"Um colapso cada vez mais real": conversamos com Salma Jô (Carne Doce) sobre a inédita "Temporal"

A banda Carne Doce deu a primeira prévia de seu novo disco de estúdio com a imersiva "Temporal". Venha conferir o sensacional videoclipe.

Carne Doce
Foto: Rogério Watanabe

Os estudos sobre o fenômeno do êxodo rural não datam de hoje. Desde que se concretizou a possibilidade de uma “vida melhor” nas grandes metrópoles, pessoas que viviam em áreas rurais passaram a se dedicar a mudar para sempre suas vidas.

Vemos isso até hoje, e talvez em uma situação cada vez mais discrepante. De acordo com o Censo 2010, a população urbana representa 84,4% do Brasil, enquanto a rural é de 15,6%. A tendência, especialmente em uma sociedade com cada vez maior necessidade de conexão, é que a diferença se torne cada vez maior. O próprio IBGE, visto essa urgência, tem analisado novas propostas de classificação para áreas urbanas e rurais.

Mas ainda existem aqueles que “resistem” em territórios considerados rurais. A comunidade de Paulistas, região do estado de Goiás, é um desses lugares, e ganhou maior evidência após o lançamento de um documentário que leva o nome da região. Com direção de Daniel Nolasco, o filme de 2017 foca na diferença entre rural e urbano, mirando principalmente na história de três irmãos que se mudam para a cidade goiana de Catalão.

Imagens do mesmo documentário, em uma nova edição, ilustram o mais novo clipe da banda goiana Carne Doce. Enriquecendo ainda mais o contexto da faixa inédita “Temporal“, disponibilizada na última sexta (17), o clipe mostra o poder da tradição, uma espécie de retorno às nossas raízes com a terra.

 

“Necessidade de reconquistar a natureza”

Sobre o novo clipe, tivemos a oportunidade de conversar com Salma Jô, vocalista da Carne Doce, a respeito dos conceitos que permeiam a nova música e também a escolha das imagens da direção da Nolasco para ilustrar o clipe. Por sinal, a cantora ainda nos adiantou alguns detalhes sobre o próximo disco de estúdio da banda, que será lançado este ano.

Confira abaixo o clipe e a entrevista:

TMDQA!: A letra de “Temporal” é muito interessante, ao tratar com ironia o fato de que o ser humano é incapaz de encarar a possibilidade de ter sua existência comprometida. É diferente da temática mais sensual e carnal apresentada em “Tônus”. Qual foi a inspiração para essa composição?

Salma Jô: A gente já tinha falado sobre essa relação do homem com a natureza, sobre o afastamento e a consequente busca por ela. Somos de um estado em que estamos exatamente no meio dessa relação. Temos uma cultura rural muito forte, e sentimos isso o tempo inteiro. É a relação do mato e da extinção da natureza simultaneamente. Vimos também o crescimento da própria cidade, já que era pequena e cresceu rapidamente. Eu sinto que estamos no meio dessa briga e dessa necessidade de reconquistar a natureza. O que fez a gente ir para este tema foi exatamente isso. A gente sempre olhou para isso. Temos essa preocupação, porque aparentemente o risco de um colapso é cada vez mais real.

TMDQA!: Agora falando mais especificamente do clipe, o que os levou a utilizarem justamente cenas do documentário “Paulistas”? Vocês já tinham em mente quando cogitaram lançar esta música?

Salma: A gente conheceu esse trabalho do Daniel Nolasco. O filme traz o tema do êxodo rural a partir do ponto de vista dessa comunidade chamada Paulistas. Ela está desaparecendo porque os filhos das famílias que vivem lá já saíram da cidade para tentarem a vida em outro lugar. Ele aborda o êxodo rural e também a nossa relação com o meio ambiente, mostrando a crise ambiental em uma comunidade e a falta do pensamento de um desenvolvimento sustentável. Achamos o material muito interessante.

Pegamos as imagens da festa, mas o filme é mais voltado para uma família em especial. Ele traz um personagem que é uma mistura entre um herói roceiro e urbano ao mesmo tempo, em uma relação cada vez mais urbana e mais afastada da tradição, da família. A gente escolheu a festa porque mostra vários personagens. Falamos sobre isso na própria música, de ver a riqueza da natureza.

TMDQA!: As imagens essencialmente rurais das gravações do documentário entram em contraste com a sonoridade. A gente vê as pessoas dançando forró ou sertanejo no filme, mas com a nova edição a galera aparece feliz dançando ao som de “Temporal”. Isso foi pensado? Aliás, o próprio som da Carne Doce é algo dançante, que instiga o movimento.

Salma: Em alguns momentos, sim. A gente teve a felicidade de realmente encaixar. Mas quando eu vejo o clipe, eu imagino eles dançando uma música sertaneja. Compondo este novo disco, a gente se deparou com algumas músicas que pensamos que se parece com uma espécie de “indie sertanejo”. Tem uma pegada mais country, sertaneja e moderna.

 

TMDQA!: Teremos o quarto disco ainda este ano, certo? O que podem adiantar sobre o futuro da Carne Doce?

Salma: O nosso disco deve sair mais para o meio do ano, por volta de Junho ou Julho. A gente ainda vai lançar algumas músicas antes, umas duas ou três. Ao contrário de “Temporal”, o álbum vai ter algumas canções bem pop e mais curtas. Esta é uma música voltada mais para o nosso público do que para tentar alcançar um novo. Não é uma música rápida ou imediata.

TMDQA!: Você vai entendendo a mensagem da letra aos poucos, e o clipe contribuiu com essa interpretação. É uma canção muito imersiva no final das contas.

Salma: São sete minutos de música. Esta vai ser uma das mais imersivas do disco mesmo. Parece até clichê dizer isso, mas sentimos, cada vez mais, que estamos amadurecendo, no sentido de entendermos o que fazemos melhor. Estamos testando e aprimorando.

TMDQA!: É um processo de autoconhecimento para uma banda. Até mesmo com questões pessoais, com visão de vida. Pessoalmente, como você vê sua mudança enquanto artista do início da sua carreira até os dias de hoje?

Salma: Aprendemos a trabalhar melhor em grupo ao longo desse tempo. Entendemos quais qualidades nossas funcionam melhor em grupo. Eu acho que no começo eu era bem ansiosa e desesperada com a maneira pela qual eu ia soar. Isso me fez “atirar para todos os lados”, já que no início não sabemos muito bem quais são os nossos limites e qualidades. Eu era mais egoísta também no início. Hoje eu ouvir melhor a mim mesmo e aos outros. É uma questão de maturidade e de experiência mesmo.

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