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Em "Quadra", Sepultura esbanja brilhantismo e a melhor forma em décadas

Quadra traz o Sepultura com traumas superados e em renovada ascensão, buscando recuperar o território perdido. Leia nossa resenha!

Sepultura - Quadra

Por Nestor Rabello

O ano de 2020 pode ser considerado definitivo na longa trajetória dos mineiros do Sepultura. Não por acontecimentos extraordinários – como mudança de formação ou coisa parecida -, mas em função do lançamento de Quadra, 15º álbum de estúdio do gigante do thrash metal brasileiro.

Classificar o Sepultura como uma banda de thrash metal, aliás, é quase uma ofensa, já que o conjunto sempre fez questão de se desafiar musicalmente a cada lançamento.

A fase iniciada após a entrada do vocalista norte-americano Derrick Green no lugar do fundador Max Cavalera – seu irmão, o baterista Iggor Cavalera, deixaria a banda anos depois para viver das glórias do passado ao lado do parente – evidenciou uma banda mais concentrada em sobreviver sem seus fundadores.

De 1998 a 2009, isto é, entre os lançamentos dos medianos Against e A-lex, o Sepultura ousou em experimentações e estilos diferentes numa cruzada quase psicanalítica para se distanciar dos amados irmãos Cavalera.

Essa fase foi marcada por lançamentos inconsistentes, canções pouco memoráveis, rompimento com a gravadora Roadrunner, queda nas vendas, entre outros desastres impostos pela indústria musical, ainda que a banda tenha sempre gozado de absoluto respeito na música pesada e lotado seus shows.

Foi louvável, contudo, o esforço do conjunto, sob a liderança do guitarrista Andreas Kisser, para solidificar uma formação que tinha o que provar e perder na mesma proporção.

No entanto, o movimento pareceu inócuo diante de uma banda que quase se tornou gigante internacionalmente e passou a ser colocada no segundo escalão do heavy metal, um estilo por si só já rebaixado no mainstream.

Resgate

Em 2011, a banda iniciou um processo de resgate criativo com o lançamento do disco Kairos. Reconquistou espaço na crítica especializada, entre fãs e lançou pontas do que passaria a perseguir musicalmente nos anos seguintes.

Dois anos depois, a banda contratou o produtor Ross Robinson para trabalhar no sucessor do álbum. Não estranho aos brasileiros, o trabalho do norte-americano havia sido fundamental para a explosão de bandas como KoRn e Limp Bizkit, além de ter sido ele o responsável pela produção de Roots (1996), o mais exitoso álbum do Sepultura comercialmente.

The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart, lançado ainda naquele ano, confirmou a nova tendência da banda e, de quebra, introduziu o monstruoso Eloy Casagrande nas baquetas do Sepultura. Uma adição que se provaria valiosa no futuro.

Em Machine Messiah (2017), o Sepultura firmou parceria com o produtor sueco Jens Bogren. Muito bem recebido, o disco apresentou uma faceta mais progressiva, melódica e ainda mais técnica da banda.

Quadra

Todo esse processo desemboca no mais recente disco da banda. Lançado em fevereiro, Quadra demonstra que ela abraçou de vez sua maturidade e com a ambição de voltar a caminhar ao lado dos grandes representantes do gênero.

É um álbum pujante, potente, sonoramente avassalador e tecnicamente irretocável. O nível de musicalidade impressiona.

O que Quadra consegue fazer, e que os álbuns anteriores falharam, é envolver o ouvinte em todos os quatro blocos de três músicas presentes no disco. Uma verdadeira jornada musical.

Andreas Kisser despeja riffs agressivos e desconcertantes, enquanto Derrick Green apresenta sua melhor performance à frente do Sepultura. É um pecado que a banda tenha demorado tanto para desenvolver a faceta melódica do vocalista.

Na cozinha, Paulo Xisto exibe suas mais criativas linhas de baixo em anos, e Eloy Casagrande se mostra o grande destaque do álbum, em termos instrumentais. Cria soluções rítmicas impressionantes, de precisão germânica. Um monstro.

Talvez seja a primeira vez em que a comparação com os discos clássicos da banda, ironicamente a quadra composta por Beneath the Remains (1989), Arise (1991), Chaos AD (1993) e Roots (1996), seja verdadeira.

Quadra torna o ano de 2020 icônico para banda porque é um álbum que a apresenta com traumas superados, em renovada ascensão e finalmente com chances de retomar, em alguns anos, o território perdido em meados da década de 1990.