Periferia S/A, Ratos de Porão e Brasil: conversamos com o guitarrista Jão

Guitarrista do Ratos de Porão e lenda do punk brasileiro, Jão falou exclusivamente ao TMDQA! sobre planos com suas bandas, situação do Brasil e mais. Leia!

Periferia S/A
Divulgação

Jão é um dos maiores nomes do punk brasileiro há muitos anos. O guitarrista e fundador do Ratos de Porão está agora se preparando para uma apresentação especial com o Periferia S/A, projeto que surgiu durante os primeiros problemas de saúde que João Gordo teve e rendeu um excelente álbum em 2005.

Atualmente formada por Jão nas guitarras e vocais, Boka (que também é do Ratos) na bateria e Jabá (ex-Ratos) no baixo, a banda vem fazendo shows esporádicos e até lançou um disco ao vivo em 2014, o ótimo Fé + Fé = Fezes.

As pesadas “Recomeçar” e “A Farsa do Entretenimento” lideram o repertório da banda que irá tocar no Overload Beer Fest 2020. Ao lado dos lendários americanos do D.R.I. e das brasileiras Surra, DesalmadoManger Cadavre? e Cerberus Attack, a promessa é de uma noite insana e cheia de música pesada no dia 15 de Março.

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Sempre crítico e antenado em assuntos políticos, Jão conversou com o TMDQA! em entrevista exclusiva para contar sobre a importância da cena punk no atual momento da cultura brasileira, além dos planos futuros com suas bandas.

A seguir, você confere o papo na íntegra. Por este link, você pode ver mais informações e comprar ingressos para o Overload Beer Fest.

Entrevista com Jão (Ratos de Porão, Periferia S/A)

TMDQA!: Fala, Jão! Primeiramente obrigado pelo seu tempo. Queria começar te perguntando sobre o Overload Beer Fest, onde você vai se apresentar com o Periferia S/A. De onde veio a ideia de tocar com o Periferia e não com o Ratos? Foi algo que partiu da produção ou de vocês mesmo?

Jão: Putz, então, foi mais o lance do Ratos estar voltando agora, sabe? Estamos há meses parados, e a Carol — que trabalha com a gente no Periferia — perguntou se a gente não topava tocar lá. E porra, vai ter o D.R.I., né. D.R.I. é foda. Banda da nossa geração e tal, e o festival é legal, já toquei com o Ratos lá. Vai ser bem legal.

TMDQA!: Com certeza! E essa escalação do Periferia caiu muito bem no festival, né.

Jão: Cara, eu acho que a gente tem bem a ver com esse lance. O Periferia ficou um tempão parado, está voltando agora com o Boka na bateria e tocar em um festival desses sempre dá aquela revigorada legal. É legal pra banda.

Planos com o Periferia S/A

TMDQA!: Vocês têm feito shows há algum tempo, mas até agora o único disco segue sendo o de 2005. Há planos para lançar mais material inédito ou por enquanto a ideia é só tocar mesmo?

Jão: Cara, pensar em fazer material inédito o Periferia pensa faz tanto tempo. Mas a banda sempre com mudanças de baterista e tempos parados, né… Isso sempre aconteceu desde que a banda existe, desde 2004, e nesse tempo a gente ficou uns 6 [anos] no mínimo parado. Então, assim, é uma bosta, né, meu? Agora com o Boka vamos ver como vai ser, mas é aquela história, esbarra em tempo dos outros, trabalho, vários fatores. O Boka morando em Santos, a gente já não consegue ensaiar tanto, saca? Mas sei lá né meu, planejar a gente planeja. Quando vai acontecer que é o problema.

TMDQA!: Então sempre há uma possibilidade, não é nada fora da realidade?

Jão: Não, está nos planos na verdade. A gente só precisa conseguir um meio de viabilizar isso.

TMDQA!: Apesar do álbum de estreia já ter 15 anos, ele continua tão atual quanto sempre. Isso parece bom, pois ajuda vocês a manter as performances verdadeiras e intensas. Mas como você se sente cantando sobre os mesmos problemas há tanto tempo, não só com o Periferia mas com o Ratos também?

Jão: Ah, é frustrante né, meu. Na verdade, a gente sabe como é o Brasil. O Brasil ainda é aquelas capitanias hereditárias, meu, cada pedaço de terra é um coronel que manda e eu não vejo perspectiva de mudança ainda mais hoje em dia, com esse governo medíocre e esse bando de gente retardada. O Ministro da Educação analfabeto, tá ligado? Essas Damares da vida, só gente lunática. Então, assim, esperança não tem, infelizmente. As letras vão continuar atuais, as do Ratos são até mais antigas e continuam atuais, e é uma bosta né.

A gente já tinha esses problemas quando era jovem, agora é todo mundo coroa e continuam os mesmos problemas. Alguns até piores. Não vejo muita saída não.

Importância e momento da cena punk no Brasil

TMDQA!: Nesse momento que a gente vive, a cena punk ainda parece ser uma das que mais incomoda as pessoas que estão no poder. Um exemplo disso é o que rolou com o “Facada Fest”, que satirizou o presidente Jair Bolsonaro e acabou irritando o Ministro Sérgio Moro. Como você enxerga a importância disso, desse posicionamento firme das bandas?

Jão: O punk tem que incomodar, meu. Tem que incomodar sempre. A gente sabe que esse tipo de coisa, que nem aconteceu com o pessoal do Pará, só traz mais preconceito da pessoa comum contra o punk. No Brasil, além de tudo hoje tem uma crise social bizarra. Tem bolsonaristas aí que defendem absurdos, agora o que seria o prejudicial para a sociedade, como as milícias, por exemplo, que o presidente da República tem seus filhos envolvidos com esse tipo de gente, isso aí ninguém fala nada né, meu.

Os punks têm que dar exemplo. Esse tipo de festival tem que ter em todos os estados do Brasil. Eu tenho essa esperança de que com esse lance dos ataques contra os punks, o punk realmente cresça e se difunda mais e adquira mais para ir junto adiante. É uma merda isso que aconteceu no Pará, é ridículo, o Ministro da Justiça com tanta merda acontecendo no país vir falar da porra do cartaz do show, sabe? Isso aí é coisa do fascismo, isso aí é censura. Não pode acontecer nunca. Mas a gente que é punk tá aí pra incomodar e não vai ficar quieto. Não dá.

TMDQA!: Ainda sobre essa cena brasileira, acho que o Overload fez um belo trabalho em unir gerações do punk por aqui. Tem bandas como vocês e o D.R.I. por lá, pessoal das antigas, mas também colocaram o Surra, uma das bandas que leva a nova fase do gênero no Brasil. Como um dos pioneiros da cena, como você enxerga isso? Você se vê como um mentor pra essa galera?

Jão: Se a gente pegar aí o Surra como exemplo, que é uma puta banda e tem um posicionamento político muito claro, a gente sabe que nada está perdido. O Brasil é cheio de banda, banda boa pra caralho, banda contestadora, que às vezes não tem espaço pra poder mostrar seu som. Eu acho que de banda a gente tá bem servido, o Brasil sempre teve banda boa. É muito bom ver essa geração nova, não só no punk, mas também no metal. A gente tem visto uma molecada vindo aí com uma cabeça diferente de muito pessoal que tem no metal ainda, que é conservador pra caralho.

Eu acho que esse tipo de coisa negativa que acontece, nesse momento que a gente tá passando aqui no país, isso acaba trazendo muita insatisfação. E o punk é feito de insatisfação, né. É aqui que muita gente se encontra.

Sobre ser mentor ou não, é até uma palavra bizarra. Na verdade, eu cheguei antes, tive os problemas de antes. É bom que a gente tá aí mas é bom que tem gente pra dar continuidade também.

TMDQA!: Com certeza, e esse momento de insatisfação acaba criando uma cena mais forte também, né? Gera um momento de união.

Jão: Não tenha dúvidas, cara. Acho que isso sempre unifica mesmo, é bom para o movimento, muita gente perdida encontra no punk um lugar. Isso é legal, mas a gente ainda é carente em muita coisa nesse país. Falta um espaço underground que proporcione condição pras bandas tocarem, pra criar um ambiente que as bandas possam estar por aí. Mas eu vejo gente fazendo show em todo canto, independente das condições, e isso aí é punk. Isso ajuda a manter o underground. Mas podiam existir mais casas direcionadas a esse público, acho que isso ainda é bem carente.

Planos com o Ratos de Porão

TMDQA!: Queria falar também sobre o Ratos. No ano passado, assisti ao show no Porão do Rock que foi feito sem o Gordo. Me lembro de estar pensando que vocês estavam mandando muito bem mesmo com as circunstâncias, e na mesma hora você agradeceu a plateia e comentou que “tá foda sem o Gordo”. Como foi fazer um show tão importante, da turnê de 30 anos do disco Brasil, sem o Gordo?

Jão: Cara, então, essa parada do Brasil é o seguinte… a gente tinha show marcado até Dezembro. O Gordo ficou doente em Julho ou Agosto, algo assim, e tinha alguns shows ali que putz, tava tudo confirmado, não dava pra cancelar. Na semana que o Gordo ficou doente, a gente tinha dois shows no final de semana. Eu particularmente nunca tinha cantado aquelas músicas do Brasil, né. Foi bizarro, porque essa formação do Ratos atual — se a gente pegar o Juninho, que é o mais novo, ele já está há 15 anos na banda — e com o Gordo é uma vida inteira, então foi um bagulho meio estranho.

A gente cancelou muita coisa, turnê europeia e tudo mais, só ficaram esses que já tinha contrato, já tinha passagem aérea… Então esses shows que podia ocorrer da gente gerar prejuízo pros outros, a gente fez em trio, que não é o que a gente queria estar fazendo mas a gente pôde manter nosso nome e dignidade.

TMDQA!: E como estão os planos daqui pra frente com o Ratos?

Jão: Cara, o Ratos tá voltando, com show em São Paulo no dia 22 de Março. Até porque agora que passou essa data do Brasil a gente tá voltando com o repertório, que é aquele catado de um monte de disco mais as músicas que a gente toca sempre em show, que meio que não pode faltar, né. Então a gente vai devagar. Começar com, sei lá, um show por mês, fazer turnês sem shows seguidos, até a gente ver que o Gordo tá bem estável e podendo encarar e a saúde permitir.

E a ideia é fazer um disco novo. A possibilidade é bem maior que com o Periferia, por exemplo. Tem uns rascunhos de músicas que a gente estava fazendo antes do Gordo ficar doente, daí parou. E agora a gente tá retomando a banda e quer retomar tudo, tentar fazer música suficiente pra gravar um disco até o final desse ano. Vamos ver o que que rola, não dá pra prever o futuro, ainda mais com essa idade já meio avançada.

Situação do Brasil

TMDQA!: Por fim, quero te perguntar sobre essa situação do Brasil. Sinto que você está nos dois lados do discurso bolsonarista: aquele mais contrário no punk e aquele a quem ele se direciona enquanto empresário [Jão é um dos sócios da hamburgueria Underdog, em São Paulo]. Como você enxerga esses discursos dentro dos seus ideais e objetivos enquanto empresário?

Jão: Cara, eu não sei. O Bolsonaro, assim, esse governo dele deve ter mudado coisa pros amigos, aquela história ali da turminha, os empresários que sonegam imposto pra caralho… É difícil você ser empresário em um país como o Brasil, ainda mais quando você trabalha sério, não sonega nada, não tem caixa dois. No caso do Underdog, a gente tem muito orgulho de ser assim. A gente faz a nossa zoeira quando tem que fazer, mas o nosso trabalho ali é sério. Tanto que todo mundo que trabalha ali — e não são poucos hoje — são todos registrados, com tudo certo, porque não dá pra ficar tirando direito trabalhista das pessoas. Isso aí não existe, cara.

E o lance é que piorou pro trabalhador nesse governo aí, né. Pro empresário tá uma bosta também. O país tá sem dinheiro, o dólar tá quase cinco reais. A gasolina tá quatro e cinco e pouco. O quilo de feijão tá dez. E tem gente ainda chamado o cara de mito. Isso aí é muita loucura, sacou? O país tá pior, isso é inegável, e quem se fode mais é sempre o pobre. O pobre tá fodido, quando o bicho pega na crise é ele que se fode, é ele que não tem dinheiro pra comprar uma comida pro filho às vezes.

Pro rico tá sempre bom. O cara é rico, pô. [risos] Um país que nem o Brasil… se você é rico e mau caráter, seu lugar é o Brasil. Aqui tu sonega, tem um monte de amigo político corrupto, policial corrupto, delegados, então aqui você fica bem influente. Brasil é o país do bandido. E do bandido graúdo. [risos] Porque na cadeia só tem os fodidos que foram roubar mercado.

TMDQA!: Jão, muito obrigado pelo seu tempo e pelo ótimo papo! Se quiser deixar algum recado para os leitores…

Jão: O recado é para a gente deixar sempre a cena forte. Se a gente junta tudo que é do underground — o hardcore, o punk, o metal — é gente pra caralho. E cada um anda na sua turminha e raramente se junta. Então nesses festivais como o Overload é o momento dessa galera de vários segmentos se juntar. Que tenhamos mais shows desse tipo, e que o pessoal compareça e prestigie as bandas.

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