Entrevistas

Do Punk ao Clássico: Moby fala com o TMDQA! sobre trajetória na música, ativismo e o ótimo "Reprise"

O ótimo Moby bateu um papo interessantíssimo com o TMDQA! sobre sua trajetória desde o Punk Rock até o novo "Reprise", que revisita grandes sucessos.

Documentário sobre a vida de Moby
Documentário sobre a vida de Moby

Referência na música eletrônica dos anos 90, Moby é uma pessoa naturalmente inquieta que sempre busca inovações.

Se havia alguma dúvida sobre essa eterna característica do músico, ela se esvaiu completamente depois do lançamento de Reprise, seu mais recente álbum que chegou em Maio de 2021 dando uma nova cara a grandes sucessos de sua carreira. Dessa vez, as canções aparecem em versões complexas, intrincadas e cheias de detalhes.

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Além da versão logo acima, que reimagina o hit “Porcelain” com a participação de Jim James (My Morning Jacket), o disco traz novas edições espetaculares de clássicos como “The Lonely Night” (com Mark Lanegan Kris Kristofferson), “The Last Day” (com Skylar Grey e Darlingside) e muito mais, sempre evidenciando o ótimo uso de Moby dos recursos que teve à disposição, como uma excelente orquestra.

Para entender mais sobre esse processo de composição e, claro, sobre a trajetória do artista na música e no ativismo, falamos com Moby em um papo pra lá de interessante. Confira na íntegra abaixo!

TMDQA! Entrevista Moby

TMDQA!: Oi, Moby! Primeiramente, que prazer estar falando contigo. Obrigado pelo seu tempo!

Moby: Olá! O prazer é todo meu.

TMDQA!: Estou bem feliz por poder falar sobre um projeto que parece tão especial pra você, que é o Reprise. Primeiramente, como foi pra você revisitar toda a sua obra e reimaginá-la de uma forma diferente? Quão divertido e desafiador foi isso?

Moby: Bom, uma coisa que foi interessante para mim — e não sei se vai ser interessante para mais alguém — foi simplesmente colocar tudo em um contexto pessoal histórico. E o que eu quero dizer com isso é que, quando eu estava crescendo, eu tocava em bandas de Punk Rock e bandinhas estranhas de New Wave e eu era DJ em um barzinho pé sujo minúsculo.

Então, conforme eu fui crescendo, eu não fazia ideia de que eu teria um contrato de gravadora. Eu nunca pensei que alguém iria ouvir as músicas que eu faço. E aí no fim dos anos 80 e começo dos anos 90, quando eu comecei a fazer música dance no underground, eu pensei que eu talvez faria um ou dois singles e seria isso, sabe? E eu iria virar um professor de filosofia — porque foi isso que eu estudei na universidade — e fazer música no meu quarto que ninguém iria ouvir. Então, não há nenhuma parte da minha carreira ou da minha vida como música que foi esperada por mim.

E da mesma forma que eu nunca pensei que eu teria um acordo com uma gravadora ou que eu lançaria músicas que alguém iria ouvir, eu certamente nunca pensei que poderia fazer um álbum dos meus maiores sucessos com uma orquestra na Deutsche Grammofon.

Para te dar uma perspectiva, quando eu tinha 19 anos de idade, eu me lembro de ir às lojas de discos e de abrir os pacotes de discos da Deutsche Grammofon e ficar pensando como eles pareciam tão… sofisticados e elegantes e europeus. Porque na época eu estava tocando em uma banda de Punk Rock e morando em uma fábrica abandonada.

Então, se você tivesse vindo até mim quando eu tinha 19 anos de idade, ganhando 2 mil dólares por ano e morando em uma fábrica abandonada e tivesse me dito que em algum momento eu conseguiria trabalhar com uma orquestra e um coral de igreja e fazer um disco para a Deutsche Grammofon, eu nunca em um milhão de anos teria acreditado que isso seria possível.

TMDQA!: E que bom que é possível, porque esse disco está muito belo. E acho que um dos destaques é a versão de “Porcelain”, claro, por ser na minha opinião um ótimo exemplo da sua maestria em desconstruir e reconstruir essas músicas sem exagerar — tipo, agora que você tem uma orquestra à disposição, não sinto que você usou coisas só por usar, mas sim foi colocando tudo na medida certa conforme cada música precisava.

Moby: Bom, parte disso é aprender com as outras pessoas — tanto o que elas fazem bem quanto o que elas fazem mal. E você está absolutamente certo: às vezes, seja com música orquestrada ou só com a música em geral, as pessoas vão usar coisas mesmo que elas não precisem ser usadas. E eu amo uma orquestra enorme; digo, há ocasiões em que ter uma enorme e poderosa orquestra é exatamente o que é necessário, e há outras ocasiões em que a orquestra deve estar quieta, ou a orquestra deve, sabe, várias das pessoas ali não deveriam nem estar tocando.

Meio que voltando não só para a música orquestrada do Rock como também para arranjos orquestrados de alguns dos meus compositores preferidos, eu aprendi com — ele é bem populista, mas aprender com o Ralph Vaughan Williams ou o arranjo de [Leonard] Bernstein para “Rhapsody in Blue”, ou até [Claude] Debussy, te faz perceber que algumas vezes se restringir é o aspecto mais importante de um arranjo. E até, tipo, eu penso em arranjos orquestrados mais orientados ao Pop ou ao Rock — porque, quando eu comecei a trabalhar no disco, eu pensei em uma lista de arranjos orquestrados de Rock que eu realmente gostava.

Obviamente no topo dessa lista tinha que estar Nights in White Satin, do The Moody Blues, uma das primeiras gravações orquestradas de Rock e uma das melhores, mas também uma das minhas preferidas é a música “The Boxer”, de Simon & Garfunkel, que eu acho que também pode ter sido a primeira música a usar uma drum machine em uma gravação Pop. Mas a orquestra ali nem chega a entrar antes do último minuto da música, e é essa qualidade de restrição que eu realmente aprecio.

TMDQA!: Sensacional. Queria que você falasse um pouco mais sobre qual foi o seu envolvimento propriamente dito nesse processo, com os arranjos e tudo mais, já que tivemos tantas pessoas envolvidas nesse disco.

Moby: O único momento em que eu não estive envolvido foi em escolher os microfones para gravar o quarteto de cordas da orquestra, porque eu sei como microfonar uma bateria, eu sei microfonar uma guitarra, eu não sei como microfonar uma orquestra. Então, basicamente, houve certas coisas que eu simplesmente não sei como fazer. Tipo, eu não sei como falar com uma orquestra, especialmente em Budapeste. [risos] Então eu deixei o condutor fazer isso, mas todo o resto desde arranjos, seleção das músicas, vocalistas, eu acho que praticamente tudo. Digo, eu trabalhei com um monte de gente, mas é basicamente só eu fazendo muito disso.

TMDQA!: E você já tinha esse projeto em mente há algum tempo, né? Acho difícil só acordar um dia e pensar, “Opa, vou fazer um projeto com orquestra”. [risos]

Moby: Sim, estava! Há duas formas de pensar sobre isso, eu acho. Uma é o lado da carreira e a outra é simplesmente o lado musical. E, pra ser sincero, o lado da carreira não me interessa tanto assim; tipo, eu não gosto de pensar na minha carreira, sabe? Isso me parece muito formal, eu não sei, eu não gosto da ideia de tentar fazer algo sob uma perspectiva de carreira. Porque a música tem o potencial de ser preciosa, tem o potencial de entregar emoções de uma forma poderosa — e eu não estou dizendo que eu faço isso ou que minha música faz isso, mas eu prefiro focar nisso.

Então, quando eu pensei em fazer um disco com instrumentos acústicos, com uma orquestra, não foi necessariamente para fortalecer minha carreira. Foi simplesmente para tentar criar emoção com instrumentos com os quais eu não tinha trabalhado anteriormente.

As origens de Moby no Punk

TMDQA!: Nesse momento em que você está revisitando um pouco sua carreira, fiquei pensando se você tem alguma ideia de fazer algo mais voltado para o Punk novamente. Como você mesmo disse, é algo que está bem ligado às suas origens, né?

Moby: É, digo, eu fiz alguns discos estranhos com um projeto paralelo chamado The Void Pacific Choir, que eu não diria que são Punk mas, definitivamente, é bastante influenciado pelo Punk em questão de estilo. Esses álbuns saíram há alguns anos e eu não os promovi, então não é exatamente uma surpresa que pouca gente saiba que eles existem, mas eu acho que a questão que eu acho interessante é a diferença entre a forma e a função.

Eu acho que foi o [Ludwig] Mies van der Rohe, o arquiteto, que meio que teve essa ideia primeiro — a distinção entre a forma e a função. E, como sabemos, muitas vezes quando as pessoas pensam em gêneros musicais, elas pensam na forma do gênero. Então, se você pensa no Punk Rock, muita gente vai dizer, “Ah, guitarras barulhentas e vocais gritados”. E eu amo — confie em mim — eu amo essa forma, esse gênero, mas a função do Punk Rock é mais interessante pra mim, que é a ideia de questionar. A ideia de rejeitar o status quo quando o status quo não funciona.

Sabe, é por isso que eu sou vegano. É por isso que eu sou um ativista dos direitos dos animais. É por isso que eu me envolvo com política. Essa é a função do Punk Rock, que tem muito pouco a ver com guitarras barulhentas e tudo a ver com a ideologia por trás.

Mas, dito isso, eu também realmente amo guitarras barulhentas. Eu espero que em algum momento eu faça algum disco que seja mais voltado ao Punk.

TMDQA!: Eu quero muito ouvir isso! Uma coisa que você nunca escondeu é que você sempre batalhou muito contra o abuso de substâncias e, como você mesmo se descreve, foi uma pessoa “problemática”. Você acha que se envolver com ativismo, com esses movimentos sociais, te ajudou a sair disso e melhorar?

Moby: De uma certa forma, são quase como se fossem duas grandes áreas. Em uma área nós consideraríamos o egoísmo, e na outra consideraríamos as preocupações com coisas que não são eu mesmo. E no fim dos anos 90 e começo dos anos 2000, eu realmente caí em um buraco do egoísmo. Egoísmo com relação ao alcoolismo, drogas, narcisismo, só um egoísmo verdadeiro. Mas o que eu percebi foi que, quanto mais egoísta eu era, ironicamente e paradoxalmente, menos eu era feliz.

Então, acho que faz uns 12 ou 13 anos que eu finalmente cheguei ao fundo do poço como um alcoólatra e viciado em drogas egoísta, e eu tive que entender como eu iria viver. E eu percebi bem rápido que ser egoísta não funcionava. E eu não acho que seja possível um ser humano não ser egoísta até um certo ponto, mas o que eu percebi é que focar em coisas que estavam fora de mim é na verdade mais interessante e também mais saudável e, paradoxalmente, me faz mais feliz. Tipo, focar em questões políticas, questões dos direitos dos animais, questões espirituais, isso basicamente me ajuda a não ser egoísta e me lembra de que o mundo fora de mim é tão maior e muito mais complicado e interessante do que qualquer coisa que diz respeito a mim.

Sabe, por exemplo, como a música, como eu falei mais cedo. O aspecto de carreira na música não me interessa tanto; o aspecto espiritual intangível da música é, pra mim, muito mais interessante.

TMDQA!: É uma ótima resposta. Falando um pouco mais sobre o ativismo ambiental principalmente, isso tem sido uma grande questão no Brasil, em especial sob o governo mais recente que tenta até “aproveitar” a pandemia para enfraquecer legislações protetivas. O que você acha que as pessoas, seja eu ou seja você, podem fazer para evitar que isso saia de controle?

Moby: Eu me lembro da primeira vez em que eu tive um verdadeiro ataque de pânico sobre o estado do meio ambiente. Foi quando eu estava em um avião, voando da Argentina para Londres — ou talvez da Argentina para Nova York, e eu estava passando pelo Brasil, estávamos voando pela Floresta Amazônica, e eu olhei — era bem no meio da noite, eu não conseguia dormir — e parecia que estávamos voando sobre cidades. Sabe? Até onde eu podia ver, só havia cidades.

E aí eu olhei melhor e não eram cidades. Eram incêndios. Basicamente, até onde eu conseguia ver no horizonte, era só incêndio. A Amazônia estava queimando. E aí foi que eu percebi, “Uau, isso é muito pior do que eu pensava”. E isso foi 20 anos atrás, faz bastante tempo. Então a questão… nós estamos falando do clima, estamos falando da destruição do meio ambiente. Quem sabe, nesse ponto, se é sequer possível consertá-lo? Tipo, nós destruímos o equilíbrio. Nós destruímos completamente o equilíbrio.

Eu li um artigo na semana passada dizendo que pela primeira vez na história, a Amazônia está produzindo mais gás carbônico do que absorvendo. E, de verdade, se é que há um futuro, as pessoas olharão pra trás e pensarão, “Ah, bom, então, a Amazônia foi destruída, na verdade, para beneficiar uma ou duas pessoas”. Sabe? Alguns donos de terras ricos, alguns políticos ricos, alguns fazendeiros ricos. E eles destruíram esse recurso, que poderia estar absorvendo carbono para sempre — ou por um tempo bem, bem grande.

Eu não sei. Não há uma solução fácil, além de fazer com que as pessoas parem de votar em políticos que são tão corruptos quanto [Jair] Bolsonaro, [Donald] Trump, [Recep] Erdogan e [Rodrigo] Duterte, sabe, esses políticos horripilantes e corruptos que não têm qualquer preocupação com a sustentabilidade ambiental. E a outra [solução] é, claro, lembrar as pessoas de que a maior causa disparada de desmatamento é a produção de carne e laticínios.

Claro que a Amazônia está sendo desmatada pela madeira, pela exploração de petróleo, mas o principal é que ela está sendo desmatada para criar gado e para plantar soja e milho que vai ser usado para alimentar o gado. Então, a forma mais fácil de parar com o desmatamento seria se todo mundo no planeta simplesmente parasse de consumir produtos de carne e laticínios.

TMDQA!: Pra fechar, e tentando ligar tudo isso que falamos até agora, queria saber qual a importância de você ter tido a trajetória que teve para chegar até onde chegou — desde as suas raízes no Punk, te dando esse espírito questionador, até tudo que você viveu na música eletrônica, o ativismo, enfim. Quão importante foi crescer nesse ambiente que te influenciou a questionar e virar essa persona que é o Moby?

Moby: É uma pergunta maravilhosa. Acho que, pra mim, o Punk Rock… a função, o ethos do Punk Rock — e eu não quero… é uma coisa problemática de se dizer. [risos] Mas veio dos hippies! Se você falar com várias pessoas, em especial os Punks “originais”, eles vão admitir que, sim, veio do ativismo político dos hippies.

Porque os hippies, sabe… muita gente acaba pensando nos hippies como só fumar maconha e usar camisetas tie-dye, mas há muito engajamento político também. E esse ethos do Punk Rock, de questionar, de rejeitar, eu acho que foi parcialmente por termos todos crescidos expostos aos hippies fazendo a mesma coisa. E aí aconteceu o Watergate, a Guerra do Vietnã, e nós percebemos que a estrutura de poder era defeituosa.

E o Punk Rock, o ativismo pelos direitos dos animais, o ativismo ambiental, tudo é baseado nessa ideia simples: as pessoas no poder são corruptas. E manter o status quo, que é insustentável e está destruindo o planeta, não faz sentido. E aí, sabe, todo mundo daquele ponto pra frente — uma vez que você percebe isso, você precisa então decidir o que vai fazer com essa informação.

Com a maioria dos ativistas, o tempo passa e você precisa aprender a ser estratégico. Porque no começo, você só quer gritar. Mas se você grita, ninguém te ouve. Então, com o tempo, você tem que entender a melhor forma de ser um ativista eficiente, e às vezes isso vai significar gritar, às vezes vai significar falar de forma branda. Esse é o desafio, só manter isso — seja o Punk Rock ou esse ethos ativista — ativo diariamente por toda a sua vida.

Uma das ótimas coisas disso é que é um lembrete constante, pra mim, de que quando eu estou começando a me comportar de maneira cautelosa — sabe, se eu começo a pensar no que é bom para a minha carreira —, eu imediatamente me digo, “Não, a pergunta não é o que é bom pra minha carreira, a pergunta é o que é bom para a única casa que temos”. E isso imediatamente me deixa envergonhado pelo meu egoísmo, mas também me lembra que o meu trabalho não é proteger a minha carreira e sim ser um bom ativista.

TMDQA!: Sensacional. Muito obrigado pelo seu tempo, Moby, o papo foi incrível! Até a próxima!

Moby: Foi um prazer! Até mais!