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Resenha: Kelly Lee Owens encontra a própria voz no minimalismo de "Inner Song"

Com melodias espaçadas, foco na repetição e uma temática melancólica, o segundo álbum da DJ Kelly Lee Owens é um dos destaques do ano.

Kelly Lee Owens - "Inner Song"

Nos meses que antecederam o lançamento de Inner Song, um grande foco nas entrevistas com Kelly Lee Owens foi a natureza como protagonista das consequências da evolução humana e também como instrumento para a exposição de ideias.

No caso de Owens, o uso do natural como camada de som é um tema recorrente. O exemplo mais recente é “Melt!”, o primeiro single de seu novo álbum, que utiliza o derretimento de uma geleira no ártico como o sample principal de um hit house perfeitamente calculado para ser tocado em boates ao redor do mundo. Juntamente de sons de trens circulando pela sua cidade e pessoas patinando no gelo, Owens possui uma fixação por barulhos não ortodoxos e busca incorporá-los de forma natural em sua música.

Mas enquanto a natureza age como base sonora em Inner Song, a temática do disco é focada quase que integralmente na jornada de Owens para a autoaceitação após o que ela denomina ter sido “os piores três anos” de sua vida. Em “On”, o término de um relacionamento destrutivo é detalhado por meio de uma base instrumental progressiva — embora possua um tom melancólico e lento no início, a canção eventualmente se desenvolve para uma combinação de vocais angelicais sobrepostos a uma base eletrônica repetitiva, mas poderosa.

Indo na contrapartida de diversos produtores atuais, Owens glorifica o minimalismo. Em canções como “Flow” e também “Jeanette”, uma homenagem para a sua falecida avó, a DJ deixa um espaço enorme entre batidas e melodias de sintetizadores — em vez de preencher esses espaços com mais sons, camadas e instrumentos, Kelly aposta em loops hipnóticos e melodias precisamente calculadas. Um dos maiores destaques da técnica de Owens como produtora é a faixa de abertura “Arpeggi”, uma releitura do clássico “Weird Fishes/Arpeggi”, do Radiohead. Na versão, Kelly abandona completamente as letras de Thom Yorke e foca apenas na melodia da canção original — lentamente criando momento ao longo da faixa até o momento do “drop”, onde o sintetizador é jogado para o segundo plano e as batidas são trazidas para frente.

Outra excelente jogada de Owens em se tratando de priorização de sonoridades se diz a respeito de sua própria voz. Em seu primeiro disco, a produtora utilizava a voz como apenas mais um instrumento melódico, buscando não tirar a atenção do instrumental eletrônico. Em Inner Song, a voz de Kelly toma as rédeas em diversas canções, com letras muito bem trabalhadas sobre perdas e o longo processo de aceitar ser sua melhor companhia, tema recorrente ao longo do disco.

De forma geral, Inner Song se destaca por ser um trabalho focado, com temática muito bem definida e uma sonoridade global. Mesmo se você não se interessa por música eletrônica, existe uma gama de estilos e ritmos que tiram suas inspirações dos mais diversos gêneros — seja no pop de “L.I.N.E.” ou na colaboração “Corner of My Sky” com o ícone da música indie John Cale (Velvet Underground), Owens entregou o que é facilmente um dos melhores álbuns do ano.