Por Nathália Pandeló Corrêa
Priscilla Alcantara quer se libertar das expectativas e trilhar o seu próprio caminho.
Das manhãs do SBT, onde foi uma das apresentadoras do Bom Dia & Cia ainda na infância, até o momento atual, quando se lança oficialmente como cantora Pop com o EP Tem Dias (Expansão), via Sony Music, foi uma longa trajetória que envolve quatro álbuns voltados para o mercado Gospel. De 2020 pra cá, no entanto, a artista vem dialogando mais com o Pop e o R&B, uma identidade que sempre transpareceu nas suas músicas e agora fica mais contundente com a produção de Lucas Silveira, da Fresno.
Continua após o vídeo
O EP que chegou às plataformas na última semana vem na esteira do sucesso da faixa título, “Tem Dias”, uma colaboração na composição que uniu Priscilla, Lucas e Karen Jonz — skatista vencedora de múltiplos títulos, sensação da internet durante as Olimpíadas e, também, esposa do músico. Além da já revelada “Correntes”, que abriu essa nova fase, o trabalho conta ainda com as inéditas “Boyzinho” e “Eu não sou pra você” — esta última com participação do próprio Lucas Silveira.
O objetivo é preparar o caminho para um álbum completo em breve, mas Priscilla faz dessa reintrodução no mercado uma reinvenção artística. Ela se permite explorar outras temáticas para além do Gospel, mas sem abrir mão daquilo que acredita. No meio termo entre a artista criativa e a pessoa física, surge um trabalho que já dialoga com o atual cenário do pop nacional.
Priscilla Alcantara conversou com o Tenho Mais Discos Que Amigos! sobre esse atual momento da carreira, as limitações do gospel e sua vontade de ir além. Confira abaixo!
TMDQA! Entrevista Priscilla Alcantara
TMDQA!: O seu som já era bem Pop, né? Ele era um som bem moderno, você já brincava com R&B, com vários elementos, mas agora você se posiciona de fato como uma cantora Pop, uma artista Pop. O que mudou pra você? O que fez você decidir fazer esse posicionamento?
Priscilla Alcantara: Eu acho que pontuar o gênero musical Pop se refere não só à sonoridade, mas é sobre a liberdade nas temáticas pra escrever, porque é muito difícil você exercer essa liberdade num gênero mais nichado, por exemplo, como Gospel. E já em um outro espaço você não precisa — falando de forma prática — se justificar tanto caso você queira escrever uma música romântica ou uma música sobre alguma outra experiência humana.
Então o posicionamento vem pra deixar isso claro. Eu acho que clareza é gentileza e eu passei esses últimos anos todos conversando muito com o meu público sobre o assunto, dialogando, discutindo esses tabus e a necessidade de quebrá-los pelo bem do cristão que é artista, porque ninguém merece viver com um peso sobre os ombros tão desnecessário. Então, esse posicionamento vem pra pontuar essa liberdade artística mesmo.
TMDQA!: Tá certo, faz sentido. Mas justamente, você levantou a questão da caixinha do Gospel, né? É curioso que aqui no Brasil, ele é visto parece que como uma herança da música americana, só que na verdade aqui é uma coisa um pouco mais plural, tem vários subgêneros dentro do gospel, você mesma já explorava outras formas de expressão. Você acha que essa limitação tanto artística quanto mercadológica foi uma das coisas que fizeram você pensar “eu tenho que me reinventar como artista pra eu dar esse passo adiante”?
Priscilla: Sim, com certeza. Toda vez que você limita um artista, é como se você estivesse matando a alma artesã dele, né? O artista precisa de espaço, ele precisa de oportunidades e tudo que se opõe a isso acaba matando o artista aos poucos e eu nunca quis ver a morte da minha alma artesã. Tudo aquilo que eu identificava que podia causar isso eu fazia alguma coisa contra, sabe? Então, eu não cedia a padrões que eu sabia que poderiam me machucar enquanto artista, abria espaços que não tinha.
Eu sempre fui desse lema, tudo pra garantir que a minha arte ia ser livre pra cumprir o propósito dela, independente da expectativa alheia ou do desejo pela padronização artística, sabe? É uma coisa que mesmo a base da fé cristã, que é a Bíblia, por exemplo, respalda ou pede de um cristão, sabe? Então acho que são muros que o ser humano construiu e que eu tô disposta a derrubar todos eles, pelo bem da minha sanidade! (risos) É bem isso que você falou, eu acho que é sobre essa liberdade sabe? E eu conversei muito com as pessoas sobre isso, quem parou pra ouvir pode crescer junto comigo e agora a gente só tá tornando isso um pouco mais prático.
TMDQA!: Tá certo. Agora, uma das coisas desse novo momento é que você fez questão de deixar claro que essa mudança musical, artística, não quer dizer que você mudou as coisas que você acredita, que você abandonou as suas crenças. E pensando no mercado do Pop nacional, ele é muito focado até na sexualização das cantoras. Não importa o quão talentosas elas sejam, existe sempre uma questão do quanto do corpo elas vão mostrar. Você já chega com uma mensagem forte e de resistência a vários padrões que reinam nesse mercado. Então, dentro dessa vontade de quebrar novas barreiras no gênero musical onde você estava, e agora diante dessa realidade, você de alguma forma sente que tá sempre remando contra a maré, sempre tentando abrir algum caminho?
Priscilla: Provavelmente. Eu não vou falar pra você que isso é consciente, às vezes é da minha natureza e eu nem percebo. Quando eu vejo, eu já tô remando contra alguma maré que eu nem vi que era uma maré, mas eu já tô lá (risos). Mas acho isso muito legal, eu acho que onde a gente tiver oportunidades pra se reinventar, pra talvez mostrar uma outra perspectiva, uma outra possibilidade, é sempre bom. E eu tô entrando mais nesse cenário para, como eu sempre falei, continuar sendo eu mesma, acreditando no que eu sempre acreditei, entregando algo que eu acredito. Não só algo que venda, mas algo que eu acredito e mostrar que existem muitas formas de uma mulher se apresentar artisticamente no cenário musical.
Dentro do mercado, existem muitas formas e eu vou vou ter a minha forma; assim como respeito todas as outras, eu vou ter a minha própria forma e eu sei que isso vai ficar muito claro no meio do caminho, conforme eu for montando o meu case no cenário Pop. É bem isso que você falou. Eu acho que é sobre, independente do lugar onde eu esteja, as pessoas sempre conseguirem identificar a Priscilla. Isso pra mim é muito importante.
TMDQA!: Faz sentido. Você cresceu cantando diante do olhar do público. E o olhar do público, dos críticos, da imprensa, nem sempre é gentil, é muito exigente com o que a gente entende como “astros mirins”. O que você acha que fez seu trabalho resistir ao tempo?
Priscilla: Eu acho que foram os limites que eu coloquei desde muito cedo. Eu sempre deixei muito claro que entre a minha arte, a minha vida pessoal, entre a artista Priscilla e a pessoa, existiam limites que, você aceite ou não, ele vai ter que ser respeitado porque eu não vou abaixar a guarda, sabe?
Então, por exemplo, eu comecei na vida pública muito cedo, mas ninguém tem ideia da minha vida pessoal porque em todos esses mais de quinze anos de carreira, eu sempre preservei muito a minha minha intimidade, porque minha privacidade é algo sagrado pra mim, sabe? Então, mesmo com todo esse sistema que às vezes é meio caótico, às vezes quer sugar demais do artista…
TMDQA!: Acho que parece até que torce pro artista falhar, sabe? Eles querem o fracasso.
Priscilla: Aí dá notícia, né? Existe um movimento assim. É muito triste que é um circo de horror. A gente se torna às vezes o erro, e a pessoa está sempre sujeita ao erro. A dor da pessoa como entretenimento é algo muito triste, mas o que eu acho que o artista em si pode e deve fazer é estabelecer os seus próprios limites.
Então, eu sempre falo pros meus fãs, eu amo muito eles. Sou super íntima, a gente tem um contato muito legal, mas vocês vão saber da minha vida até onde eu quiser que vocês saibam, porque existe uma linha que é minha e da minha família e dos meus amigos próximos, sabe? Então, esse tipo de coisa eu acho que pode ajudar muito a gente no caminho, porque às vezes as coisas tendem a se misturar, a arte deixa de ser o produto e o artista se torna esse produto. E é muito louco isso porque o artista não é um produto, ele não é algo, ele é alguém. Então eu acho que estabelecer seus limites faz com a gente se proteja ao longo do caminho.
TMDQA!: Falando sobre esse direcionamento musical mais especificamente, eu tava pensando que o Lucas e a Karen, por exemplo, que colaboraram com você nesse nesse trabalho novo, não parecem que eles ter muito em comum com você em um primeiro olhar, até musicalmente mesmo. O que você acha que uniu vocês três?
Priscilla: A Karen teve a participação na composição de “Tem Dias”. O Lucas teve envolvimento no álbum todo, porque ele que foi o produtor das dez faixas. Quando a gente olha pro Lucas, a gente tem aquela primeira impressão dele baseado no que ele apresentou artisticamente na Fresno, nos trampos solos e tal. Só que ele é um poço de genialidade, parece que tem dentro dele todos os gêneros musicais, ele tem literalmente a música dentro dele, independente de gênero, é muito louco.
Então, eu não posso dar muito spoiler, mas tem uma faixa que o Lucas produziu pra uma banda muito grande de K-Pop, um grupo de K-Pop feminino, e quando eu ouvi, eu peguei pra mim — óbvio, porque era muito boa, eu não ia deixar dando sopa (risos). E aí eu falei, “Cara, não é possível que você consegue ter uma visão pra fazer isso aqui, é muito genial”. Então foi uma surpresa pra mim e acho que é por isso que surpreende todo mundo. É literalmente uma surpresa.
TMDQA!: Eu vi que você fez nas redes sociais a campanha #AprendizdoPop pra demarcar melhor esse momento novo que você tá vivendo e aí, falando em se surpreender… depois de todo esse processo de repensar sua trajetória até aqui, o que você aprendeu sobre si mesma que te surpreendeu, que você não esperava saindo desse processo todo?
Priscilla: Eu aprendi muita coisa. Eu acho que, na verdade, o que mais aconteceu de evolução foi profissional mesmo, enquanto artista, porque a gente produziu esse álbum no contexto pandêmico de uma forma remota, o Lucas produzindo base no estúdio dele e eu gravando no meu quarto. Então como eu vou apresentar um álbum de estúdio, de qualidade, gravando no meu closet? E eu tive que aprender a fazer isso.
Eu mesma fiz a produção vocal, essa foi a minha primeira vez oficialmente fazendo isso. Foi um megadesafio lidar com os bloqueios criativos pra terminar de escrever as músicas. Então, tudo isso me ensinou resiliência, paciência, me desfazer da pressão mesmo e deixar que as coisas aconteçam de uma forma natural. Então, eu cresci tanto pessoalmente nesses aspectos e principalmente como profissional. Hoje eu me sinto muito mais desenvolvida na parte musical mesmo.
TMDQA!: Você tem uma discografia relativamente grande e você tá se relançando no mercado com um EP, um formato que tá se fortalecendo um pouco mais no mercado brasileiro. Antes não era tão comum, mas agora tá ficando um pouco mais com essa questão das plataformas e playlists. E eu queria saber o que você pensa sobre as novas possibilidades desse formato. Sei que depois disso vai vir o disco onde você vai fazer toda a narrativa mais completa, mas o que você acha que o formato do EP te possibilita agora?
Priscilla: Especificamente nesse processo que eu tô vivendo, foi uma forma legal de fazer uma apresentação, porque o ponto mais importante dessa fase não é só lançar a música, mas fazer as pessoas entenderem onde elas podem me reposicionar agora no mercado, que tipo de artista e que tipo de produção eu vou entregar pra elas agora.
Essa informação é mais importante do que qualquer outra coisa nesse momento. Então por isso que a gente estudou formas de fazer isso pra galera ter tempo de digerir, da notícia se espalhar, da galera entender e aí depois eu não preciso maquiar essa preocupação porque eu já vou estar reposicionada. Depois é só lançar álbum mesmo, mas antes era legal formar uma vitrine pra mostrar pro público e também pro mercado, o que vai acontecer a partir de agora.
Por isso que a questão do EP foi legal, porque a gente conseguiu fazer um prelúdio, deixar ali algumas informações mais explícitas, exemplos do que a gente vai propor e me liberar pra depois fazer os lançamentos de um álbum completo, por exemplo, mas foi mesmo com essa intenção de apresentação.
TMDQA!: De introduzir um conceito novo, né?
Priscilla: Isso mesmo.
TMDQA!: E eu tenho só uma última pergunta: você, como alguém que já tinha um público bastante expressivo, cativo, que acompanha o seu trabalho durante muito tempo… Como que você tá sentindo a receptividade das pessoas a essa nova identidade? Porque claramente é uma identidade que já faz parte de você, mas que tá vindo à tona mais forte agora. Você teve essa troca nas redes sociais com os fãs? O que eles passaram pra você?
Priscilla: Foi muito legal, é muito apoio e parece que era uma expectativa que a galera já tinha há muito tempo, foi isso que eu notei. Parece que as pessoas esperavam essa transição já há muito tempo! Li muito comentário tipo “finalmente”, “eu esperei muito tempo pra isso acontecer”, e isso é muito legal né? Quer dizer que as pessoas sempre me enxergaram como uma artista versátil e me deram esse apoio pra testar mais essa opção de atuação, então eu achei isso muito massa.
Também o apoio do próprio mercado, que tem acreditado em mim como um potencial pro Pop, pro cenário Pop brasileiro. Porque eu também estava no escuro, eu não sabia se a galera ia querer apostar em mim nesse cenário, sabe? Então eles poderiam dizer, “Ah não, a gente acha que não vai dar bom”. E muito pelo contrário, eu tô recebendo muito apoio, muito investimento realmente dessas pessoas.
A classe artística também me recebeu muito bem. Eu já tinha muito contato com a maioria dos artistas desse cenário, mas ter o apoio deles — tipo de Iza, Gloria, Maisa, essa galera toda que super se dispôs a estar ali comigo no promocional, mostrando que estão fazendo parte disso junto comigo, é super legal. Eu tô me sentindo como eu não estava me sentindo há muito tempo, feliz e realizada.
TMDQA!: O feat vem, hein? Já estamos na expectativa.
Priscilla: Eu não queria dar spoiler, mas ele vem! (risos)