Em 2003, Pete Townshend, guitarrista do The Who, viveu um dos momentos mais desesperadores de sua vida. E, segundo ele (e a Justiça), tudo não passou de um mal entendido.
Em preparação à sua autobiografia (Pete Townshend — A Autobiografia, no Brasil), o músico acabou adentrando lugares horríveis na internet. Surfando na deep web, ele procurou por sites de pornografia infantil e uma transação efetuada por Pete fez com que a polícia o rastreasse.
Isso porque o site com o qual ele havia negociado era parte de uma operação policial que já havia detido os verdadeiros donos do portal. Aliás, vale ressaltar que outros grandes nomes como Robert del Naja (Massive Attack) também foram procurados pela mesma investigação — mas foram liberados quando viram que se tratava de cartões de crédito roubados.
De toda forma, Townshend admitiu ter pagado 7 libras para acessar o site, mas afirmou ter cancelado a transação imediatamente. Ele se justificou dizendo que estava apenas “fazendo pesquisa” para seu livro, onde planejava tratar em detalhes a situação de abuso pela qual ele próprio passou. Pete afirmou que, nesse processo, ficou “indignado” com o que encontrou e quis expor este submundo criminoso.
A explicação de Pete Townshend
No dia de sua prisão (13 de Janeiro de 2003), o guitarrista teve que começar a se explicar. E as desculpas eram bem difíceis de engolir:
Eu não sou um pedófilo. Eu estou preparado para ter o HD do meu computador analisado. É importante que a polícia possa se convencer de que, se eu fiz algo ilegal, eu fiz puramente para pesquisa.
Para ser justo, o britânico havia falado no ano anterior sobre as situações de abuso que teria sofrido. Em um texto postado em seu próprio site, intitulado “A Different Bomb” (“Uma Bomba Diferente”), ele revelou que começou a tentar trabalhar a aceitação da possibilidade de que isso tivesse acontecido com ele após uma amiga, que havia sido abusada pelo pai, cometer suicídio.
Mas a situação só piorou alguns dias depois da prisão, em outro pronunciamento. Ele falou:
Eu olhei sites de pornografia infantil talvez três ou quatro vezes no total, as páginas iniciais e as prévias. Mas eu só entrei uma vez usando um cartão de crédito, e eu nunca fiz download. Em retrospecto, foi muito estúpido, mas eu me senti tão indignado com o que estava acontecendo que distorceu meu julgamento.
Townshend ainda comentou quão fácil foi encontrar um site russo que oferecia imagens do tipo, e como pensou em chamar a polícia:
A terrível realidade do mecanismo auto-propulsor e auto-gerador da internet me atingiu em cheio. Eu fui até o telefone, eu pensei em chamar a polícia e levá-los pelo processo que eu havia passado — e levar os culpados à prisão. Daí eu pensei duas vezes sobre isso. Como alguém que esteve em julgamento esteve conectado a mim uma vez — ainda que de forma distante — eu preferi falar informalmente com um advogado. Ele me aconselhou a não fazer nada. Ele me aconselhou que eu certamente não deveria fazer download da imagem como ‘prova’. Então eu fiz como ele me aconselhou: nada.
A não-aparição no Tribunal
Foram meses de investigação até o julgamento do membro do The Who. Uma investigação forense acabou provando que, de fato, a história de Pete era verdadeira e não havia nenhuma imagem em seu computador — mas era tarde demais, pelo menos segundo o guitarrista.
Eu estava exausto. Eu sentia que se eu fosse ao tribunal eu estaria me oferecendo para um verdadeiro sacrifício.
Ele ainda afirmou que simplesmente não tinha a “coragem e força” para cumprir o julgamento, e acabou sendo registrado no Reino Unido como um criminoso sexual (permanecendo com esse status até 2008).
Apenas em 2012, com o lançamento da autobiografia, o músico voltou a falar sobre o assunto. O livro de fato tratou sobre o tópico dos abusos que sofreu (que já haviam sido, ainda que metaforicamente, mencionados na ópera rock Tommy, de 1969) e, em entrevista, Townshend admitiu que a verdadeira intenção de sua “pesquisa” era expor os esquemas de sites russos com bancos britânicos que encobertam as transações criminosas. Ele falou:
Era a síndrome do cavaleiro branco. Você quer ser a pessoa que é vista ajudando. Eu tinha vivido algo assustador quando criança, então você imagina, e se eu fosse uma garota de nove ou dez anos e meu tio tivesse me abusado toda semana? Eu achei que eu tinha um entendimento, e que eu poderia ajudar.
Anos depois, Pete contaria uma história completamente absurda e curiosa: sua prisão, aparentemente, salvou sua vida. Ele teria ido fazer uma colonoscopia, que vinha adiando há tempos, enquanto esperava a polícia revistar sua casa — o médico descobriu um pólipo que, segundo ele, poderia ter evoluído e lhe matado em seis meses.