O ano de 1985 foi bastante importante para a música mundial e, principalmente nos Estados Unidos, era uma espécie de ponto de mudança entre as coisas que vinham acontecendo.
Gêneros como Rock And Roll e Hip Hop ganharam força e o primeiro acabou explodindo nos anos seguintes com movimentos como o Grunge no início da década de 90 e o Punk Rock um pouco mais pra frente.
Muito da revolta desses estilos musicais veio por conta de um governo extremamente conservador liderado pelo presidente Ronald Reagan, ex-ator e ex-governador da Califórnia que ficou no posto máximo do país entre 1981 e 1989.
Visto como uma espécie de símbolo da “moral e dos bons costumes”, Reagan fazia de tudo para garantir que a população dos Estados Unidos acreditasse que ele “endireitaria” a juventude do país seguindo seus princípios e pintando a esquerda, principalmente o comunismo, como um falido “Império do Mal”.
Com esse discurso ele se elegeu duas vezes e se, de um lado colocou o conservadorismo em alta no país mais influente do mundo, de outro fez com que um movimento contrário surgisse com força através da arte, principalmente.
Hoje nós vamos falar aqui sobre uma das iniciativas que mais impactou o mundo da música através da censura na época, o PMRC (Parents Music Resource Center).
PMRC e a Censura na Música
O “Centro de Recursos Musicais para os Pais” foi criado por quatro mulheres que ficaram conhecidas como “as esposas de Washington”, já que eram todas casadas com figuras importantes da capital do país.
A primeira delas era Tipper Gore, companheira de Al Gore, então senador e depois Vice-Presidente de Bill Clinton, acompanhada de Susan Baker, esposa do Secretário do Tesouro James Baker, Pam Howar, esposa do corretor Raymond Howar e Sally Nevius, esposa de John Nevius, presidente da Câmara Distrital do distrito de Columbia, onde fica a capital dos EUA.
A ideia era fazer como no cinema e criar categorias para enquadrar canções, discos e clipes lançados nos Estados Unidos, dizendo ao público se ali havia palavrões, insinuações sexuais, violência e coisas do tipo.
Para tanto, o PMRC criou alguns métodos bastante controversos.
Lista: “As 15 Obscenas”
Uma das ações do comitê foi criar uma lista com 15 músicas que considerava “obscenas”, ou “sujas”, por motivos diferentes.
A lista contava com canções que iam do Rock ao Pop e tinha:
- Prince – “Darling Nikki” – Motivo: Sexo / Masturbação
- Sheena Easton – “Sugar Walls” – Motivo: Sexo
- Judas Priest – “Eat Me Alive” – Motivo: Sexo / Violência
- Vanity – “Strap On ‘Robbie Baby” – Motivo: Sexo
- Mötley Crue – “Bastard” – Motivo: Violência / Linguajar
- AC/DC – “Let Me Put My Love Into You” – Motivo: Sexo
- Twisted Sister – “We’re Not Gonna Take It” – Motivo: Violência
- Madonna – “Dress You Up” – Motivo: Sexo
- W.A.S.P. – “Animal (Fuck Like a Beast”) – Motivo: Sexo / Linguajar / Violência
- Def Leppard – “High ‘n’ Dry (Saturday Night)” – Motivo: Abuso de Drogas e Álcool
- Mercyful Fate – “Into the Coven” – Motivo: Ocultismo
- Black Sabbath – “Trashed” – Motivo: Abuso de Drogas e Álcool
- Mary Jane Girls – “In My House” – Motivo: Sexo
- Venom – “Possessed” – Motivo: Ocultismo
- Cyndi Lauper – “She Bop” – Motivo: Sexo / Masturbação
Selo “Parental Advisory”
Também foi ideia do PMRC, após uma série de encontros e depoimentos de pessoas a favor e contra o controle do governo em relação à música (Frank Zappa foi ouvido e fez duras críticas ao que chamou de censura), criar o famigerado adesivo PARENTAL ADVISORY, ou algo como AVISO AOS PAIS.
O objetivo aqui era colocar o selo na capa de todos os discos que tivessem material considerado inapropriado para menores, deixando claro aos pais que ali estariam palavrões, obscenidades, sexo e outras coisas que o comitê entendia como impróprias.
O selo visto em inúmeros discos causou as mais diversas reações, e se em um primeiro momento locais como o Wal-Mart se recusaram a vender discos que o traziam, foi questão de pouco tempo até a molecada se ligar que se o disco tinha o selo “Parental Advisory”, provavelmente teria material que o interessaria.
No famoso estilo “proibido é mais gostoso”, a marcação começou a impulsionar as vendas dos álbuns “proibidos” e o rapper Ice-T chegou até a comentar o assunto na canção “Freedom Of Speech”, quando disse:
Hey, PMRC, seus idiotas de merda
O adesivo é o que faz o álbum chegar a Disco de Ouro
Vocês não enxergam, seus alcoólatras imbecis
Quanto mais vocês tentam nos calar, maiores ficamos
A banda punk Furnaceface chegou até a lançar uma música chamada “I Love You, Tipper Gore”, mostrando seu “amor” pela idealizadora do PMRC, já que seu disco havia sido classificado com o adesivo e vendido bem por causa disso.
Reações
As reações, é claro, não pararam por aí, e inúmeros artistas e bandas criticaram a decisão, vendo tudo como um grande projeto de censura.
Em 1987 a banda de hardcore NOFX lançou um EP chamado The PMRC Can Suck On This, ou algo como “O PMRC Pode Chupar Isso Aqui”, e em 1988 Danzig lançou um dos seus maiores hits, “Mother”, dizendo:
Mãe / Diga a seus filhos para não andarem pelo meu caminho / Diga a seus filhos para não ouvir as minhas palavras / O que elas significam, o que elas dizem, mãe
No mesmo ano o Megadeth lançou uma música sobre o assunto chamada “Hook In Mouth” e o clássico Goo (1990), do Sonic Youth, trazia a frase “SMASH THE PMRC” ou “DETONE O PMRC” no encarte.
Rage Against The Machine
O mais notável e importante protesto, porém, veio com a banda Rage Against The Machine.
Em 1993, durante uma das paradas do festival Lollapalooza (que era itinerante), os quatro integrantes da banda subiram ao palco nus, cada um com uma letra de “PMRC” estampada no próprio corpo.
Ao invés de tocarem suas canções, os caras ficaram lá por cerca de 20 minutos com guitarra e baixo virados para os amplificadores, causando um baita barulho de feedback e deixando todo mundo revoltado.
Hoje em Dia
O PMRC foi extinto ao final dos Anos 90 mas o selo ficou, ainda que apareça em diferentes formatos, como na contra-capa de um álbum, ou como um detalhe minúsculo em uma já pequena capa de disco nos serviços de streaming.
Se você olhar para a capa de American Idiot, do Green Day, por exemplo, terá que se atentar a uma área bem pequena do player do Spotify para encontrá-lo.
A solução mais comum dessas plataformas, inclusive, é colocar uma marcação de “explícito” ao lado das canções que tenham palavrões e similares.
Antes de finalizar, vale lembrar que entre 1993 e 2001, Tipper Gore foi segunda-dama dos EUA já que seu marido, Al Gore, era o vice-presidente do país.
Na campanha para as eleições, o casal Gore se colocou como representante dos jovens, o que acabou irritando muita gente envolvida no Punk Rock, Heavy Metal e Hip Hop, já que eles haviam acabado de censurar boa parte dos seus lançamentos.
Política, não é mesmo?