Nos últimos dias, o mundo do Pop Punk viu a resolução (pelo menos por enquanto) de um dos casos mais antigos de crimes sexuais na cena.
Steve Klein, ex-guitarrista e cofundador do New Found Glory, recebeu sua sentença e foi condenado por “exposição indecente” em um caso que envolvia pornografia infantil. A situação, para resumir, tinha a ver com o músico usando o site de conversas anônimas Omegle para ter relações sexuais online.
As condenações não dizem nada à respeito de pedofilia e, em uma nova carta aberta publicada por Klein (via Chorus.fm), ele deixou claro que o site requer a verificação de maioridade para qualquer participante e, portanto, ele assumiu que todas as pessoas ali tinham mais de 18 anos.
O extenso comunicado de Steve entra em detalhes com relação aos motivos para tudo, inclusive citando a relação deteriorada com sua ex-esposa como um agravante para as acusações. Você pode ler tudo na íntegra abaixo para entender nas palavras dele próprio.
Carta de Steve Klein (ex-New Found Glory)
Eu tenho muito a discutir, e eu espero que vocês tirem um tempo para ler tudo. Mas para falar logo da maior questão:
Eu não sou um pedófilo.
Eu resolvi não contestar uma acusação de exposição indecente. Essa acusação não tem nada a ver com crianças, menores, ou qualquer pessoa menor de idade. Foi adicionada como parte do acordo.
Todas as acusações criminosas originais foram retiradas.
Sim, eu tenho que me registrar como criminoso sexual.
Não, isso não significa que eu admiti qualquer crime envolvendo pornografia infantil.
(Para contextualizar, uma pessoa que seja pega urinando na rua pode ser acusada de exposição indecente e pode precisar se registrar como criminosa sexual.)
***
Em 2013, eu fui acusado de sete crimes. Depois de oito longos anos com o sistema judicial de San Luis Obispo, eu decidi aceitar um acordo com a Promotoria Distrital do Condado de SLO.
Com esse acordo assinado, eu posso finalmente falar por mim mesmo em relação aos detalhes do meu caso e do que eu vivi nestes últimos anos.
Por conselho do meu advogado, da minha família e dos meus amigos, eu relutei mas concordei com uma acusação criminosa de exposição indecente para acabar com esse capítulo horrível da minha vida. Essa acusação é conhecida como ‘wobbler’, significando que ela vai subsequentemente ser reduzida para uma contravenção depois que um ano de liberdade condicional se completar. Mais ainda, como parte do acordo, eu preciso me registrar como um criminoso sexual de grau um. De acordo com a SB 384 do estado da Califórnia, registro sexual de grau um é o nível mais baixo de ofensas sexuais, incluindo exposição indecente [quando considerada como] contravenção. De acordo com a lei, eu serei registrado como criminoso sexual temporariamente, mas eu não estarei listado na Lei de Megan e não terei nenhum tipo de restrição significativa.
Eu gostaria de ressaltar que eu estava preparado desde o começo para enfrentar essas acusações em julgamento. No entanto, depois de oito longos anos de devastação mental e emocional e centenas de milhares de dólares já gastos defendendo a minha inocência, meu advogado e eu sentimos que concordar com esse acordo era o melhor curso de ação para deixar isso pra trás sem que isso tenha mais um peso na minha saúde mental e emocional. A decisão de [fazer um] acordo para essa acusação de crime ao invés de seguir em frente para o julgamento e tentar limpar meu nome integralmente foi difícil, mas no fim, a possibilidade do meu caso continuar se arrastando por um período indefinido de tempo não valia mais continuar deixando minha vida parada.
O que tornou esse acordo palatável para mim é que ele não diz nada a respeito de pornografia infantil ou de menores. Um acordo envolvendo crimes dessa natureza teria sido absolutamente inaceitável para mim, e é por isso que eu continuei a lutar para limpar meu nome por tanto tempo.
Por esse caso estar em curso, eu não pude discutir os fatos nem me defender publicamente para além do meu comunicado inicial em 2014. Eu tive de permanecer em silêncio enquanto as pessoas tiravam suas próprias conclusões e julgamentos, enquanto jornalistas lançavam histórias sensacionalizadas que não possuíam discernimento real. Meu silêncio só permitiu a perpetuação de informações falsas.
Vinha sendo difícil para mim continuar em silêncio em relação às circunstâncias que levaram a esse ponto, mas agora eu quero explicar as coisas direito.
Enquanto eu viajava em turnê eu comecei a usar o site Omegle para fazer sexo online com mulheres aleatórias, anônimas, as quais eu acreditava todas serem maiores de 18 anos. O Omegle era um site de conversas em vídeo anônimas que obrigava todos os usuários a verificarem suas idades em duas telas separadas. Eu justifiquei esse comportamento a mim mesmo como uma forma de lidar com meu casamento em deterioração e o estresse de estar longe de casa sem me tornar fisicamente ou emocionalmente ligado a alguém. Em algum momento, eu comecei a gravar esses encontros para guardá-los para o meu uso pessoal. Eu eventualmente percebi que eu estava tentando compensar a falta de conexão física no meu relacionamento da vida real. Para ser claro, eu nunca compartilhei esses vídeos com ninguém.
Para explicar como esses vídeos me levaram a ser acusado de possuir pornografia infantil, eu preciso falar alguns detalhes mais explícitos sobre seus conteúdos. Os vídeos específicos que foram usados como evidência na audiência preliminar me mostravam expondo [partes íntimas], bem como corpos femininos nus do pescoço para baixo, alguns apenas com seios expostos, outros com apenas a área púbica exposta, e tudo sem rostos visíveis. Ainda que todos os vídeos tenham sido feitos usando o site para maiores de 18 anos, a promotoria inicial foi capaz de justificar essas acusações com base em um relatório policial que arbitrariamente designou idades a essas estranhas da internet. Além disso, a promotoria obteve um(a) pediatra como uma testemunha especialista, que usou uma teoria invalidada chamada de escala Tanner para julgar a idade das mulheres em alguns dos vídeos. Foi a opinião do/da pediatra, baseada nessa escala, que algumas dessas mulheres tinham menos de 18 anos devido a características sexuais secundárias como tamanho dos seios e pelos pubianos ou ausência destes. Essa escala já foi criticada no passado por ter levado a condenações falsas de pornografia infantil, e já foi discutido pelo próprio Dr. Tanner que a classificação de idade com base em sua escala não representa a sua intenção de uso original. O ponto disso é que as idades que foram citadas no relatório policial, bem como na audiência preliminar, são baseadas unicamente nas opiniões questionáveis do/da pediatra e do/da detetive.
Eu acredito que o relatório policial é enviesado, porque durante a descoberta de procedimentos de prova, meu advogado obteve emails entre o/a detetive e minha ex-mulher nos quais eles tiveram conversas sobre meu caso intercaladas com conversa fiada amigável sobre vários tópicos, incluindo conselhos de fotografia, viagens e até detalhes a respeito de outros casos que ele vinha investigando. Mais ainda, havia emails faltando do tópico de conversa que foram deletados e portanto não foram admitidos como evidência. Meu advogado questionou a minha ex em relação ao relacionamento pessoal antiético deles e os emails deletados durante a audiência preliminar, e ela admitiu que eles tinham se tornado amigos, e relatou que os emails foram deletados porque ela não queria que suas crianças os lessem…o detetive disse que eles foram deletados porque ‘a investigação havia acabado’.
***
As circunstâncias ao redor de como esses vídeos foram trazidos à luz tem muito a ver com o relacionamento que minha ex-mulher e eu tínhamos na época.
Desde o começo, nosso relacionamento foi longe do ideal. Na minha experiência, estar em uma banda que fazia turnês 10 meses por ano não era algo que conduzia a um relacionamento saudável. Nossa parceria sofreu muito como resultado. Em 2006, pouco depois do nascimento da nossa primeira filha, minha então-namorada me informou que estava infeliz vivendo em Coral Springs, na Flórida, e queria estar mais perto de sua família na Califórnia. Não muito tempo depois de nos mudarmos para o outro lado do país, ela ficou grávida com nossa segunda filha. Eu senti uma pressão maior para tomar uma atitude e me casar com ela por conta de nossas filhas.
Eventualmente, eu percebi que não estava apaixonado por ela. Depois de 10 anos juntos, eu comecei a procurar relacionamentos emocionais com outras mulheres enquanto estava na estrada. Eu vim a descobrir que ela vinha fazendo o mesmo com outros homens. Na verdade, ela estava tendo um caso com o marido de uma amiga, o que levou ao divórcio daquele casal. Apesar de nossas infidelidades, nós concordamos em tentar e fazer o nosso relacionamento funcionar e procuramos terapia de casais.
Em Setembro de 2012, minha esposa encontrou o HD contendo os vídeos que eu gravei. Ainda que já estivéssemos na terapia de casais, ela estava procurando por provas de infidelidade como foi dito por ela em uma entrevista com o detetive, no que eu acredito que era uma tentativa de construir um caso de divórcio contra mim. Ela os levou a um advogado de divórcio, que a indicou a um advogado de defesa criminal em SLO. Ele a aconselhou a levar essas gravações à polícia. Ela esperou alguns dias, e aí eventualmente ligou para o xerife do Condado de SLO. Um(a) delegado(a) e investigador(a) de crimes sexuais veio à nossa casa para entrevistá-la e confiscar meu HD como evidência.
Os vídeos naquele HD são a única base de acusações contra mim.
Eu estava em San Francisco produzindo um disco enquanto tudo isso acontecia. Minha esposa me contatou para me dizer que ela encontrou esses vídeos e mudou nossas chaves. Ela me disse para não voltar pra casa e que estava entrando com o pedido de divórcio. Eu fui pego completamente de surpresa por isso, uma vez que já havíamos discutido nossas infidelidades e estávamos na terapia de casais. Ela então obteve custódia emergencial das nossas filhas. Como resultado disso, eu só pude vê-las em certos dias em lugares públicos — elas não poderiam vir à minha casa ou ficar uma noite. Eu fiquei devastado e desesperado para ver minhas filhas, e a única forma da minha esposa me permitir quaisquer mudanças ao acordo de custódia era que eu assinasse papéis de divórcio, dando a ela a nossa casa para criar nossas filhas, e fizesse uma avaliação psiquiátrica. Eu rapidamente concordei com todas essas coisas para poder ver minhas crianças. Olhando pra trás agora, isso parece chantagem. De maneira interessante, ela queria que eu fizesse uma apólice de seguro de vida como parte do divórcio também — ela sabia que eu estava prestes a ser acusado desses crimes, mas eu não. Logo depois que eu cumpri com os pedidos dela, eu obtive guarda conjunta das minhas filhas e pude tê-las por três dias por semana, inclusive passando noites. Esse arranjo continuou sem incidentes pelo próximo ano. Durante aquele ano, nós tivemos contato amigável através de mensagens e emails com ela até mesmo me dizendo em um momento que sentia a minha falta.
Um ano depois, em Setembro de 2013, com o nosso divórcio e acordo de guarda tendo já sido finalizado, minha residência foi invadida por policiais armados enquanto eu arrumava minhas filhas para a escola. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo, ou sequer que eu estava sendo investigado. O comportamento de alguns desses policiais me incomodou por eles estarem mais preocupados em puxar conversa sobre em qual banda eu estava e que turnês eu tinha feito. Minha ex sabia que minha casa seria invadida nesse dia enquanto minhas filhas estavam lá — na verdade, ela chegou na cena cinco minutos depois para buscá-las. Isso foi traumático para as minhas filhas, e pra mim sempre foi difícil entender por que ela permitiria que nossas crianças passassem por tal experiência. Como resultado da operação, a polícia entregou meu laptop que eu usei para fazer esses vídeos ao FBI para uma análise forense detalhada. O FBI não encontrou nada que pudesse servir como evidência para as acusações já feitas contra mim. Reiterando: Nada foi descoberto nessa operação surpresa para me incriminar.
Nesse momento eu soube que precisaria de representação legal, e eu fui indicado a um advogado de defesa criminal que era o mesmíssimo advogado que aconselhou minha ex a levar o HD à polícia — um enorme conflito de interesses. Eu não sabia disso na época, então eu o contratei. Ele disse que falaria com a promotoria, e ele me assegurou que estava qualificado para lidar com o meu caso. Um mês depois, enquanto eu estava em turnê, eu recebi uma ligação dele me dizendo que eu estava sendo acusado. Eu expliquei que estava prestes a sair [do país] para uma turnê na Austrália, então ele falou com a promotoria e houve um acordo de que eu não seria acusado até voltar pra casa. Meu advogado então me informou que ele iria se retirar do meu caso sem me dar qualquer motivo, e tentou me empurrar para outro advogado de seu escritório. Eu decidi procurar minha representação em outro lugar. Depois eu questionei esse advogado sobre o conflito de interesses, e ele mentiu sobre ter tido qualquer contato com minha ex apesar do fato dela tê-lo nomeado durante a audiência preliminar e pouco depois ter representado seu novo parceiro durante um outro caso criminal não relacionado.
Depois de saber das minhas acusações, eu imediatamente informei um dos dois empresários da minha banda. Meu advogado e meu empresário ambos me aconselharam a não falar nada para a banda ou para o outro empresário durante a turnê. Em 12 de Dezembro de 2013, o dia em que cheguei em casa, eu imediatamente liguei para o outro guitarrista e expliquei a situação, incluindo as acusações e o meu arranjo pendente. Eu disse a ele que iria ligar para todos os membros individualmente, mas eu não tive a chance disso. Menos de 30 minutos depois, eu recebi uma ligação de toda a banda durante a qual eu fui demitido. Eles divulgaram um comunicado naquele mesmo dia. Eu entendo que esse tipo de acusação provoca uma reação visceral e que o controle de danos viria em seguida, mas depois de 20 anos de amizade, eu fui surpreendido por quão rapidamente eles chegaram à decisão de me demitir. Eles não quiseram me ouvir, e eles passaram a conversa [toda] reclamando para mim sobre como isso iria afetá-los. De maneira chocante, um dos membros da banda disse que ele estava tão envergonhado pelas acusações que ele preferia que eu tivesse sido acusado de assassinato. Eu sabia nesse ponto que eu nunca teria a chance de explicar, nem de ser ouvido com qualquer lógica ou motivo. Eu não falei com nenhum dos membros da banda desde aquele dia.
Minha acusação aconteceu no dia 13 de Dezembro de 2013. O juiz me liberou ao meu próprio reconhecimento sem qualquer fiança. Ele não me considerou um risco de fuga, nem um perigo à comunidade.
Depois da acusação, a batalha de guarda com a minha ex-esposa aumentou. Apesar do fato de já termos estabelecido guarda conjunta, ela pediu permissão para se mudar com as crianças para Idaho junto com seu parceiro atual, algo que eu contestei fervorosamente. Cinco meses depois de eu ser formalmente acusado, e uma semana antes da data [de aparição] da nossa família no tribunal, as acusações coincidentemente se tornaram públicas. Subsequentemente, o juiz da corte familiar decidiu que por conta dessas acusações, ele permitira que minhas filhas se mudassem para longe de mim. Depois da mudança em 2014, eu fui gradualmente sendo cortado de todo contato com minhas filhas, em violação direta do nosso acordo de guarda pré-existente. Isso causou dano irreparável ao meu relacionamento com minhas filhas, e é a consequência mais devastadora que eu tive em meio a tudo isso.
Durante os próximos sete anos, minhas idas ao tribunal eram adiadas constantemente, com novos promotores sendo inexplicavelmente designados ao meu caso. Cada novo promotor então pedia extensões para ter tempo de analisar a evidência. Esse ciclo se repetiria, e meses se transformavam em anos sem qualquer progresso. No total, houve um total de nove promotores diferentes designados ao meu caso desde 2013.
Pulando direto para o final de 2020, com outra promotora designada ao meu caso. Com base na análise dela da evidência, ela concluiu que meu caso inicialmente havia sido ‘sobreacusado’ — uma tática usada pela polícia na qual acusações adicionais são adicionadas, as quais eles podem não ser capazes de provar no tribunal, na esperança de forçar o réu a aceitar um acordo — e que a evidência não a levava a acreditar que eu era um pedófilo.
A partir de então, começamos a negociar um acordo.
***
Depois de vários anos de terapia, eu hoje entendo que procurar gratificação sexual online e salvar essas gravações foi um mecanismo não-saudável que eu usei para lidar com o meu casamento decadente. Ainda assim, eu ainda tenho dificuldade em aceitar como essa escolha aparentemente inócua ainda que descuidada me fez perder tanto. Eu admito que o que eu fiz foi infiel à minha esposa. No entanto, eu acreditei com todo meu coração que todas as pessoas com quem eu interagia naquele site tinham mais de 18 anos de idade.
Ainda que eu continue me arrependendo de diversas decisões que eu tomei no passado, eu não me arrependo da pessoa que me tornei hoje. A terapia me ajudou a entender esses comportamentos não-saudáveis. Eu cresci e fiquei mais maduro do que eu jamais teria ficado de outra forma, e eu agora estou formando relações e amizades mais fortes e mais significativas. Eu realmente não sabia quem eu era antes dessa experiência, uma vez que previamente, minha única identidade era estar envolvido em tocar em uma banda em turnê. Esses anos me deram tempo para refletir sobre quem eu sou e quem eu quero ser, e eu continuo a trabalhar duro para melhorar a mim mesmo pessoalmente e profissionalmente. No geral, eu acredito que não foi tempo perdido. Eu tenho orgulho da pessoa que eu me tornei e da música que eu continuo a fazer. Eu me considero sortudo por ter tido amigos que ficaram do meu lado durante tudo isso. Todo esse processo tem sido um pesadelo, mas às vezes as pessoas precisam passar pela escuridão para realmente apreciar a vida.
Dito tudo isso, eu não consigo imaginar o que minhas filhas passaram, que impacto isso teve em suas vidas, ou como elas passaram a se sentir em relação a mim. Minhas tentativas de ter contato com elas foram mal sucedidas, especialmente uma vez que eu acredito que seus sobrenomes foram mudados sem minha permissão. O fato de eu ter perdido uma parte significante de suas infâncias é devastador, mas eu só posso esperar que um dia elas queiram me ter em suas vidas novamente.
Novamente, eu me arrependo profundamente das ações que levaram a essa situação e eu peço sinceras desculpas aos meus amigos e fãs que sentiram qualquer decepção comigo nos últimos oito anos. Eu tenho esperanças que ao explicar minha perspectiva e colocar minha experiência no mundo em completa transparência, as pessoas poderão encontrar entendimento.
Obrigado por ler.
-Steve Klein