De uns tempos para cá, espectadores de todo o mundo têm demonstrado certo apego por anti-heróis na ficção. Às vezes, os próprios vilões se tornam atraentes por causa dos seus discursos sedutores, o que explica a hype gigante em torno do novo filme do Coringa, por exemplo.
Mas de onde vem esse fascínio? Quando foi que deixamos de gostar das histórias tradicionais, da jornada do herói acontecendo redondinha, dos protagonistas praticamente imaculados e cultuados onde quer que fossem?
Freud explica
Esse negócio de simpatizar com o lado “errado” não é tão recente assim. Existem vilões que são cultuados como ícones da cultura pop há décadas, como Darth Vader e alguns mafiosos em filmes dos anos 70 e 80. Parte dessa atração pode ser explicada pela psicanálise.
Para Sigmund Freud, a personalidade humana seria dividida em três partes diferentes:
- o id seria o lado dos impulsos primitivos, as paixões, a libido, a agressividade, etc;
- o ego, que surgiria a partir da interação com a realidade, adequando os instintos ao ambiente em que se está inserido; e
- o superego, que seria formado a partir dos valores da sociedade, atuando de forma repressora para que o indivíduo aja sempre de maneira moral, mesmo que irracional.
Resumindo: os instintos primitivos são o id, o ego tenta equilibrar esses ímpetos e superego é o conflito com o id, criando uma culpa pelas ações impulsivas.
Os vilões da ficção representam a ausência do superego. Caras como o Coringa agem sem o menor sentimento de autoinibição por causa de amarras sociais. O id comanda e o ego tentaria harmonizar os desejos mais viscerais, com a supervisão repressora do superego… mas este não existe.
Aí entra um dos principais motivos para gostarmos de vilões no cinema: eles mostram nas telas características que todos nós temos e tentamos constantemente esconder. Todos guardamos sensações bárbaras para nós mesmos, mas, quando vemos a externalização delas em outras pessoas, tendemos a criar um certo nível de conexão.
Jung também explica
Outro que ajuda a compreender o motivo de os espectadores simpatizarem com quem não deveriam é Carl Jung. O conceito importante para entender essa relação é o inconsciente coletivo. Resumindo de forma bem leiga, ele seria um conjunto de traços da personalidade que não estão ligados a experiências pessoais, mas, sim, coletivas e contém uma série de arquétipos.
Os arquétipos, por sua vez, são características observáveis por meio do comportamento do indivíduo e das suas interações com o mundo externo.
Quanto mais o vilão entra nessa consciência coletiva, mais consegue se conectar com o público em níveis mais profundos. Isso não significa, porém, que os heróis têm perdido importância, uma vez que eles também entram nesse inconsciente coletivo.
Todo mundo têm um pouco de herói e um pouco de vilão (exemplos dos tais arquétipos), então é normal essa identificação variar de acordo com a história, com a época, etc.
Vilões também são gente
A audiência também evoluiu ao longo das décadas, exigindo mais do que o velho maniqueísmo bem x mal. A bidimensionalidade das histórias contadas até meados do século XX passou a dar lugar a vilões que tinham que justificar os seus comportamentos, como em Blade Runner. O antagonista Roy Batty agia por vingança, mas com base em críticas sociais bastante válidas contra o sistema – mesmo se tratando de uma realidade fictícia. Isso era muito novo na época.
Com isso, o espectador passou a ver até alguma razão nas ações de determinados vilões (Killmonger manda um abraço). Os heróis já seguiam um código de conduta naturalizado por décadas de histórias similares entre si, mas a identificação com o propósito dos vilões virou uma novidade.
Além disso, os vilões têm uma evidente importância narrativa. Mesmo quem tende a gostar mais dos heróis acaba sendo influenciado pelos antagonistas, uma vez que são eles que fazem com que os protagonistas fiquem motivados.
Então, se você tem esse desejo de ver o circo pegar fogo torcendo para o vilão, pode ficar tranquilo. Está mais do que justificado. Pode até colocar a culpa na psique humana, ninguém pode te julgar.