda, o álbum não foi lá muito bem recebido por público e crítica, muito por conta de letras como a de “Isso Pra Mim É Perfume”, de Nando Reis:

Isso para mim é perfume
Suor, fedor
Isso para mim é garboso
Cabelo embaraçado
Dente não escovado
Chupar o seu dedão
Cheirar sua calcinha suja na menstruação
Isso para mim é enfeite
A cabeça do pau faz esporra de leite
Pra tomar de manhã
No café da manhã
E também no almoço
E depois no jantar
Amor, eu quero te ver cagar

Mas se você acha que a repercussão abalou a banda e a fez pensar em uma abordagem mais comercial para o seu próximo lançamento, está completamente enganado.

Dois anos após Tudo Ao Mesmo Tempo Agora veio Titanomaquia e a banda acertou em várias tacadas de mestre.

Primeiro, soube lidar muito bem com a saída de Arnaldo Antunes, que apesar de deixar oficialmente a banda ainda colaborou em algumas das canções.

Segundo porque soube exatamente onde procurar por alguém que pudesse transmitir toda a raiva e o peso que os Titãs queriam expressar na época de forma mais acessível e, assim, mais impactante.

 

Seattle

Por acaso esse lugar que a banda encontrou no mapa era a cidade de Seattle, que vinha produzindo os principais nomes do Rock And Roll dos Estados Unidos e nos presenteou com clássicos de bandas como Nirvana, Pearl Jam e Soundgarden.

Em Titanomaquia, os Titãs convocaram o produtor Jack Endino, responsável por nada mais, nada menos, do que Bleach, primeiro disco do Nirvana, além de ser o produtor de Mudhoney, Afghan Whigs, L7, Mark Lanegan e muito mais.

Nessa época os ouvidos dos “roqueiros” brasileiros estavam todos virados para os Estados Unidos, então a banda foi direto na fonte para buscar alguém que entendesse a sua sonoridade e a retratasse para o início dos tão prolíficos anos 90.

Em declarações sobre seu trabalho no disco, Jack Endino sempre deixou claro que achava interessante como a banda queria fazer o caminho inverso do tradicional, indo das músicas mais populares do início de carreira para outras mais pesadas, e ainda revelou:

Fui ao Brasil e comecei a perceber exatamente o que eles pretendiam fazer, e o disco foi mais para um lado ‘hard rock’. Sei que dividiu os fãs dos Titãs, mas muitos deles, dez anos depois, ainda querem que os Titãs gravem outro álbum de ‘hard rock’ como aquele. Tenho certeza, pois recebo muitos e-mails dos fãs.

 

“Hard Rock”

TITÃS: do pior ao melhor álbum

Sem dúvida alguma Titanomaquia traz muito Rock And Roll e é baseado principalmente em canções pesadas como a incrível “Será Que É Isso Que Eu Necessito?”, que abre o álbum com maestria e não poupa os palavrões que, inclusive, inspiraram o título dessa matéria:

Ninguém fez nada, ninguém tem culpa
Ninguém fez nada de mais, filha da puta
Quem aqui não tem medo de passar o ridículo?
Quem aqui, como eu, tem a idade de Cristo quando morreu?

Não sei o que você quer, nem do que você gosta
Não sei qual é o problema, qual o problema seu bosta?!
Quem aqui não tem medo de se achar ridículo?
Quem aqui, como eu, tem a idade de Cristo quando morreu?

A performance de Sérgio Britto é impecável, assim como também é a de Branco Mello em “Nem Sempre Se Pode Ser Deus”, segunda faixa que, ainda que mantenha o peso, mostra como o equilíbrio entre a raiva e as melodias acessíveis foi encontrado por aqui.

Bem menos pesada que a faixa anterior no instrumental, a canção ainda traz uma urgência e uma angústia nos vocais e na letra, com os sentimentos todos em evidência:

Não é que eu me arrependi
Eu tô com vontade de rir
Não é que eu me sinto mal
Eu posso fazer igual
Não é que eu vou fazer igual
Eu vou fazer pior
Não é que eu vou fazer igual
Eu vou fazer pior
Nem sempre se pode ser Deus
Nem sempre se pode ser Deus
Por isso que eu estou gritando
Por isso que eu estou gritando
Por isso que eu estou gritando
Por isso que eu estou gritando

Outros destaques do álbum ficam por conta de canções como “Disneylândia” e sua letra genial, “A Verdadeira Mary Poppins” e um peso cadenciado pela voz do mestre Paulo Miklos, “Dissertação Do Papa Sobre O Crime Seguida de Orgia” e “Hereditário”.

Essa última é cantada por Nando Reis, que ao que tudo indica não se encaixava completamente com a estética de Titanomaquia e emprestou a sua voz para a performance de uma música que relembra os trabalhos anteriores do grupo e alia a sonoridade dos anos 80 e 90 às guitarras no último volume que aqui davam as cartas.

Em mais uma performance vocal incrível de uma banda que contava com um time de vocalistas invejável, tornou-se hit e é um contraponto sensacional dentro de um projeto tão bem definido.

Titanomaquia

Além do peso das guitarras, pegando para ler as letras de Titanomaquia você percebe que há 25 anos os Titãs lançavam uma verdadeira pérola e definiam o seu posto como a mais inventiva banda de Rock da história do Brasil.

Pense, caro leitor: hoje em dia você consegue imaginar uma banda de rock no mainstream falando sobre tudo isso, dessa forma, com guitarras distorcidas e ligadas lá em cima?

A resposta é não primeiro porque nenhuma banda de rock está no mainstream já há algum tempo. Segundo porque a última geração de bandas que esteve lá preferia falar sobre relacionamentos amorosos e não tinha a mínima vontade de se desafiar ou desafiar as coisas que via acontecendo ao seu redor.

O que o Titãs fez com seu alcance e popularidade foi louvável e inspirou uma geração que veio depois, tanto por conta da influência do seu som quanto pela mão na massa mesmo: o selo Banguela, que lançou o primeiro disco dos Raimundos em 1994, tinha integrantes da banda como sócios.

 

Um quarto de século depois, Titanomaquia está aí mais urgente do que nunca. Aperte o play bem alto com a gente!