TMDQA! Entrevista: conversamos com a incrível Låpsley sobre o novo disco "Through Water"

Aclamada ainda muito jovem, Låpsley deu novos passos com o ótimo "Through Water", seu segundo disco, e falou exclusivamente ao TMDQA! sobre esse processo.

Låpsley
Foto por Alexandra Waespi

Låpsley se tornou um fenômeno da música Pop bem cedo, atingindo sucesso considerável aos 19 anos quando lançou o disco de estreia Long Way Home.

Impulsionada majoritariamente pelo single “Hurt Me”, a cantora precisou de quase 4 anos para conseguir elaborar um sucessor à altura do primeiro trabalho. Mas Through Water chegou em 2020 sendo tudo que prometia e muito mais, trazendo 10 faixas selecionadas de mais de 100 compostas no período.

A sonoridade de Låpsley se destaca muito por fugir do lugar comum do Pop. Enquanto ainda abraça os elementos radiofônicos sem vergonha nenhuma, a britânica hoje com 23 anos misturou influências eletrônicas mais do que nunca e produziu de forma independente a obra.

O novo trabalho chegou até os ouvidos de Taylor Swift, que escolheu a canção “Womxn” como parte de sua playlist em comemoração ao Dia Internacional da Mulher; aliás, a faixa foi escolhida pelo aplicativo TikTok como a música oficial do dia e viralizou ao redor do mundo por seu discurso poderoso e representativo.

Durante essa quarentena, Låpsley nos atendeu diretamente da casa de seus pais — onde está passando o isolamento social — e nos contou mais sobre toda essa redescoberta de si mesma que levou a Through Water. Confira o papo na íntegra logo abaixo!

Entrevista com Låpsley

TMDQA!: Oi, Låpsley! Como está sua quarentena?

Låpsley: Olá! Tem sido ok, pra falar a verdade! Eu vim pra casa dos meus pais, fica um pouco ao norte de Liverpool, porque temos algumas questões de família para resolver durante esse período e aqui temos um jardim enquanto em Londres eu estaria presa em casa, então isso é bom. [risos] Tem bastante espaço e vários benefícios de estar aqui.

TMDQA!: Que bom! Bom, obviamente nós temos que falar sobre o novo álbum, Through Water. Eu vi que você postou uma espécie de carta aos fãs falando sobre ele no seu Twitter e você descreveu o conceito do trabalho como “estar suspensa no tempo, flutuando entre erros e lições aprendidas”. Eu sinto que por tudo que você passou, em especial o sucesso enquanto muito nova, parece que fazer esse álbum é um resumo desse tempo e um alívio do peso sob seus ombros. É por aí? Qual a carga emocional desse disco?

Låpsley: Sim, com certeza. Eu diria que em primeiro lugar o processo de ir até o estúdio e escrever sobre o que está na sua cabeça é bastante terapêutico; ao mesmo tempo é bem estranho ouvir essas músicas atualmente e entender como eu estava me sentindo em cada momento específico, já que foram anos escrevendo. Mas sim, é um disco bem emocional e bem cru, apesar de tanto tempo! [risos]

TMDQA!: [risos] É engraçado você dizer isso porque a sonoridade dele não parece nem um pouco crua! São tantos elementos misturados, tanto orgânicos quanto eletrônicos, que lembra em alguns momentos a complexidade do Thom Yorke no Radiohead. Como foi esse processo de instrumentação do Through Water? Foi natural ou foi algo que você teve que trabalhar conscientemente?

Låpsley: Olha, o que você vê no disco é o que funcionou. O que você não vê são todas as tentativas frustradas, que não funcionaram. Pra falar a verdade, todas as músicas do disco foram compostas muito rapidamente e vieram muito naturalmente — e eu acho que as melhores são sempre assim, mas eu não acho que você consegue se planejar, tipo, “hoje eu vou escrever tal música”. Eu posso escrever três músicas bem merda em uma semana e talvez a quarta seja algo belo! Mas, basicamente, sou só eu colocando pra fora o que está na minha mente; às vezes eu me sinto meio que em transe quando algo funciona. [risos] Eu escrevo tanto que, quando vejo algo que ficou bom ou que pode de fato entrar no disco eu fico meio, “Eita!”. Eu me senti assim com várias das faixas. Mas eu definitivamente não entro no estúdio com uma ideia de tipo “vamos fazer um hit!” ou tentando demais ser algo em específico, porque eu sempre sinto que tem o efeito inverso e eu fico com um bloqueio mental. [risos]

TMDQA!: Então, em geral, você costuma escrever tudo de uma maneira mais orgânica e vai adicionando os elementos eletrônicos depois?

Låpsley: Sim. Na verdade eu diria que eu meio que produzo enquanto escrevo, mas definitivamente a composição é a parte mais rápida e a produção é a parte que leva mais tempo.

Through Water e as mais de 100 músicas gravadas

TMDQA!: Você falou sobre a gente não ouvir as coisas que deram errado. Eu soube que só para esse disco você tinha mais de 100 faixas compostas, e você acabou selecionando só 10. Tem alguma chance de ouvirmos o resto no futuro? [risos]

Låpsley: Cara! Eu sempre falo “não, de jeito nenhum” e me arrependo. [risos] Algumas dessas faixas eu realmente gostaria de lançar no futuro e eu acho que algumas meio que são um pouco diferentes em questão de sonoridade, então elas só não funcionavam pra esse disco — mas poderiam funcionar como um EP ou algo do tipo! Definitivamente existem algumas bem especiais entre elas que eu gostaria de lançar no futuro.

TMDQA!: E essas 100 músicas estão prontas? Tipo, escritas, com letras, produzidas e tudo mais?

Låpsley: Sim! [risos] Elas não soam como um álbum, é claro, são todas desconexas. Mas eu vou achar um jeito de encaixá-las.

TMDQA!: Isso é incrível! São muitas músicas, mesmo para um período de quatro anos.

Låpsley: Sim, eu acho que as pessoas trabalham de duas formas: ou elas fazem milhares de músicas ou elas se trancam e passam dias e dias trabalhando em uma música apenas. Acho que isso depende do artista, mas pra mim é o primeiro caso. [risos]

TMDQA!: E, no fim das contas, você ficou satisfeita com o resultado desses quatro anos compondo o disco? Valeu a pena ter feito as coisas com calma?

Låpsley: Sem dúvida nenhuma. Eu fiquei tão feliz quando o disco saiu porque eu sei que não poderia ter feito nada melhor. Eu nem ligo muito para as resenhas, porque esse disco sou eu, é uma sonoridade honesta e eu adorei o processo de fazê-lo. E acho que no geral eu estou muito mais satisfeita como artista com o meu trabalho do que no primeiro álbum. Talvez seja por eu estar mais velha também. [risos]

Sucesso do primeiro disco e pressão

TMDQA!: Mesmo tendo um disco tão bem-sucedido como foi o seu primeiro, você não se sentiu pressionada para aproveitar o hype e acelerar o lançamento de músicas novas?

Låpsley: Nossa, eu tinha muito sim. Eu acho que eu não estava 100% feliz em como eu fui percebida enquanto artista com o primeiro álbum. Eu não achava que resumia quem eu era; eu acho que o novo, sim, resume melhor o espaço no qual eu quero estar artisticamente. Mas é um processo de aprendizagem, sabe? Entender qual a sua forma de produzir, isso leva vários anos. Eu era muito jovem. Eu tive que tirar um ano de “folga” porque me sobrecarregou demais todo o processo do primeiro álbum, com a turnê e tudo mais, e eu estava lidando com problemas de saúde mental. Eu precisei desse ano de folga antes de começar a partir pro próximo disco. Então sem dúvidas tem todos esses aspectos negativos do sucesso.

TMDQA!: E essa pressão sem dúvidas seria muito maior em uma gravadora mais mercadológica, mas você está assinada com a XL, uma gravadora que tem no currículo artistas que vão desde Adele até música experimental. Só que tudo isso vem com um viés que foge do padrão das “grandes gravadoras”, já que se trata de uma gravadora independente de certa forma. Quão importante foi isso na sua decisão de assinar com eles e como tem sido trabalhar com a XL?

Låpsley: Eu escolhi a XL sem dúvidas pelo fato de ser independente; eu queria manter esse controle. E eu acho que tenho muita sorte de estar em uma gravadora que apoiou minhas ideias, sabe? Acho que com todos os artistas é sempre uma relação de altos e baixos, é natural dessa dinâmica, mas no geral eu sei como eu tenho sorte de estar perto de pessoas que apoiam minhas ideias e não me forçam a ficar presa dentro de uma caixa que eu não fico confortável dentro.

TMDQA!: Acho que isso de não ficar presa em uma caixa é algo que foi traduzido perfeitamente em “Womxn”, o single mais bem-sucedido até agora do novo disco. Sinto que ela fala sobre todo esse processo de descoberta; quão especial foi lançar essa música pra você e ter tantas pessoas — até a Taylor Swift — entendendo a mensagem?

Låpsley: Sim! [risos] É bem por aí mesmo. É incrível quando você escreve essas músicas tipo, no seu quarto — e eu escrevi “Womxn” quando eu tinha 20 anos — e você nem imagina que ela vai ser lançada, quanto mais chegar até o disco e mais ainda ter tanta gente comentando sobre isso. Mas é incrível ficar sabendo que isso teve um impacto tão positivo, sabe? É tipo, “Ah, sim, claro, é isso que eu faço, apenas mais um dia normal”… Só que não. [risos]

Reinvenção depois do sucesso

TMDQA!: Uma outra coisa que eu vi você comentar no Twitter foi sobre a foto da capa do disco, que ficou linda por sinal. Acho que é um belo resumo de quanta dedicação você colocou nesse processo, sempre buscando o resultado mais perfeito possível dentro do que você queria e se responsabilizando por tudo. Pode nos contar um pouco mais sobre isso?

Låpsley: Claro! Eu definitivamente — e acho que isso é só a minha personalidade mesmo — senti que eu tinha que provar algo. Se eu não estiver feliz com algo 100%, como foi com o primeiro disco, eu sinto que preciso fazer tudo para mostrar às pessoas não com palavras mas com música que “essa sou eu, venha me encontrar no presente”. Então, tem essa coisa meio “desafiadora”. Sobre a capa do álbum, eu tive a ideia um bom tempo atrás, um ano e pouco atrás; eu passei por várias outras ideias mas sempre acabava voltando pra essa. E foi muito caro. [risos] É tipo, você só tem uma chance. Só temos uma tarde nessa piscina pra fazer isso. E eu sou meio que uma viciada em adrenalina pra falar a verdade, tipo, eu não tenho muito medo de altura ou qualquer coisa do tipo — então, em resumo, eu acho que meus amigos me diriam algo como “isso é tão você, se jogar de uma altura na água com pesos” mas para o público é algo meio “eita, nós só te conhecemos através da sua música emotiva”. [risos]

Acho que no fim das contas era uma questão de mostrar às pessoas a dedicação, sim, mas também chocá-las de alguma forma. Eu quero ser respeitada!

TMDQA!: Você acha que esse sentimento vinha muito por conta do sucesso do primeiro álbum ter te transformado em meio que “música de festa”, em especial devido ao remix de “Operator”? Isso te incomodava e te fez ir mais longe artisticamente?

Låpsley: Cara, isso é uma parte tão grande do que eu faço com os meus amigos em tempos normais, sabe? Eu amo música eletrônica, amo sair nos finais de semana, techno, disco, ir às festas, isso faz parte da minha vida sim. Então foi muito normal pra mim ter esse remix associado ao meu nome, mas eu acho que teve sim um certo problema — e nós até conversamos com a gravadora — no sentido de “será que eu quero abraçar essa direção?”, sabe? E eu acho que eu só queria fazer as minhas próprias coisas, e eu enxergo esses remixes como algo bônus e eu adoro mergulhar de vez em quando nisso, mas não quero ficar limitada a isso nem conhecida por isso. Porque é muito difícil, emocionalmente falando, você sair disso depois que entra nesse caminho de vez.

TMDQA!: Bom, queria te agradecer muito pelo seu tempo! Foi um prazer conversar contigo. Pra finalizar, o nome do nosso site é Tenho Mais Discos Que Amigos e, nesses tempos de isolamento, queria saber de você: qual disco tem sido seu melhor amigo?

Låpsley: Eu que agradeço e espero poder visitar o Brasil em breve! Sobre o disco, meu Deus, eu já criei tantas playlists nessa quarentena. [risos] Sério, parece uma piada. Mas eu tenho ouvido muito o novo disco do Caribou, e sem dúvidas o novo do Tame Impala que está incrível!