Entrevista: Josh Klinghoffer escala montanha e fala sobre música brasileira, novos projetos e "líderes idiotas"

Leia entrevista exclusiva com Josh Klinghoffer, ex-guitarrista do Red Hot Chili Peppers, que foi de Jorge Ben ao Pearl Jam e falou sobre pandemia.

Josh Klinghoffer
Foto por Jamie Martinez

Marcio Teixeira de Mello é jornalista, músico e dono de uma loja de camisas, a Electrochoque Store.

Por lá, comercializa itens da ORGMusic de forma oficial, e é através da gravadora que Josh Klinghoffer, ex-guitarrista do Red Hot Chili Peppers, lança os discos de seus projetos como Pluralone e Dot Hacker.

Há alguns dias Marcio, que inclusive é músico, sugeriu uma entrevista com Josh através da ORGMusic e ele aceitou.

O resultado, com exclusividade no Tenho Mais Discos Que Amigos!, pode ser visto logo abaixo.

 

Entrevista com Josh Klinghoffer

Por Marcio Teixeira de Mello

A vida de Josh Adam Klinghoffer passou por mudanças significativas antes mesmo da pandemia trancá-lo – e trancar boa parte de nós – em casa. Fora dos Chili Peppers desde dezembro do ano passado, Josh olhou para a frente e passou a dedicar seu tempo e energia ao Pluralone, projeto solo recém-iniciado e que já rendeu o ótimo disco To Be One With You. Entretanto, quando se preparava para abrir os aguardados shows da nova tour do Pearl Jam, veio a explosão da Covid-19 e cá estamos nós, vivendo esse surreal filme de ficção científica e terror sem fim.

Klinghoffer, então, tem trabalhado – compondo e gravando em casa, sendo bem possível que novos discos e projetos dele vejam a luz do dia bem em breve. Na entrevista exclusiva que você confere a seguir, Josh falou, por email, sobre o atual momento do planeta, planos, os shows que virão, gravação lo-fi, música brasileira, design, redes sociais e mais. Uma conversa legal com um cara gente boa que bem poderia beber uma com a gente se morasse um pouco mais perto.

 

Marcio Teixeira de Mello: Antes de qualquer coisa, como você tem estado durante esses dias malucos? O que tem feito diariamente em casa?

Josh Klinghoffer: Estou bem. Tenho que moderar minha resposta, porque sei que há muito sofrimento e miséria em todo o mundo, e isso não terminará tão cedo, mas eu estou seguro, minha família também está e eu estou trabalhando muito. Sou muito sortudo por ter um lugar onde me sinto confortável e onde eu possa passar o tempo tentando escalar a montanha de coisas que quero fazer.

 

Marcio: Aqui no Brasil o presidente chegou a se pronunciar em rede nacional chamando a Covid-19 de “gripezinha” e falando para as pessoas que elas deveriam ir para as ruas. Por aí, Trump também não tem um comportamento dos mais responsáveis, não é?

Josh: Eu não sou nenhum especialista em política brasileira ou um expert no que acontece no dia a dia do país, mas, do pouco que eu ouvi, seu líder é tão idiota quanto o nosso. Minha esperança é que essa crise mostre às pessoas que não se pode dar as chaves de um país para crianças crescidas, e que gente séria, que sabe o que fazer e que sabe ouvir, deveria estar no comando. Eu não posso falar o suficiente sobre quão desprezível é o homem que dirige nosso país, então devemos só esperar que uma parcela suficiente do povo aprenda esta lição. Tenho esperança, mas estou em uma bolha. Eu nunca, nem em um milhão de anos, acreditaria que as pessoas agiriam do jeito que agem hoje em dia. É uma desgraça.

 

Seu líder é tão idiota quanto o nosso. Minha esperança é que essa crise
mostre às pessoas que não se pode dar as chaves de um país para crianças
crescidas.

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Marcio: Nesse período em casa, com algum tempo livre, o que você anda lendo,
ouvindo e assistindo?

Josh: Bem, meus hábitos de leitura são terríveis. Começo uma porção de livros mas não chego ao final de nenhum. O isolamento tem me permitido ler por várias horas a cada manhã, então acabei um livro chamado Conscious, de Annaka Harris. Eu, na verdade, fiquei doente no início da pandemia, mas, felizmente, só durou 24 horas. Durante os dias seguintes, eu estava meio fraco, então dei uma pausa nesse livro e li outro, sobre o Kids In The Hall [grupo canadense de humor cujo programa passava no Multishow em meados dos anos 1990], chamado One Dumb Guy. Estou quase terminando a autobiografia do Woody Allen e, em seguida, devo começar a ler A Short History of Presidential Election Crisis, de Alan Hirsch. Esse livro me deixará irritado para a época das eleições.

 

Marcio: To Be One With You, do Pluralone, é um belo disco. Quanto tempo você levou para gravá-lo, como encontrou tempo para isso e onde aconteceram as sessões?

Josh: Obrigado! É muito gentil de sua parte dizer isso. É difícil falar exatamente quanto tempo levou para gravá-lo. Bem, se eu me levantar e caminhar três metros, poderia abrir dez anos dos meus diários e checar os dias, mas digamos apenas que levou um total de um mês e meio. Foram três semanas, em setembro de 2018, em LA e no Prairie Sun Studios, em Cotati, Califórnia. Foi concluído em pouco tempo, entre o início de 2019 e provavelmente junho, e acho que mudei uma ou outra coisa no disco em agosto. O RHCP tinha voltado a trabalhar, então achar espaço na agenda ficou um pouco difícil, mas deu para finalizá-lo.

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Marcio: Você tinha uma certa ideia sobre como o álbum deveria soar e ser sentido ou o processo de gravação levou você para um lugar desconhecido? Contar com a participação de diversos músicos tinha como intenção chegar a um resultado inesperado?

Josh: Eu tinha uma ideia do que eu queria antes de começar, mas uma vez que a bateria do Jack [Irons] foi gravada, tudo meio que ficou um pouco maior e mais cheio do que eu tinha imaginado originalmente. Gravar o Jack foi muito divertido e um prazer enorme. Só estar em um estúdio e assisti-lo tocar de forma tão magistral em cima de acordes que eu apresentei aquece meu coração mais do que você pode imaginar. Sempre tenho diferentes níveis de ideia preconcebidas sobre como quero que algo soe. Às vezes sei exatamente o que quero, desde o tom do baixo a quais instrumentos usar, e às vezes não tenho a menor ideia. Neste caso, fiz demos de todas as músicas, então eu pelo menos tinha isso como referência. “Save” é uma que eu não sabia como começar, então basicamente recriei a demo. Às vezes me pergunto se não deveria ter sido mais aventureiro, mas nem sempre há tempo. É o que é. [O disco já] Está lá fora.

Marcio: Por falar em demos, você gosta de fazer gravações caseiras, lo-fi? Elliott Smith e Niandra [LaDes And Usually Just A T-Shirt, primeiro disco solo de John Frusciante], duas de suas influências, me vêm a mente quando lhe pergunto isso. Caso positivo, que equipamentos você usa?

Josh: Eu amo. Nunca aprendi a usar um computador. Uso o Tascam 488 MKII, que grava oito pistas em cassete! Tenho vários desses e eles estão por toda a casa: um perto da bateria e do piano, um na garagem, um no sótão, que é onde eu tenho feito a maior parte das gravações durante esse período de isolamento. Conheço aquela máquina muito bem. Amo o som dela, mas sempre hesito um pouco na hora de mostrar essas gravações para as pessoas porque registros desse tipo são raros atualmente. Amo meus gravadores de oito canais, e um dia eu realmente deveria gravar um disco em um deles. É que não tenho paciência para gravar a mim mesmo, então tudo é feito muito rapidamente, e se cometo algum erro enquanto gravo, dou umas porradas bruscas, geralmente com o dedão do pé. Talvez eu lance alguma coisa mesmo assim, com erros e tudo.

Amo meus gravadores de oito canais, e um dia eu realmente deveria gravar
um disco em um deles.

Marcio: Você disse que, depois de deixar os Chili Peppers, sua agenda estava vazia, mas o timing foi perfeito, pois você tinha acabado de lançar o disco de estreia do Pluralone e foi convidado para abrir para o Pearl Jam. Aí, a pandemia do coronavírus aconteceu e as coisas mudaram… Como você está lidando com isso? Bateu certa frustração? Pelo menos agora você tem mais tempo para preparar sua cabeça para esse novo capítulo da sua vida, certo?

Josh: Sim. Como eu disse, estou trancado escrevendo e fazendo demos. De repente, muito em breve terei outro disco para gravar, e até mesmo um pronto antes de sairmos de nossas cavernas. Me sinto mal pelo Pearl Jam. Eles fizeram um disco lindo, inspirador e incrivelmente estimulante, e sei que estavam muito animados para tocá-lo para as pessoas. O mundo certamente se beneficiaria do que eles trariam, e no minuto que for seguro [fazer a tour], eles estarão lá fora, levando sorrisos a rostos de todos os lugares. Eu não pensei em mim ou no meu lance solo. É difícil pensar em si mesmo quando o mundo inteiro está sofrendo ao mesmo tempo. Nós vamos superar isso e, quando acontecer, talvez haja uma pluralidade de discos do Pluralone para servir de base para os shows.

Eu não pensei em mim ou no meu lance solo. É difícil pensar em si mesmo
quando o mundo inteiro está sofrendo ao mesmo tempo.

Marcio: Suas apresentações futuras, baseando-me no que soube, serão não apenas solo, mas realmente solo. Só você, sem banda e sem os convidados que apareceram no disco. É isso mesmo? Como serão esses shows? Terão baterias eletrônicas ou outras coisas programadas?

Josh: Eu criei um semicírculo de coisas para bater, tocar, soltar loops e fazer uma bagunça. Seria sensacional. Eu ainda não sei exatamente o que eu faria ou no que eu estava pensando. Vamos ver o que o futuro reserva.

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Marcio: Além da tour, que outras atividades estão na sua mira? Algum lançamento do Dot Hacker?

Josh: O primeiro disco do Dot Hacker será relançado em breve com alguns extras. Essa banda não está acabada de jeito nenhum. Eu acabei de mandar mensagens para os caras perguntando se devíamos fazer um webcast de quarentena. E, como eu disse, se pudesse, teria músicas prontas, já nas próximas semanas, para outro disco do Pluralone. Também queremos gravar outro disco do Bicycle Thief. Muita coisa pra fazer!

Marcio: Já que estamos falando do Dot Hacker, o que os outros caras têm feito ou estavam fazendo, antes da quarentena? Seria possível ver a banda em uma grande turnê em breve?

Josh: Uma grande turnê? Como assim? Todo mundo está sempre ocupado. Clint gravou um ótimo disco, que provavelmente será lançado em breve. Eric tem excursionado sem parar, com diferentes pessoas, e Jonathan tem feito muitos shows, também com diferentes nomes. Na verdade, eles todos estavam em um cruzeiro no Caribe quando isso tudo começou. Foi louco. Tocando com diferentes bandas dos anos 80, num navio, quando a indústria de cruzeiros parou. Doideira. Mas eles estão bem. Adoraria excursionar com esses caras. Novamente, eu ficaria surpreso se não aparecêssemos em algum lugar mais cedo do que mais tarde.

Marcio: Durante o show dos Chili Peppers no Rock In Rio de 2017, você tocou a introdução de “Menina Mulher da Pele Preta”. Eu estava na plateia e pirei. Reconheci a música, até porque foi a primeira do Jorge Ben que eu toquei na vida, quando tinha uns 18 anos. Então, no ano seguinte, você mandou a música inteira no Lollapalooza, em São Paulo, e aí todo mundo pirou. Como é seu relacionamento específico com a música brasileira? Como descobriu o Jorge Ben? Saca Tim Maia? Você precisa conhecer a obra dele, cara. David Byrne é fã e lançou um disco do Tim pela Luaka Bop.

Josh: Naquela última tour do Lollapalooza, um amigo me desafiou a gravar “Menina Mulher da Pele Preta” e a música italiana que também lancei em 7”. Aceitei o desafio. Como eu descobri a música brasileira? É difícil dizer. Lembro de estar mergulhado em Getz/Gilberto quando eu era adolescente. João Gilberto foi o ponto de partida, acho. Lembro de ser apresentado a um monte de coisas através do Stereolab. Eles tinham uma mix no site deles no fim dos anos 1990 ou começo dos 2000, e a primeira faixa era uma pela qual sou obcecado até hoje: “Mané João”, da Wanderléa.

Houve uma época em que parecia que todo mundo que eu conhecia de repente amava Os Mutantes. Era evidente que a cultura brasileira irradiava uma música incrível. Ritmos incríveis e um belo lirismo tanto nos instrumentos quanto na maneira como a língua é cantada.

Baden Powell, Jorge Ben, Tom Zé… Todas essas pessoas estavam em alta rotação nos meus vinte e poucos anos. Colecionadores de disco estavam quebrando barreiras e procurando música nova em toda parte. A Tábua de Esmeralda sempre foi um dos meus discos favoritos. Impressiona quão forte e clara é a gravação. É um modelo de beleza a ser seguido. Me esforço para ser mais daquele jeito sempre, e embora eu ainda não tenha chegado perto, sigo tentando. Tenho realmente amado o Tim Maia. Eu estava escutando muito seus primeiros discos quando estávamos no Brasil, perto do meu último aniversário. Um amigo sugeriu os discos da fase Racional a outro amigo durante aquela viagem. Quando ele disse “Tim Maia”, eu não me liguei, pois nunca tinha escutado o nome dele sendo pronunciado. Tenho escutado muito nos últimos seis meses.

Duas das minhas lembranças brasileiras favoritas são com Mauro Refosco
[percussionista brasileiro radicado nos EUA que participou dos discos I’m With You e The Getaway, dos Chili Peppers, e foi músico de apoio na tour do primeiro]. Uma foi ele nos levando para encontrar o Uakti [histórico grupo instrumental], em Belo Horizonte. Alguns dias depois, invadimos a loja Contemporânea, em São Paulo. Incríveis lembranças. Tenho saudades do Mauro. Inclusive, esse é outro disco que quero gravar: com Mauro, outro amigo nosso na bateria e percussão e eu fazendo alguma coisa. Todas as músicas apenas com eles dois e eu tocando um instrumento. E só. Overdub mínimo.

Sonhos [escreve Josh, em português]. Ei, talvez esse vá ser o nome!

Mané João, da Wanderléa, é uma música pela qual eu sou obcecado até hoje.

 

Marcio: A Eletrochoque Store está vendendo para os fãs brasileiros produtos oficiais do Pluralone/Dot Hacker. As estampas são bem legais. Quem criou aqueles designs? O que há por trás da logo que parece com a da PanAm? Diga às pessoas por que elas devem comprar itens oficiais das suas bandas, cara (risos).

Josh: Você gostou deles? Legal! Acho que eu cheguei a todos os designs. O lance da PanAm é uma coisa bem anos 90. Naquela época, parece que todo mundo encontrou uma logo de empresa para se apropriar. Essa acabou funcionando perfeitamente. Eu estava olhando para ela em um livro de logos que eu tenho.

Sempre amei aquela logo. A cor, a [fonte] Helvetica… Também ajudou a destacar que é “PluralOne”, deixando o “O” em caixa alta. Ainda não encontrei uma logo própria para mim. Ainda não. Roubei uma do Duchamp, que é a minha atual. A questão do merch é engraçada. Há uma parte de mim que ama a abordagem do Fugazi, de nenhum produto, só música. Por outro lado, pode ser muito divertido projetar coisas e vê-las em camisas e adesivos. Eu queria ter mais tempo para desenhar mais coisas. Se as pessoas comprarem mais, farei mais! Ha! Mas, por favor, só comprem se vocês gostarem, e não para me deixar feliz.  ; )

Acho que as redes sociais estão fazendo mal para a gente, no geral.

Marcio: A última: alguma chance de, um dia, Josh Klinghoffer usar as redes sociais?

Josh: Dia desses eu estava falando exatamente sobre isso com o meu terapeuta. Eu nunca direi “nunca”, mas acho tosco. Não estou dizendo que as pessoas não devem usar, mas é que eu tenho muita coisa para fazer. É engraçado, porque depois de ter essa conversa com o meu terapeuta, o assunto surgiu. Eu estava falando sobre minha aversão pelas mídias sociais quando fui convidado por amigos de todo o país para assistir ao vivo, via stream, a uma série de apresentações musicais que tinha como objetivo ajudar comércios locais fechados por causa da Covid-19. Eu tive que me inscrever no Facebook para assistir! Nas duas horas em que eu estive lá, assistindo, não curti o fato de não conseguir evitar o impulso de procurar por algumas pessoas na rede. Cancelei a conta no minuto em que a live acabou. Felizmente, o Andrew, que toca a ORG [Music, selo que lança os projetos de Josh], vai postar coisas por mim.

Quando ele me mandar passear e falar que eu mesmo devo postar, terei que ver o que fazer. Provavelmente pedirei que minha irmã poste, pois vou evitar o máximo que puder. Acho que as redes sociais estão fazendo mal para a gente, no geral.

——

E com um “muito amor a todos”, novamente em bom português, Josh se
despediu.