Por Nathália Pandeló Corrêa
Nem só de inspiração gringa vive o rap brasileiro. Somando a uma longa lista de artistas nacionais que (já há um bom tempo) estampam suas rimas com ritmos que vão do samba ao baião, o trio carioca 3030 se estabelece no cenário com o lançamento de Tropicalia, seu novo álbum de estúdio. O título já entrega uma influência do movimento musical brasileiro sessentista. Mas só o play revela o outro lado do trabalho: um mergulho proposital nas linguagens do pop e do trap, dividindo e somando com os violões a la Jorge Ben, com a levada do reggae.
Para quem virou referência em “rap acústico”, é um passo novo para o 3030 nesse que é seu décimo trabalho. A vontade de fazer algo diferente acabou remetendo ao movimento cultural que causou numa época em que usar uma guitarra elétrica rendia passeatas. Ao incorporar mais beats eletrônicos aos instrumentos orgânicos que sempre foram referência no seu som, o grupo faz uma provocação motivada pela mesma vontade de misturar, somar, miscigenar musicalmente. Não por acaso, a inspiração para o disco partiu de uma viagem a Los Angeles, onde a banda foi para gravar “Love So Strong” com os irmãos Quino McWhinney e James McWhinney
Em 11 faixas, Rod, Lk e Bruno Chelles receberam os convidados Big Mountain, o pop de Lary e os rappers Luccas Carlos, Bhaskar e Rodrigo Cartier em meio as letras sobre positividade, espiritualidade, amor, universalidade e questões sociais. “Gato Preto” e “FreaK MoDe” trazem a produção americana do HitBoy e do rapper FKi 1st. “Cuidar de Mim” juntou as rimas de Rod com as de Nano e ainda conta com Chico Brown, filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque, no teclado.
Esse espírito coletivo fica evidente na capa do disco, que faz uma colagem dos próprios integrantes, convidados, inspirações e mais, em uma clara homenagem a Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Embora tenha um pezinho no passado, Tropicalia pretende ser um disco moderno e alinhado a uma gama de tendências do hip hop atual. Falamos com Bruno Chelles sobre esse momento do 3030.
Leia logo abaixo.
TMDQA!: Oi Bruno, obrigada por falar com a gente. Quero falar sobre o disco, começando pela capa, que é uma referência ao Sgt. Pepper’s, tem inclusive um de vocês vestindo uma camiseta com a capa do Sgt. Pepper’s na foto. Acho que uma referência mais óbvia seria tentar recriar a capa do “Tropicalia ou Panis et Circencis”, que também é muito icônica. Por que vocês optaram por esse caminho na capa?
Bruno Chelles: Na verdade, o que a gente tentou fazer foi a referência da referência, porque vimos que a capa do Tropicalia foi inspirada na capa dos Beatles. Como a gente já tinha usado o nome no título do disco em si, pensamos em tentar recriar a capa dos Beatles, que a gente também tem como grande influência. Eu, pelo menos, sempre ouvi muito, então fizemos essa homenagem também.
TMDQA!: Tem algum easter egg, alguma referência mais obscura na na capa?
Bruno: O que a gente quis fazer foi colocar aqui coisas com que nos identificamos. Por isso tem capoeira, que é algo que eu gosto muito, a gente tirou foto jogando futebol… E o que mais? Ah, tem a baiana, porque eu morei muitos anos na Bahia. Sou praticamente baiano, nós três já moramos um tempo na Bahia. Tem o Bob Marley ali escondidinho, o sanfoneiro, por isso tem o Dominguinhos… E tem a gente repetido, com várias roupas diferentes, segurando disco, tipo o do Jorge Ben… Enfim, a gente quis fazer essa brincadeira.
TMDQA!: Fiquei tentando reconhecer todo mundo na capa e lembrei que vocês chamaram vários convidados pra esse disco. Como montaram esse time de feats?
Bruno: Foi um processo natural mesmo. Resolvemos fazer “Mapa Astral” com a Lary, e o resultado ficou tão legal que a gente resolveu colocar pro disco. Tem o Nano, que é um amigo nosso que é compositor e tá começando um trabalho agora. E a música, como surpreendeu e ficou boa, a gente optou incluir também. Agora, o HitBoy é um produtor americano e a gente foi pra lá pra gravar com ele já pensando nesse disco mesmo. É um super produtor, que já gravou com Drake, Beyoncé e Travis Scott, então foi uma oportunidade muito legal e fomos pensando já no disco. As outras vieram todas de colaborações espontâneas mesmo.
TMDQA!: Essa questão visual é claramente importante pra vocês, até pelo canal ter passado de 1 milhão de assinantes. E vi que vai ter um clipe por semana. Hoje em dia, de uma semana pra outra, um disco já fica “velho” porque tem uma série de lançamentos na próxima sexta. Essa foi uma forma que vocês encontraram de manter as pessoas ouvindo e sempre voltando no disco?
Bruno: Eu acho que sim, com certeza. A gente vai trabalhar o disco com vários clipes. É uma forma até das pessoas que não ouviram tomarem conhecimento do álbum. Porque como ele tem muitas faixas, e nós estamos na era do single, das pessoas consumirem tudo mais fragmentado, o vídeo é uma forma de chamar atenção pra algumas músicas. Mas a gente gosta de ter um projeto inteiro e contar uma história com o disco. E o clipe é realmente uma forma de reavivar a música e chegar em outras pessoas que não conhecem ainda.
TMDQA!: Vocês planejam clipes pra todas as músicas?
Bruno: Todas não, mas algumas já tem clipes prontos. E pretendemos fazer alguns vídeos acústicos também, vai ter bastante coisa legal.
TMDQA!: Vocês chamaram o disco de Tropicalia, mas li que a inspiração inicial pra esse trabalho aconteceu em Los Angeles. Como que a Califórnia fez brotar essa faísca de música brasileira, que sempre esteve presente no som de vocês?
Bruno: A Tropicalia foi uma revolução na música brasileira. Eles trouxeram elementos de fora, que a galera não gostava, torciam o nariz contra a guitarra, fizeram até uma passeata por causa disso na época. Eles queriam incluir elementos de fora, do pop, outras culturas na música brasileira. A gente sempre teve essa parada de misturar música brasileira com rap, fizemos vários acústicos. Nesse disco, resolvemos incluir, de certa forma, o que a Tropicalia incluiu. A gente virou o olhar mais pra fora do que pra dentro do Brasil. Incluímos o autotune na voz, por exemplo, que é um elemento recente que muita gente não gosta, mas é uma realidade na música pop hoje em dia.
TMDQA!: Vocês têm uma ligação forte com o rap acústico, por terem sido precursores dele aqui no Brasil. Mas esse disco tem uma pegada mais pop, trap. Era intenção de vocês fazer algo diferente, que fosse completamente novo na discografia da banda?
Bruno: A gente acha que como artista, precisamos nos renovar, nos reinventar. É muito importante pra nós, enquanto pessoas, pra não ficarmos fazendo mais do mesmo, e também pro público que nos acompanha. Chega uma hora que nem a gente aguenta fazer a mesma coisa sempre (risos). Amamos fazer rap acústico, não vamos parar nunca. Mas também temos um outro lado, e pensamos: por que não explorar isso? A gente lançou três discos numa pegada mais espiritual, com mais instrumentos. Agora queríamos algo mais pop, tanto nos temas quanto no estilo musical. Tem faixas com mais instrumental ainda, mas o nosso foco era fazer algo diferente.
TMDQA!: Eu vi que vocês estão começando a turnê e já tem show em várias regiões. Quais são os planos agora com o Tropicalia?
Bruno: É isso, trabalhar o disco, lançar mais clipes, versões acústicas… E já temos um disco novo sendo feito, porque não paramos nunca. Estamos o tempo todo no estúdio criando. Podem esperar várias novidades!