Circa Survive faz show envolvente e performático em São Paulo

Em segunda passagem pela cidade de São Paulo, Circa Survive mostra grande sinergia com o público e vocalista Anthony Green declara: "essa noite foi melhor".

Circa Survive em São Paulo
Foto: Stephanie Hahne

Texto por Marcelo Ferraz e Stephanie Hahne

O Circa Survive voltou ao país mais forte do que nunca para entregar um show sensacional aos seus fãs cada vez mais intensos e apaixonados.

Três anos depois de sua primeira passagem por São Paulo, o grupo liderado pelo simpático Anthony Green lotou o Fabrique Club no último sábado (15) para apresentar canções do mais recente disco, The Amulet (2017), entre canções já bem conhecidas e amadas pela plateia.

Acompanhando a banda estava a Wiseman, banda paulista com um som e show muito competentes, com influências fortes no grunge rasgado de Seattle. Durante a apresentação, inclusive, os caras fizeram uma cover de “Stay Away”, do Nirvana. Apesar do público ainda tímido que estava chegando à casa de show, o trio formado por Thiago, Fábio e Luiz foi bem recebido e saiu de lá com mais fãs do que quando entrou. O grupo lançou seu primeiro disco, Mind Blown, em Maio deste ano.

Mantendo a “tradição”, quem abriu de fato para o Circa foi o Bullet Bane, repetindo o feito de 2015.

Bullet Bane (com Circa Survive) em São Paulo-2
Foto: Stephanie Hahne

Com a saída do vocalista Victor Franciscon em Agosto deste ano, a banda tem convidado colegas de outras bandas para assumir os vocais nos últimos shows — como aconteceu no Oxigênio Festival, quando o grupo contou com nomes como Cyro Sampaio (menores atos) e Bruno Figueiredo (Black Days). Para o show no Fabrique, o Bullet Bane chamou Arthur Mutanen, que também ajudou os caras no Oxigênio, e olha… que performance!

O público pulou e cantou alto as músicas da banda, e se entregou à energia que os membros e Arthur exalaram no palco. Nas redes sociais, depois, a galera chegou a pedir que o grupo “promova” o vocalista.

Um aquecimento mais do que justo para o que viria a seguir.

Circa Survive

O público já se concentrava em definitivo ocupando toda a área da pista do Fabrique Club, enquanto o sistema de som local nos surpreendia: mesclados em uma playlist com músicas de bandas de post-hardcore similares ao Circa Survive estavam clássicos do Samba paulistano de Adoniran Barbosa, como “Tiro ao Álvaro”, em sua famosa colaboração com Elis Regina, e “Saudosa Maloca”. Uma escolha acertada para o local da apresentação (já que estávamos em São Paulo no fim das contas), mas bem surpreendente se levarmos em consideração as prioridades musicais do público ali presente.

Talvez Anthony Green tenha ido além de Tim Maia nas suas descobertas musicais brasileiras, como já havia nos contado em entrevista exclusiva dias antes.

O fato é que por volta das 20h30, dentro do horário programado pela produção, o Circa Survive subia ao palco ovacionado pela plateia ali presente, embalados pela empolgação de um Anthony Green muito interativo e grato pela presença de todos ali. O carismático e enérgico vocalista começou a cumprimentar com as mãos as pessoas que se empurravam nas primeiras filas próximas à grade do palco (e que também o seguravam com uma certa truculência).

“Vocês estão prontos para dançar com a gente?” perguntou o vocalista, e essa foi a deixa para o baixista Nick Beard puxar a introdução da explosiva “Rites of Investiture”. A faixa, apesar de habitar as últimas músicas da ordem do disco mais recente da banda, The Amulet, acha o seu lugar com naturalidade na abertura de um show.

Mas quem levantou mesmo o público e fez parece que o show de fato havia começado foi a música que veio na sequência: “The Difference Between Medicine and Poison is in the Dose” – música do álbum On Letting Go, lançado em 2007 – foi cantada por boa parte do público presente e arrancou sorrisos de Anthony Green.

Circa Survive em São Paulo
Foto: Stephanie Hahne

Eu nunca havia visto um show do Circa Survive, mas a obra da banda permeada pela voz aguda e peculiar de Anthony sempre me agradou. Era com muita curiosidade que eu esperava ver se a potência do seu vocal se justificaria ao vivo, e fui positivamente surpreso por ver como não só o vocalista executava as suas linhas com muita perfeição (apesar de mandar alguns dos versos para que o público cantasse), como o fazia enquanto pulava, dançava e ‘batia cabelo’ de acordo com o tempo e as paradas das músicas de forma muito performática.

Essa energia na performance era compartilhada pelos outros músicos no palco, principalmente pelos guitarristas Brendan Ekstorm e Colin Frangicetto. Ambos são mestres em criar ambiências e cenários climáticos para as canções em seus pontos mais baixos e altos, com uma confusão de efeitos de delay, phasers, e reverbs que se fossem executados por músicos menos capazes seriam caóticos, mas soam harmoniosos nas mãos dos dois.

O set continuou com a mesma sequência vista dias antes no Rio de Janeiro, com “Wish Resign”, “Tunnel Vision” e “Child of The Desert”. Em certo ponto entre essas canções, Anthony agradeceu de forma muito sincera ao público pela presença na casa aquela noite: “obrigado por terem vindo hoje, eu estou chocado com quantas pessoas apareceram. Pode não significar muito para vocês, mas tem o maior valor do mundo pra mim”.

Após breve introdução instrumental, onde as guitarras “carregavam” a música para a sua primeira frase, a banda emendou então uma das faixas mais esperadas da noite, o single “Get Out”. Certamente uma das músicas que mais empolgou a plateia presente, abrindo rodas, fazendo o público cantar mais alto que o próprio Anthony, que devolvia o microfone para a pista poder atingir as notas altas do grito “get ooooooooooout!” ao longo do refrão da música.

O show continuou com “In Fear and Faith”, “The Great Golden Baby” e a excelente “Lustration”, single do último lançamento da banda. Em certo ponto o energizado Anthony Green dedicou uma faixa às pessoas que haviam visto o primeiro show do Circa Survive em São Paulo, mas acrescentou que “hoje está sendo muito melhor”.

Essa troca sincera com a plateia foi um dos pontos altos da performance de Anthony, que passa boa parte do seu tempo em palco cheio de gestos e trejeitos, correndo e pulando de um lado para o outro, girando o microfone pelo seu cabo, arremessando pedestais para a coxia, segurando sua garganta e puxando sua camisa e fazendo caras e expressões que indicavam uma sinergia com o seu público e pelos outros músicos no palco.

Próximo ao fim do show, o músico chegou a admitir que a experiência de tocar música ao vivo para outras pessoas é o tipo de situação que mais gosta de viver como ser humano, e que o público de São Paulo estava tornando essa experiência em particular muito mais divertida. Agradeceu a todos pela paixão por música ao vivo, por manterem essa paixão viva e depois elegeu a noite na capital paulistana como “a melhor da turné agora”.

A dinâmica caiu um pouco com a dramática “At Night It Gets Worse”, também do disco The Amulet. A faixa tem na sua ponte uma bela sessão instrumental onde Anthony produz um falsete fantástico, mesclado com efeitos de loop da sua voz gravada ao vivo através de um pad de efeitos que é colocado no palco (e que reaparece na última canção do show).

A energia do show foi recuperada com “Living Together”, “Act Appalled” e a ótima balada melódica “Dyed In The Wood”, do disco Blue Sky Noise (que talvez seja o mais cultuado pelos fãs). O coro de “I know, I know” do público ainda fica na lembrança dessa noite.

Assim o Circa Survive chegava à parte final do seu set, em uma sinergia completa entre artistas e público, ao início da faixa “I Felt Free” — talvez a melhor canção de todo o show.

O público pediu por todo o set para que Anthony se juntasse aos crowd surfers e se jogasse por cima da plateia. O vocalista disse “eu amo vocês, mas tenho medo” algumas vezes enquanto ameaçava se jogar de fato, o que nunca aconteceu no fim. Talvez isso tenha sido motivado pela força com a qual as pessoas agarravam o seu braço ao longo de todo o show quando ele ia cumprimentar os que cantavam mais fervorosamente na boca do palco.

Circa Survive em São Paulo
Foto: Stephanie Hahne

Após aquela breve e clássica saidinha de palco, o Circa voltou para o seu Bis com apenas uma música: “Descensus”. A última faixa do disco que leva o mesmo nome começa empolgante, mas após 8 minutos de repetição de um dos seus trechos, marcado pelo experimentalismo na forma com a qual Anthony continua a mesclar vocais ao vivo e gravados na hora com o seu pad de loops, acabou cansando os espectadores.

A banda inteira deixa o palco antes do fim da música, para que Anthony a finalize usando a técnica descrita em cima, o que faz o show terminar de forma um pouco anti-climática e silenciosa (já que a plateia não o acompanhou nesses versos), longe da energia com a qual o set havia começado.

Graças à qualidade das músicas executadas antes, e à energia e técnica dos músicos, regidos por Anthony Green frente a sua excelente presença de palco, esse detalhe passa despercebido.

Como Anthony também nos disse em entrevista, é possível que após as turnês do álbum The Amulet o Circa Survive faça uma pausa nos shows para poder se concentrar em passar um bom período compondo músicas novas. Mas temos um movito para ficarmos ansiosos pelo ano que vem: Anthony Green estará de volta ao Brasil em Fevereiro para turnê com sua outra banda, o Saosin.

Repertório:

01. Rites of Investiture
02. The Difference Between Medicine and Poison is in the Dose
03. Wish Resign
04. Tunnel Vision
05. Child of The Desert
06. Get Out
07. In Fear and Faith
08. The Great Golden Baby
09. Lustration
10. At Night It Gets Worse
11. Living Together
12. Act Appalled
13. Dyed In The Wool
14. I Felt Free

Bis:

15. Descensus