Spotify, Soundcloud e como funciona o pagamento nas plataformas de streaming

Dani Ribas, especialista na área, explica os modelos de pagamento pro-rata e user-centric, e fala sobre Spotify, Deezer, TIDAL e mais.

Soundcloud e Spotify
Foto Stock via Shutterstock

Por Dani Ribas

Recentemente o Soundcloud anunciou que vai começar a pagar artistas de forma mais justa, num cálculo em que o dinheiro da assinatura de determinado ouvinte será distribuído somente entre os artistas efetivamente ouvidos por aquela pessoa. Esse sistema vem sendo chamado de user-centric ou centrado no fã, diferente do sistema praticado por todas as plataformas hoje (Spotify, Deezer, Apple, Tidal, etc).

A questão não é simples como aparenta ser. Recentemente fiz dois vídeos em minhas redes sociais explicando as diferenças entre o modelo atual chamado pro-rata e o estudo, iniciado pela Deezer, chamado user centric.

 

Mas o que muda com o anúncio do Soundcloud?

Mas será que o anúncio do Soundcloud realmente pode ser recebido com a euforia que foi? Será que isso muda alguma coisa para os músicos?

Claro que qualquer iniciativa para alterar o sistema de pagamentos no ambiente digital é bem-vinda. Mas o ponto chave é: quem vai querer deixar a comodidade do Spotify, Deezer, Apple (que têm quase todo o catálogo mundial por um preço menor do que custava 1 CD nos anos 1990) ou do Youtube, que têm tudo e custa nada, para procurar o artista em outras plataformas e ouvi-lo por lá? Ou seja, pagamentos mais justos envolvem não só o modelo de negócio das plataformas mas TAMBÉM uma disposição do público em mudar hábitos – que apesar de recentes já são arraigados.

Outro ponto importante, que costuma ser ignorado: o custo operacional de individualizar cada sistema de pagamento por usuário é enorme. O volume de transações financeiras aumentaria muito e exigiria uma estrutura operacional muito mais robusta das plataformas – e se fosse repassado à estrutura de custos talvez não significasse um aumento nos royalties dos artistas. Esse tipo de cálculo só é possível em plataformas pequenas, com poucos usuários, o que continua não resolvendo o problema da má remuneração dos artistas. Voltamos, portanto, à questão do hábito do público em deixar as grandes plataformas.

Hábitos do Público de Música

Os hábitos do público e suas motivações para ouvir música são, para mim, o tema central da indústria da música na próxima década. Todas as newsletters internacionais que sigo – MidIA Research, Chartmetrics, Soundcharts, Music Ally, Water & Music, Music X, etc. – a cada dia me dão mais argumentos para pensar assim. Claro que o Big Data ajuda a compreender os hábitos do público, mas eles nos dizem pouco sobre a MOTIVAÇÃO desses hábitos. Aí está a chave da questão, que se reflete inclusive na escolha das plataformas, e não apenas dos artistas ouvidos. Felizmente sou especialista nessa questão, estudo há 20 anos o assunto, defendi um doutorado sobre isso e desenvolvi um método próprio para usar a motivação do público a favor do projeto artístico. Você pode ver mais detalhes aqui.

Mais Dinheiro Para os Artistas Menores?

Há quem diga que as grandes plataformas não adotam o modelo user-centric por pressão das gravadoras. O user centric esbarra sim no interesse das gravadoras, mas não é esse o real motivo de não ter sido implantado. É que ao individualizar o cálculo de 250 milhões de usuários pagantes ao redor do mundo ele se torna tão complexo que eles ainda não chegaram à conclusão de que isso realmente aumenta os royalties de artistas pequenos. Um excelente artigo explicando essa dificuldade é este aqui, do Centro Nacional da Música da França (coloca no Google Translator que dá pra ler).

Seria o início de uma pressão sobre os players?

Há quem diga que sim, que esse movimento é irreversível e acabou de começar. Concordo, mas só em parte. Minha opinião é a de que os artistas – maiores interessados – não sabem mobilizar os argumentos corretos nessa luta para aumentar seus pagamentos de royalties digitais. Empolgam-se com notícias como essa mas entendem realmente que o problema é muito mais amplo e complexo. Costuma-se elencar o Spotify e as outras plataformas como os grandes vilões, ignorando a pressão que as gravadoras majors exercem sobre todo o sistema. E ao ignorar esse ponto, não saímos do lugar porque estamos lutando contra o inimigo errado.

A divisão das receitas arrecadadas no streaming (que no Brasil é 30% para a plataforma, 3% direitos autorais de execução pública, 9% de direitos autorais digitais/fonomecânicos, e 58% direitos conexos) deveria ser repensada. Mas não tirando a margem da plataforma. Reduzir a margem do Spotify de 30 para 20% alteraria substancialmente a vida dos artistas? Não, definitivamente.

É necessária uma divisão mais equitativa, e sobretudo mais transparente, entre os hubs de pagamentos de direitos autorais e conexos. Os contratos individuais entre majors e grandes artistas, que justificam os investimentos em suas carreiras e também o alto percentual de 58% do total arrecadado pelas plataformas, acaba influenciando toda a cadeia – e mesmo quem não tem o mesmo modelo de negócio acaba tendo que se adaptar a ele. Esta é a pressão que as gravadoras, detentoras dos direitos conexos, exercem sobre o sistema em nível mundial, e que precisa ser discutida coletivamente.

É sobre este ponto que precisamos de informações mais claras, discussão coletiva (preferencialmente por meio de entidades representativas que puxem o debate), e políticas regulatórias que sejam capazes de equilibrar as distorções do sistema de streaming mundialmente e também em cada território nacional.

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* Dani Ribas é diretora da Sonar Cultural Consultoria. É Doutora em Sociologia (UNICAMP), professora de music business em diversas instituições, e consultora para planejamento e gestão de carreira na música, com base em análise de dados e tendências de comportamento de público. No Instagram Dani é @daniribas77