Entrevistas

"O Palco Sunset do Rock In Rio é meu posicionamento," diz Zé Ricardo

Em entrevista exclusiva para o TMDQA!, o curador do Palco Sunset no festival Rock In Rio, Zé Ricardo, se emocionou ao falar de Elza Soares e Cássia Eller.

Zé Ricardo
Foto por Marcos Hermes

Foto por Marcos Hermes

Zé Ricardo tem seu nome intimamente atrelado à organização do festival Rock In Rio.

Há alguns anos o cara é o idealizador do Palco Sunset, que nasceu com o intuito de celebrar encontros inusitados da música e deu muito certo, tendo feito história com uma série de shows como os de Zé Ramalho com Sepultura, Lenine com Nação Zumbi, Angra com Dee Snider e Doro Pesch, Marky Ramone com Michale Graves e uma homenagem sensacional à saudosa Cássia Eller.

Muito mais do que um “palco alternativo”, o Palco Sunset ganhou a importância do palco principal ao apresentar shows únicos e históricos, além de também incorporar apresentações solo de atrações internacionais como KoRn, The Offspring e Deftones.

Zé Ricardo, Palco Sunset e Rio2C

Além de realizar a curadoria do Palco Sunset no Rock In Rio, Zé Ricardo também é o responsável pela parte musical da Rio2C, conferência que nasceu no audiovisual e há duas edições incorporou a música à sua programação.

Foi justamente na edição de 2019 do evento que tivemos a oportunidade de conversar com Zé Ricardo no intervalo entre um showcase e outro, e percebemos claramente como o também músico tem paixão pelo que faz.

Em dois momentos da conversa seus olhos ficaram marejados e Zé se emocionou ao falar tanto da homenagem à incrível Elza Soares que havia arquitetado para a Rio2C quanto do Palco Sunset, que faz com “muito amor, muito carinho e muita verdade”.

Você pode ler a nossa conversa com ele logo abaixo:

TMDQA!: A gente tá aqui na Rio2C, mais um projeto, mais um viés nessa tua carreira com um monte de coisa que você tá fazendo, principalmente pra mostrar uma nova galera pra um monte de gente que não conhece, né? Como é teu envolvimento na Rio2C, que começou a parte de música no ano passado, e de onde vêm as inspirações para trazer tantas palestras, painéis e as bandas que tocam aqui?

Zé Ricardo: Eu sou curador de música do Rio2C e sou muito honrado de estar nesse cargo porque eu acho o Rio2C um evento extremamente importante pra atual conjuntura do país que a gente tá vivendo e pro Rio de Janeiro.

A gente tem a oportunidade não só de trazer artistas pra tocar mas também debater sobre música, direito autoral, música na América Latina, legalização de shows. Acho que a inspiração vem do fato de ser artista e do fato de ver a quantidade de lacunas que a gente tem no nosso mercado e como a gente precisa nos fortalecer enquanto artistas, enquanto músicos, pra esse mercado. Como a gente precisa fortalecer o mercado em si.

Eu acho que o audiovisual, por exemplo, foi onde eu me inspirei pra criar o projeto de música pro Rio2C, porque o Rafael Lazarini [criador e CEO do evento] me convidou e teve uma confiança muito grande me dando um papel em branco para criar a Música no Rio2C.

E eu quis seguir o modelo do audiovisual que é um modelo de muito sucesso. O pitching foi criado pela Carla Esmeralda, então eu tentei fazer um pitching de música pra gente ter essa unidade no evento.

E também os painéis têm a proposta de falar do que o mercado precisa. Do que nós estamos necessitando falar. Do que o Brasil não conhece. Não pra que os artistas venham aqui pra vender os seus próprios projetos ou suas empresas, mas pra sim falar das coisas que nós precisamos falar. Como nós podemos fazer esse mercado ficar mais robusto, com mais consistência.

A inspiração vem de uma necessidade de ampliar o conhecimento do nosso mercado de uma maneira que o público possa desfrutar melhor do que a gente tem pra oferecer.

TMDQA!: E é legal que você fala isso de aproveitar porque me parece que a gente está vivendo um momento mesmo que casou com tudo que a gente tá vendo aqui na Conferência no sentido de que as marcas terão um papel fundamental pra fazer esse mercado ficar mais robusto e elas estão querendo participar e fazer. A gente viu vários representantes de marcas falando aqui que foram atrás dos artistas porque confiavam em seus trabalhos. E às vezes esse lance de misturar a arte com o negócio é visto pelo artista com maus olhos. Como você enxerga isso no sentido das bandas entenderem que faz parte do processo e de que muitas vezes é o principal caminho pra elas darem certo: se aliando a quem quer te ajudar.

Zé Ricardo: Eu acho, Tony, que as marcas estão muito mais preparadas hoje pra fazer esse tipo de relacionamento e os artistas também. Antigamente existia uma necessidade da marca interferir no trabalho do artista ou dizer o que o artista tinha que fazer e isso faz com que o artista se retraia.

E o artista esperava que a marca viesse impor, exigir, transformá-lo em alguma coisa que ele não é. Hoje a marca está entendendo que ela tem que se associar a um artista que tenha ligação com o DNA dela e o artista a mesma coisa. Se você não gosta de cerveja, se você acha cerveja ruim pra saúde, não adianta se associar a uma marca de cerveja. Você tem que encontrar marcas que possam se identificar com o seu DNA.

E eu acho o papel das marcas fundamental no fomento da nossa indústria da música. As marcas que têm um DNA ligado à música estão percebendo que elas precisam respeitar a história do artista e ser um veículo para impulsionar carreiras. Eu acho muito importante quando a marca consegue impulsionar a carreira de o artista. E o artista, através do seu trabalho, consegue trazer credibilidade pra marca.

Eu acho fundamental essa fusão e eu acho que nós precisamos cada vez mais ter marcas conectadas a artistas do jeito certo, e não como era feito há muitos anos do jeito errado. Eu acho que o caminho tá andando muito pra isso e essas discussões no Rio2C são muito importantes pra isso.

https://www.youtube.com/watch?v=6MeLMvj7NPI

TMDQA!: Como você acha que esses encontros no formato de painel e de palestra por exemplo podem ter mais apelo pro artista e como você trabalha na hora de fazer a curadoria pro evento pra fazer com que o artista também exercite o lado empreendedor, que me parece ser uma barreira que muitos músicos têm?

Zé Ricardo: A minha grande dificuldade de montar os painéis, principalmente do ano passado, já que esse ano foi um pouco mais fácil mas ainda está longe de chegar onde eu quero, é que músico não tem o costume de falar.

A Carla Esmeralda, que é a nossa curadora geral, foi difícil de explicar isso pra ela porque o audiovisual é tão organizado, as pessoas falam, tem palestra, tem keynotes prontos e a música ninguém tem. Você não tem artista que tem um keynote, um ou dois… Não tem artista que está acostumado a falar em painel.

Até porque não existe esse costume, e eu acho que o Rio2C faz essa provocação. Então ontem eu trouxe o Rael aqui e foi a primeira vez que ele participou de um painel em um evento desse tipo. E é um cara cheio de coisas pra dizer. Então a gente espera “educar” o mercado da música sobre a necessidade de falar. E também os empresários e os artistas estarem preparados pra falar, e não apenas em entrevistas, mas tendo um alinhamento de discurso sobre a sua obra, sobre seu posicionamento do mercado…

O que a gente tem de mais importante hoje é a possibilidade de discutir música. Eu acho que essa “educação” pro artista vai ser fundamental. Essa formação de um “novo palco” onde ele possa falar coisas não só que sejam da sua música, mas também coisas da música dos outros.

Eu vou te dar um exemplo: nós fizemos um painel sobre o Rock In Rio e trouxemos a diretora de marketing, a diretora de ticketing e a diretora comercial, e o Tico Santa Cruz, que é nosso artista, tava lá no painel e foi por conta própria, eu nem convidei porque ele falou “Zé, eu queria ouvir mais do outro lado.” Eu fiquei tão feliz! Porque é isso que eu quero provocar.

Po, cara, o dono do SXSW tá aqui! Eu quero ouvir esse cara falar porque eu quero entender mais do festival. Artistas, empresários, músicos, técnicos de som. Eu quero criar um mercado de interesse comum aqui no Rio2C. Ainda é um sonho, mas todo sonho começa em algum lugar.

TMDQA!: Que é o que já acontece no audiovisual e no mundo dos games, por exemplo. Eu ia te perguntar sobre o futuro mas você já deu uma pista então. Já tem até data pra 2020 né?

Zé Ricardo: Sim, a ideia é continuar criando painéis, criando e proporcionando discussões interessantes, abrindo novas possibilidades…

TMDQA!: Você acha que a Música dentro do Rio2C vai crescer ou você vê que o porte tá legal e que você precisa de repente abordá-la de um jeito diferente?

Zé Ricardo: Eu acho que a Música vai crescer junto com o festival, né? O SXSW por exemplo começou no Texas em um lugar e foi se ramificando pela cidade toda, ganhando vários lugares, vários outros bares. Eu acho que a Música na Rio2C vai crescer muito assim como o Audiovisual, como a parte de Inovação… Acho que o BrainSpace vai ser um super sucesso e a Música tem muitas portas pra abrir, né?

Tem a porta da Trilha Sonora, a porta da experiência conjunta com um workshop tocado… reunir artistas pra criar junto com o público aqui. Eu tenho algumas ideias onde eu posso expandir a música, né?

Acho que o número de bandas aqui nos showcases vai aumentar. Eu vou ter que encontrar novas maneiras e pessoas que possam me ajudar nessa curadoria que ainda é solitária na seleção desses 19 artistas. Eu fiz uma imersão de 20 dias ouvindo 600 artistas pra poder selecionar e chegar nesse recorte de diferentes estilos, de diferentes estados do Brasil, o que é importante, e eu acho que vou ter que ampliar essas pessoas pra me ajudar a escolher.

Enfim, eu vejo muitas portas para abrir na música ainda e acho que junto com o evento ela vai pra um outro lugar. E eu espero com isso que a gente tenha um mercado sólido onde a gente não dependa tanto da política pública pra viver. Onde a gente dependa dos nossos próprios ingressos, que seja um mercado mais autossustentável, cada vez mais.

Quando a gente discute e chega em um senso comum, a gente vai além, e é isso que eu espero do Rio2C.

TMDQA!: E só pra finalizar o tema Rio2C e falar sobre coisas incríveis que vocês trouxeram. Tivemos o fundador do SXSW, um painel incrível com a Elza Soares sobre o livro dela, o painel do Hip Hop que uniu o Marcelo D2 com uma geração nova de rappers e mais. Como você olha pra esses nomes que colocou aqui e como se vê satisfeito com o resultado final quando pensa se tudo saiu do jeito que queria, relembra o período de criação e olha pra trás?

Zé Ricardo: Às vezes a minha resposta não é técnica porque eu sou uma pessoa muito “coração”. O meu trabalho tem técnica mas ele tem coração do mesmo jeito, então quando eu vi a Elza Soares receber o prêmio, chegar no camarim, me dar um abraço e chorar… Quando eu vi o comentário que eu vi que ela deixou pra mim no Instagram, e chorar, eu chorei, então quer dizer, eu falo e fico emocionado porque eu me sinto muito orgulhoso. Eu faço isso com muito amor, muita seriedade (nesse momento Zé Ricardo claramente se emociona), faço isso com muita humildade, sem marra. Tento atender todo mundo mesmo me virando em mil, porque enquanto eu estou fazendo o Rio2C eu também estou fazendo o Rock In Rio aqui do meu telefone, o tempo inteiro.

Então, é uma gratificação muito grande ver aquele público em pé batendo palmas pra Elza Soares. Porque a gente tem que homenagear as pessoas em vida. Não adianta fazer homenagem depois que está morto, a gente tem que fazer homenagem em vida!

TMDQA!: E nem é só uma questão exclusivamente de homenagear, né? Uma pessoa como a Elza Soares tem muito pra falar pra gente…

Zé Ricardo: E tem outra coisa. Eu fiz uma homenagem pra Cássia Eller no Rock In Rio retrasado porque eu percebi que uma nova geração não sabia quem era Cássia Eller. E a Cássia era minha amiga. Como é que a gente vai falar pra uma geração quem é a Cássia Eller? Bota um show, explica, mostra as músicas e a importância dela como intérprete pro Brasil.

Eu acredito muito na função da gente provocar, revelar e apresentar. Essas são as bases da minha curadoria em tudo que eu faço. Fazer uma provocação, né? Você quer saber meu posicionamento político? Olha a grade completa do Palco Sunset e você vai entender o que eu penso. É isso. O meu trabalho fala. Eu me decidi me posicionar politicamente através do meu trabalho.

TMDQA!: Maravilhoso isso. Eu até ia falar isso porque muitas das críticas que o Rock In Rio recebe é por apostar no que é batido, com comentários como “Ah porque o Metallica voltou pela vigésima vez” ou “Essa banda de novo?” e agora você falando isso me explica muito mais uma coisa que eu ia te perguntar que é sobre o line-up desse ano. Pra mim é o mais interessante dos últimos anos, disparado, e o Palco Sunset, nesse lance de fazer os encontros e as parcerias, terá atrações que me surpreenderam demais no sentido de perceber como é legal um festival do tamanho do Rock In Rio estar olhando pra esse mundo e esses nomes. A minha pergunta seria no sentido de perguntar como você chegou nesses artistas, mas me parece que você já explicou boa parte com isso: você está olhando o movimento social que está acontecendo no Brasil, com esse turbilhão que a gente tá passando, e artístico também. Há muito tempo a gente não vivia um momento tão bom na música brasileira como esse que vivemos agora e muito em função de tudo que está acontecendo. Então, assim, como foi montar essa grade do Palco Sunset e torná-la tão interessante quanto o Palco Mundo? Pra mim o Rock In Rio não tem “Palco Principal” e “Palco Secundário” há muito tempo, mas me parece que não é nenhum absurdo a pessoa ficar em dúvida sobre ficar em um ou em outro por conta da programação do Sunset.

Zé Ricardo: Olha, Tony, pro Rock In Rio também não existe isso de “Palco Principal”. E não é uma coisa que eu to dizendo porque eu faço o Sunset, isso é um conceito do Roberto Medina.

A gente tem artistas no Sunset que tocam no Mundo e tocam no Sunset. Tirando os headliners do Palco Mundo, os outros podem estar em qualquer lugar e estar fazendo o Palco Sunset é uma responsabilidade muito grande. Quando a gente coloca BaianaSystem e Titica, a gente tá colocando as pessoas pra pensar. Quando a gente coloca Karol Conká, Linn da Quebrada e Glória Groove, a gente tá colocando as pessoas pra pensar. Ninguém precisa levantar bandeira ou falar nada, já tá ali. Pra milhares de pessoas no festival e pra milhões de pessoas assistindo ao vivo à transmissão em casa. Então, o Rock In Rio tem uma preocupação em ser um todo muito forte. O Palco Sunset completa o Palco Mundo, que completa o Palco Sunset, que completa a Rock Street, não existe uma vaidade de “ah, meu palco é melhor”. Cada um escolhe, é que nem um disco. Você tem uma preferida, eu tenho uma preferida, os curadores dos outros palcos têm suas preferidas, mas o todo do disco é o importante. Então eu vejo o Rock In Rio como um grande todo.

O Sunset tem a função provocadora. A obrigação do Sunset é que você saia de lá com seu universo ampliado. E ao longo do tempo eu fui “educando” as pessoas, no bom sentido, pra que elas venham, cheguem mais cedo, possam desfrutar o trabalho. Às vezes a gente já tá lotado na primeira banda que abre. E os artistas internacionais estão cada vez mais loucos pra virem tocar no Sunset!

Porque é intimista, porque tem um foco no público alvo deles, porque é um palco para fãs. É um palco que as pessoas chegam lá e sabem o nome da música, quem tocou, a hora, o dia, a cueca do artista, é foda!

TMDQA!: Eu acho legal que é o intimista entre aspas, né? Porque é um puta festival…

Zé Ricardo: É! É muito bom você poder fazer Mateus Aleluia pra 30 mil pessoas. E falar assim, “ó, Mateus Aleluia sim!” E as pessoas que não têm a menor noção de quem é Mateus Aleluia estão lá pra ver Mateus Aleluia!

A gente tem a nossa obrigação de dar 20% do que o povo quer e 80% do que ele precisa. A gente tem que dar o que ele não quer, o que ele não sabe que quer. Quantas vezes eu saí de lá e as pessoas passaram a me agradecer na rua, no supermercado, às vezes eu estou com meu filho no colégio aí vem uma pessoa e fala “obrigado por me apresentar tal artista!”

Isso é de uma riqueza pra um produtor… Eu sou muito agradecido. Vou contar pra resumir o que é meu trabalho. Em 2015 eu fiz um show em homenagem ao Samba. Aí levei Monarco, Alcione e botei como headliner do Palco no primeiro dia de Rock In Rio. E você faz coisas às vezes em um festival como esse, com muita coragem, muito amor e muita vontade mas são apostas que você faz. E aí no primeiro dia de Rock In Rio eu tava sentado com a Aline e a Karine, a Aline é meu braço direito no Rock In Rio e a Karine faz todos os camarins do Rock In Rio pra mim. Ela colou no lado da minha mesa e quando chegou no “Salve o Samba”, Tony, me deu uma vontade de chorar. Porque eu falei, “cara, primeiro dia do Rock In Rio e meu headliner é um Show de Samba”. Aí eu liguei pro Roberto Medina, eu liguei meio chorando e falei “Roberto, você é muito louco cara, você é um cara muito maluco, eu to fazendo um show de samba no teu festival”. Aí ele falou “Ô garoto, bom festival pra você! Sei que tá muito em boas mãos!” E eu falei “Obrigado, muito obrigado! Eu to trazendo o Monarco da Portela pro Rock In Rio”. E ele “É isso mesmo, garoto!” Ele é um dos caras que mais me incentiva.

É isso, o Palco Sunset é isso. É ligar pro cara e falar “caralho, bicho, brigado! Cê tá me deixando fazer um show de samba”. E aí o Monarco entra no Rock In Rio e a plateia toda faz barulho. Aí eu vou lá pra Caruaru, buscar a Orquestra de pífanos de Caruaru, e trago ela pra fazer parte do Grande Encontro, e não é porque é “exótico”, é porque o público precisa entender de onde esses caras vieram. Elba Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo. Aí você bota seis caras com chapéu de lampião e zabumba no Rock In Rio, eles entram e as pessoas vão à loucura. Aí eu falo “foda-se!!!”. Eu tenho uma responsabilidade (mais uma vez emocionado ao falar sobre o trabalho). Eu tenho que fazer isso.