Música

Ansiedade, nostalgia e a difícil decisão de lançar um disco na pandemia

Grandes artistas têm adiado o lançamento de seus novos discos e esse parece ser um caminho a ser seguido pelo mercado independente. Será?

Disco de Vinil e Fones de Ouvido
Foto Stock via Shutterstock

Há alguns meses a cantora pop Lady Gaga anunciou que seu aguardado novo disco, Chromatica, não seria mais lançado em Abril conforme o programado.

A data original de lançamento do primeiro álbum da gigantesca artista norte-americana era 10 de Abril, mas a pandemia ganhou corpo, o Coronavírus é mais que uma realidade e pelo menos parte do mundo e da população tenta evitar que a COVID-19 cause mais estragos.

Nem é preciso dizer que uma artista do porte de Lady Gaga está envolvida por equipes imensas de produção, marketing, comunicação e mais, e que o planejamento para o lançamento de um disco como esses começou há muito tempo.

Ainda assim, o consenso entre artista e gravadora foi de adiar o lançamento de Chromatica e, mais ainda, fazê-lo sem anunciar uma data específica logo de cara, já que vivemos uma imensa incógnita no mercado do entretenimento.

Lançamentos de Discos na Pandemia

Com o risco de perder milhões de dólares, diversos nomes gigantes do show business estão adiando as suas obras e não é preciso ser um mega artista Pop para entender que agora, mercadologicamente falando, não é a melhor hora de colocar grandes projetos no ar, e isso inclui o lançamento de discos.

Temos visto artistas independentes do Brasil e lá de fora divulgando seus novos trabalhos normalmente, como se nada tivesse acontecido, e apostando todas as suas fichas em uma espécie de conexão do trabalho com a terrível era em que vivemos, como na esperança de que as pessoas se apeguem aos novos sons e eles deem fôlego para seguir em frente.

A verdade, infelizmente, é: provavelmente não vai dar certo.

Coronavírus, Streaming e Ansiedade

Logo que a pandemia começou e principalmente quando a Itália passou a estar em todos os jornais como epicentro global após a China, muito se falou sobre como as tendências de consumo de música no streaming haviam mudado.

Os números foram claros: o streaming de música caiu consideravelmente enquanto o de vídeos aumentou em plataformas como Netflix, YouTube e Instagram, muito em função das lives.

Só isso já seria um bom motivo para segurar o lançamento de um novo disco, já que seu planejamento requer longos meses de trabalho e seria uma pena vê-lo sendo esquecido pela população, mas há ainda outros pontos.

Primeiro, o artista não poderá fazer shows. Sabemos todos que a principal fonte de renda dos músicos está no ao vivo e não poder cair na estrada com um novo produto é terrível para a sua divulgação.

Sim, vivemos um período em que todo mundo está no online, consumindo lives, reprises e conteúdo cultural no streaming, mas é o encontro com os fãs e as performances arrebatadoras que fazem com que músicas sejam conhecidas, discos ganhem corpo e bandas cresçam com seus novos trabalhos.

Sem a perspectiva de poder subir aos palcos, não poder contar com essa parte da divulgação pode ser fatal para o projeto de qualquer novo disco.

Segundo, e talvez tão importante quanto, é o fato de que as pessoas não estão prestando atenção por muito tempo em novos materiais, e há vários motivos para isso.

Com tantos problemas no mundo todo, a população tem dividido a sua atenção entre notícias que impactam diretamente sua vida com questões que são essenciais: auxílio do governo, emprego, cuidado com a saúde, etc. Sentar e aproveitar um novo disco do início ao fim é uma tarefa mais difícil.

Além disso, conversando com pessoas da indústria, constatamos que a curva do streaming de áudio pode até estar voltando para o pré-Coronavírus, mas está acontecendo majoritariamente com catálogo.

Isso significa que as pessoas que pararam de ouvir seus discos favoritos e novidades toda sexta-feira indo ao trabalho de metrô, ônibus, carro ou até mesmo a pé, voltaram a ouvir música em casa, mas estão recorrendo a velhos conhecidos para encontrar conforto.

É apenas natural: em um período sem precedentes e de tanta ansiedade e incertezas, o ser humano está recorrendo a discos e músicas de épocas em que era mais feliz, mais seguro e principalmente, sua vida era mais simples.

Lançar um novo disco e competir com essas memórias afetivas não é tarefa fácil, e sinceramente, no caso dos artistas independentes deveriam ser reconsideradas.

O próprio fato de que artistas gigantescos estão adiando seus lançamentos (Sam Smith fez o mesmo, The Replacements também, Weezer idem) é um indicador para a indústria, que, como cautela, deve começar a seguir exemplos que vêm “de cima”.

Pearl Jam, The Strokes, Dua Lipa e a própria Lady Gaga

Alguns artistas foram em frente e lançaram seus discos conforme o esperado.

Dua Lipa fez um barulho gigantesco no dia do lançamento de Future Nostalgia, 27 de Março, mas mesmo todo seu apelo pop parece ter diminuído consideravelmente e se dissipado entre notícias diárias de mortes, novos casos e isolamento social, com exceção do mega hit “Don’t Start Now”.

No mesmo dia o Pearl Jam voltou com seu aguardadíssimo primeiro disco em 7 anos, o ótimo Gigaton, e passado mais de um mês desde a disponibilização do álbum, ainda tem muita gente que nem o ouviu.

Era de se esperar que uma volta após tanto tempo de inatividade seria o centro das atenções no mundo todo, mas quem está postando a respeito do álbum enlouquecidamente por aí?

Também voltando após 7 anos, o The Strokes lançou The New Abnormal, com um nome bastante sugestivo, inclusive, e novamente as discussões se resumiram ao dia do lançamento e era isso. Muita gente ainda nem correu pra ouvir o álbum porque está mergulhando na nostalgia de clássicos dos Anos 70, 80, 90, 2000…

Por fim, e misturando adiamento com lançamento na pandemia, a própria Lady Gaga que citamos lá no começo resolveu anunciar que a novíssima data para seu disco, Chromatica, é… 29 de Maio. E isso definitivamente pegou todo mundo de surpresa, já que ao anunciar o adiamento, o mundo esperava que ela viria bem mais pra frente, pelo menos no segundo semestre.

É aí que, mesmo dando vários motivos para que os discos não sejam lançados, voltamos a falar sobre o imponderável que faz da arte, a arte.

O artista deve saber quando se sente melhor para lançar sua obra e, é claro, seguindo os conselhos, dicas e a experiência de quem trabalha com ele, chegar a uma decisão com a qual se sinta bem.

Mercadologicamente falando, podemos estar vivendo uma época terrível para os novos lançamentos, mas artisticamente falando, é possível fazer história como fez Fiona Apple com seu aclamado e nota 10 Fetch The Bolt Cutters, lançado em 17 de Abril.

Se Lady Gaga optou por não se arrastar mais e lançar Chromatica agora por instinto artístico ou por ter uma ideia mirabolante para divulgá-lo na pandemia, não sabemos, mas definitivamente após idas, vindas e considerações, a decisão deve ser do artista.

Lançar ou Não Lançar?

Nos últimos dias essa é uma pergunta que tem chegado com frequência aqui e a ideia desse post foi justamente de respondê-la com o que o mercado está apresentando.

Na dúvida entre lançar um novo disco agora e esperar, quando estamos vendo que até os gigantes estão sofrendo e aguardando, o melhor a se fazer como artista independente é segurar a onda, pelo menos até o segundo semestre. Mas novamente, a decisão está nas tuas mãos: de repente você lança o material guardado agora e já recarrega as energias para um disco pós-Coronavírus, aí sim investindo e divulgando o trabalho com as maiores forças.

Interações com fãs de outras formas são mais que bem vindas. Lives ou músicas temáticas, como a banda punk Meu Funeral acabou de fazer ao iniciar a série “Corona Vídeos” em seu Instagram, vão ajudar a espalhar o nome em um contexto que faz completo sentido.

Em linhas gerais, a impressão que temos é que singles, EPs, vídeos e tudo que tiver a ver com o momento e seja feito de forma criativa, são materiais mais que válidos e devem ser explorados.

Álbuns, conceitos e grandes projetos terão seu espaço quando finalmente sairmos dessa completa loucura que chamamos de 2020.