Quem acompanha a Fresno desde seus primórdios já deve ter se acostumado com uma banda inquieta que parece intencionalmente se recusar a repetir fórmulas.
Com mais de 20 anos de banda, a tarefa de continuar se renovando parece — e provavelmente é — cada vez mais árdua, mas o novo disco Vou Ter Que Me Virar atesta de uma vez por todas (se é que ainda havia dúvidas) que o grupo resolveu seguir por esse caminho mais complexo, encontrando novas sonoridades e experimentando cada vez mais com os seus próprios limites sonoros.
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Precedido pelo ambicioso projeto INVentário, que contou com 21 músicas lançadas de modo a “bagunçar” positivamente o algoritmo das plataformas de música, o novo disco de estúdio mostra que uma das melhores bandas brasileiras da era moderna segue em grande fase, dando mais um passo à frente após o ótimo sua alegria foi cancelada (2019).
Poucos dias antes do lançamento do álbum, o TMDQA! teve o prazer de bater um papo com os três integrantes atuais — Lucas Silveira, Vavo Mantovani e Thiago Guerra — e você confere essa entrevista na íntegra logo abaixo. Aproveite!
TMDQA! Entrevista Fresno
TMDQA!: Oi, pessoal! Primeiramente, que prazer falar com vocês.
Lucas Silveira: Opa! Tu é de Brasília também? Prazer é muito Brasília.
TMDQA!: Ah, é? Não sabia dessa. [risos]
Lucas: “Massa, man”. Rola um “massa” e um final diferente. [risos]
TMDQA!: [risos] “Massa” é muito mesmo.
Thiago Guerra: “Massa” é uma identificação recifense com Brasília!
TMDQA!: É isso! Gente, parabéns pelo disco novo, que está muito bom. E já queria começar perguntando da faixa de abertura, faixa-título e tudo mais, que é uma parada completamente eletrônica e eu adorei e se tornou minha preferida do disco. Quando vocês sentiram ou perceberam que a Fresno ficou confortável o suficiente pra entrar nesse lado, sair da coisa guitarra e ir pro eletrônico?
Lucas: Putz, cara. Todas as bandas que eu curto tiveram algum momento assim, né? Eu imagino o rompimento que foi do fã de Radiohead que veio ali, “Karma Police”, aí depois o OK Computer que tem eletrônico mas claramente é uma banda tocando, e aí veio pra “Everything In Its Right Place” e Kid A assim. Então, toda banda passou um pouco por isso, por algum tipo de rompimento muito grande. E quando é foda, é foda.
Aí, por exemplo, até o Los Hermanos quando foi, tipo, “Isso aqui é um disco meio de samba”, né? Então meio que sempre tem isso. Mas a parada eletrônica… aí até se você for analisar o próprio lance do Emo, assim, começou quando… quando as bandas Emo da terceira geração começaram a ficar muito bombadas nos Estados Unidos, eles começaram a fazer megaproduções. E “megaproduções” em 2000 e pouco significava usar coisas meio do Nu Metal, programações e tal. E isso, putz, a gente sempre colocou um pouco mas nunca tomando destaque.
Mas é uma boa pergunta. Acho que a faixa mais eletrônica… nem mais eletrônica, mas feita com base em beat que a gente tinha até então, se bobear, era “Cada Acidente”. Que é uma música que já é, assim, é tocando, tem a guitarrinha funkeada ali mas aquilo ali é muito não-Fresno, do que se entende, né? Mas o jeito de fazer melodia é completamente Fresno, então eu acho que é isso que a gente percebeu — que tudo pode mudar se a gente tiver uma música com a nossa cara.
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E teve momentos em que a gente pensou assim, “Tá, mas e se no final do ‘Vou Ter Que Me Virar’ rolar uma virada de bateria [simula uma virada e uma entrada mais pesada]”. Tipo assim… [dá de ombros] “Será?”. Então, a gente sempre fica se perguntando se a gente foi longe demais. E se a gente acha que não foi ainda, a gente vai. Vai até ir longe!
Porque a gente propõe um disco. As pessoas às vezes nem vão ouvir o disco na ordem, do jeito que a gente propõe, mas a ideia é que termine o “Vou Ter Que Me Virar” e já entre um Punk Rock assim, entendeu? Que aí é o contrário da música, é o contrário do “Vou Ter Que Me Virar”. E essas duas elas são feitas pra meio que serem ouvidas juntas; é pra dar essa sensação.
Mas total, eu pelo menos gosto muito de uma fase do Indie Rock ali quando começou a virar uma coisa que tocava em festa, sabe? Se for pegar Bloc Party, sabe… tinha isso das bandas que faziam [simula batida de bateria dançante], faziam isso tocado e era muito foda. E várias bandas também começaram a incorporar isso por causa do The Killers, que eu acho que faz a ponte, que é meio esse Indie de festa com a parada épica que não é Emo mas que tem um negócio que tem a ver com a gente.
Mas, enfim, dessa vez a gente foi fundo assim. Porque a gente já vinha de uma cultura dentro da Fresno de extrapolar as coisas.
Guerra: Desapegar do “tradiça”. Acho que é o rolê, assim. Veio do outro disco já, que é tipo, vamos nos encontrar no palco e lá a gente vê como é que a gente reproduz isso, Mas, ao mesmo tempo, vamos ser livres para fazer a parada bater do jeito que a gente quer. E o Lucas mesmo, tipo, ele sempre teve esse lado multifacetado — é tipo um cara que produz e termina virando esse cara que sabe lidar com outras coisas.
Então ele traz muito bem pro universo da banda as coisas que ele faz fora da banda, sabe? E até nos próprios projetos solo dele também. Então, tipo, acho que cada vez mais a gente tá indo pra um caminho sem volta de não se prender a nada; a se prender aos sentimentos da gente e o que isso causa, porque é o que vale. Como que bate, como que vai chegar na galera, e não tipo, “Ah, mas eu sou baterista, não vai ter bateria nessa música?”.
Foda-se! Não importa. O que importa é: tá massa? Tá gostando? Sempre partir do tá gostando, tá massa, e não de uma pré-estética, de uma pré-visão da coisa.
Vavo Mantovani: Inclusive no “Vou Ter Que Me Virar”, que não tem guitarra, eu vou sair um pouco do palco. Vou no camarim, fazer um xixi… [risos]
Guerra: A gente brinca com isso! Tipo, “não vou ter que tocar bateria!”…
Lucas: Mas tem bateria!
Vavo: Bateria tem. Tu não escapa dessa. [risos]
Guerra: Eu to zoando o nosso tipo de visão! Que é tipo assim, “Putz, cara, que bom que eu não vou tocar e vou sair 5 minutos pra tomar uma cerveja”, sei lá. Não é isso, mas é uma piada por não ter a necessidade de nada! Nada é necessário e tudo é sentimento. É isso.
TMDQA!: E tudo é sentimento mesmo, né. Como o Lucas falou, isso já emenda em um Punk Rock.
Guerra: Que é sentimento! É tipo, “Ah é?” [finge dar um soco]
TMDQA!: Talvez o mais Punk que a Fresno já soou, né.
Lucas: É, talvez a música mais suja da história da banda. Com certeza. Porque a gente vai fazendo o álbum e ele vai pedindo músicas. Eu acho que foi bem isso.
TMDQA!: Fora o contexto que a gente tem aí também.
Guerra: Que é podre.
Lucas: É, vai pedindo músicas, e aí eu queria fazer uma música em que eu pudesse gritar e que pudesse ser um negócio muito simples, como o Punk Rock precisa ser. Então ela é meio que… nem tem baixo, a maior parte da música nem tem baixo! [risos] É só aquela guitarrinha, bateria retona…
Guerra: Não tem um prato nessa bateria! E ao mesmo tempo é a batera mais forte gravada.
Lucas: É, e é uma estética que tá ali pra gente poder usar, né? Acho que hoje a gente tem as ferramentas, a gente tem até o conhecimento de, “Ah não, agora vai ser assim…”, e vai moldando essa experiência do disco. Mas, com certeza, sempre quando a gente faz um álbum a gente vai propondo essa guia; a gente vai guiando a galera, tipo, “Olha, agora tem essa, agora tem essa…”, e a gente fica muito feliz quando mostra o disco pras pessoas na ordem. É muito massa.
Fresno e os protestos sociopolíticos em Vou Ter Que Me Virar
TMDQA!: E tanto na “FUDEU!!!” quanto em outros momentos do disco a gente tem essa coisa de protesto, com uma linguagem bem direta e sem medo de falar a realidade do que a gente está vivendo. Foi uma coisa mais de “vou escrever sobre isso, preciso falar sobre isso” ou é só o que surgiu porque é o que a gente vive todo dia?
Lucas: Putz, cara, eu acho que a gente sempre colocou isso. Mas eu acho que o momento vai pedindo mais, com certeza. Acho que é bem isso. E o momento vai começando a, tipo assim, “Cara…”. Porque se tu for pegar a fórmula Escola de Rock — ah, tem que falar sobre algo que te incomode muito… e a gente foi entendendo, assim, quando a gente foi sendo impactado por outras áreas da nossa vida, desde o Revanche por exemplo que é um disco que já tinha músicas que não eram “de amor”, mas era o que nos deixava bravos na época.
A gente estava maluco com situações que a gente percebia que estavam fora do nosso controle; o nosso sonho meio que sendo levado pela relação que a gente tinha com gravadora, com empresário, não sei o que, perdendo o controle. Mas ainda era um mundo bem aqui assim, bem o nosso mundo.
Pensa que na adolescência era tipo, “Olha, eu sou corno, minha mulher não gosta de mim”. Aí depois “Ah, eles não me entendem”, sei lá o que — mas ainda tá falando de mim, né? E aí tem uma fase que eu já tava tipo, “Oh meu Deus, como foi que o Universo surgiu?”. [risos] Então essa parada assim obviamente nos afeta.
Hoje em dia quase todas as coisas que afetam negativamente a tua vida — uma gasolina que tu vai botar no teu carro, tudo tu vai ligar diretamente…
Vavo: Eu coloquei hoje, hein! Não, ontem.
Lucas: Quanto que tá o tanque?
Vavo: Cara, eu achei um de R$5,98 aqui. Possivelmente a mais barata do Brasil.
TMDQA!: Possivelmente. Aqui tá R$6,95.
Lucas: O que é isso!
Guerra: É, cara, tá esse absurdo aí. Eu não sei nem por que que tu tá tirando carteira de motorista, [Lucas]. Diga aí. [risos]
Lucas: [risos] E o carro elétrico mais barato do Brasil é 190 mil! Ou seja, tipo assim, justamente o cara que tem 190 mil é o cara que não se importa com a porra da gasolina! Ele vai lá e enche o tanque de R$500 e foda-se! Mas aí só ele tem o carro elétrico.
Então, é isso. Nos afeta e acabamos falando. Mas o lance do “FUDEU!!!” é até sobre tudo que fudeu, acho que foi uma música total made in quarentena — e aí fala sobre essas coisas que a gente percebe que o Brasil de certa maneira [se] fudeu, e mesmo que o Bolsonaro caia amanhã, tem muita coisa que vai precisar desconstruir. Porque não é como se estivesse tudo maravilhoso antes!
Então, assim, argh! É estressante pensar como em pouco tempo conseguiram desconstruir muita coisa e zoar muita coisa. E às vezes zoar com as relações familiares que a gente tinha, relações com amigos que a gente tinha, relações com, enfim… e aí o refrão é perguntando tipo assim, “Como é que vocês passaram por isso? Me dá um pouco disso aí porque tá complicado aqui!”. [risos]
TMDQA!: E já liga com a letra de “ELES ODEIAM GENTE COMO NÓS”. “E quem não viu que a porta do inferno abriu”…
Lucas: [risos] É, aí sai um vizinho teu que é nazi, e que tu…
Guerra: E tu dava bom dia pra ele e ele falava bem contigo e tu nem sabia.
Lucas: E ele nem sabia que te odiava!
Guerra: Isso, exatamente.
Lucas: Porque no fundo não é, tipo, “Ah, o Brasil tem 50 milhões de vilões”.
Guerra: Não, a gente tá se conhecendo mais. Tipo isso.
O ambicioso INVentário
TMDQA!: Já aproveitando que estamos falando dessa música, queria falar um pouco do INVentário. Foi um dos projetos mais loucos que eu já vi — no melhor sentido possível — e eu acho que a Fresno é uma das poucas bandas do Brasil que tem a moral e a coragem de fazer um projeto como esse. Como surgiu essa ideia e qual era o objetivo? Era só pra desovar coisas guardadas, pra agradar os fãs? E como vocês sentiram a recepção dos fãs? Pareceu muito boa, vendo de longe.
Lucas: [risos] Cara… eu não sei, to pensando. Como surgiu foi o Guerra, no caso.
TMDQA!: No primeiro momento, quando surgiu essa ideia, vocês pensaram “Guerra, você está maluco?” ou já aceitaram de boa? [risos]
Vavo: A gente falou que ele estava maluco porque ele queria fazer 100 músicas. 100 dias, 100 músicas. [risos]
Guerra: Não, pera aí. Eu não queria fazer 100 músicas! O Lucas fez sei lá quantas mil músicas na vida e muitas delas ficaram de fora de discos e tudo mais. E aí teve um dia, o fatídico dia de uma reunião com o escritório, que o nosso empresário falou que, “Pô, hoje em dia não se faz mais lançamento de disco, se faz campanha”. Soltou essa no meio da reunião.
Aí quando ele falou campanha — e eu faço muita trilha pra filme e trabalhos publicitários e tudo — eu parei e fiquei pensando. E a galera continuou falando; sabe aquela hora que a reunião meio que ficou em silêncio na minha mente, no meu filme eu fiquei mute e comecei a viajar. Putz, campanha, como que seria uma campanha? E aí não sei porque me veio a imagem dos dias que eu vou na casa do Lucas gravar alguma coisa ou trocar alguma ideia e ele abre a tela dele e eu realmente me perco no número de pastas de arquivos de Logic que ele tem lá, sacou?
E aquela imagem me veio na cabeça. E eu pensei, “Putz, velho, acho que a campanha da gente tem que ser música”. E aí, tipo, a gente lança 100 músicas em 100 dias e aí a galera vai pirar porque o sistema “normal” é que se lance em uma sexta-feira, à meia-noite e não sei o quê, e a gente vai meio que tentar furar bolhas porque tem música que é acústico, música que é Rock, música que é Pop, música que é eletrônica…
E de fato essa campanha — a gente até ficou meio com medo um pouquinho…
Lucas: De confundir as pessoas!
Guerra: É, tipo, “Putz, a gente vai confundir todo mundo e a galera não vai entender que tem um disco vindo aí e nosso foco é o disco”. Aí dá aquele medo, né, às vezes dá um medo mesmo. Mas tudo que é arriscado e vale a pena dá um medo mesmo, né? Tipo assim, eu só vim parar em São Paulo porque eu fiquei muito doido e vim tocar, sei lá. Então, não tem como não ter medo de uma coisa dessas.
E aí acho que, tipo, nesse processo… putz, até me perdi emocionalmente na resposta aqui.
Vavo: Tá bom, tá bom, tá bom! Tá concentrado!
Lucas: [risos]
Guerra: É isso aí, é um rolê de tipo, foi uma campanha que terminou levando a gente pra várias playlists diferentes. Então foi um sucesso de campanha pra gente, porque fez com que o fã visse coisas que ele não ia ver — ou seja, é um presente pro fã — e ao mesmo tempo traz gente de outras playlists pro nosso mundo, em uma época que a gente precisa desse algoritmo funcionando em prol da banda. É isso.
TMDQA!: E como vocês definiram quais músicas iam pro disco? Já tava pré-definido ou foi pela resposta do público?
Lucas: O disco já tava pronto…
Vavo: O disco veio antes na ordem cronológica.
Lucas: É, o disco foi feito antes. O disco tá pronto desde Dezembro do ano passado, e a gente tava, “Vamos segurá-lo para lançar no melhor momento”. Só que a gente foi percebendo que esse momento ia ser o final do ano, e aí em Março a gente já sabia que o disco ia sair no final do ano. E aí em Março o Guerra falou sobre fazer o INVentário, e aí eu fui cavucar o inventário e encontrei uma porção de músicas.
Aí ficamos uns dois meses terminando o INVentário pra fazer como sendo a introdução do disco, “A gente vai lançar isso aqui pra atiçar o nosso público”. Aí pensando até em número — uma coisa mais besta, mas que importa muito — a gente estava com 300 mil ouvintes mensais e por causa do INVentário foi pra 380 mil.
Por quê? Um monte de lançamentos. Então, quando sai o disco, agora a gente tá jogando ele pra 380 mil pessoas e não pra 300 mil pessoas. Grossamente é esse pensamento; o teu nome tá mais aquecido, tu deixou o algoritmo doido lá porque, “Nossa, esses caras não param de lançar coisa”.
A gente não inventou isso. No Pop se faz muito isso, só que no Pop às vezes não é o próprio artista fazendo, às vezes tem 50 produtores trabalhando e a pessoa só vai lá. Tipo aquele cara, o reggaetonzeiro louco, esqueci o nome dele… lançou três álbuns ano passado. E é muito bombado, só que eu esqueci o nome… Bad Bunny! Lançou três álbuns ano passado, mano.
E tipo, óbvio mano, ele teve 60 chances de ter uma música ali que vai pegar. Claro que não é isso que guia a produção musical, não é enxotar e ver qual melhor performa — esse é um pensamento que vai perdendo, obviamente…
TMDQA!: Essa essência, né.
Lucas: Não é todo mundo que faz música nessa taxa. A gente faz música em uma taxa muito grande, mas grande pra bandas de Rock. Porque se tu for pensar no Pop, com grana pra caralho, produtores pra caralho, e o cara full time em estúdio, vai fazer isso. Três discos em um ano.
E até a estrutura de gravadora pra lançar isso! Os contratos que tem que assinar com 22 compositores em cada música, sei lá como eles fazem isso. [risos] Mas eu percebi que isso é uma coisa, de ter volume. E uma coisa que a gente pode ter, sim, é volume de produção de música. A gente não vai conseguir fazer, sei lá, 20 clipes. Mas, assim, meter 20 músicas e fazer a gente dar essa inflacionada… é bem louco.
Mas tudo era parte da divulgação do álbum. Então [o INVentário] surgiu como uma ferramenta de divulgação do álbum e também pra, porra, agora não tem mais nada no meu HD escondido. A cabeça já funciona melhor pra produzir coisas novas, pra não ficar, “Ah, tem aquela lá que dá pra reaproveitar”, porque tem muito isso. Agora não tem mais.
Guerra: E ele ainda serviu pra incrementar o disco.
Lucas: Porque ficou meio bom demais!
Guerra: Um acabamento ali, final.
TMDQA!: Outra coisa que deve ter colaborado pra chegar nesses 380 mil é ter bastante feat, né? E agora… Lulu Santos!
Lucas: É o cara, né.
TMDQA!: Aliás, já foi Lulu, já foi Caetano Veloso, Emicida, Lenine, tantos. Quem falta pra Fresno?
Todos ao mesmo tempo: Alceu Valença.
Lucas: [risos] Falta uma galerinha, sim. Mas é total, a gente também tem esse pensamento assim de, “Cara, olha só, fazer uma música com os caras”. Tem total essa visão de “Nossa, mano, olha que doideira o que tá acontecendo!”, mas porque a gente se sente muito agraciado quando uma pessoa vai lá e topa estar em uma música com a gente.
E no caso do Lulu foi a mesma coisa. A gente conversa um pouco em Instagram, coisa assim, mas quando ele topou vir gravar, já é uma coisa. Quando ele veio aqui e gravou, já é outra coisa, entendeu? E a música, a gente já levava uma fé nela há quase 2 anos. A gente já sabia que ela ia ser uma puta música e que ia ser uma música que…
Assim, não são todas as músicas que a gente lança — acho que é um pensamento que é diferente do Pop, apesar da gente ter músicas que são populares e conhecidas, mas a gente nunca fez um álbum em que todas as músicas são feitas “para hitar”, né? Porque a gente sabe o que… não é sabe, se a gente soubesse a gente faria só hits, mas a gente entende o que tu pode fazer pra aumentar a chance daquela música ser um hit comercial.
Mas sempre foi muito claro pra bandas de Rock, desde o Nirvana, que tipo assim, “Smells Like Teen Spirit” não é a mesma coisa que…
TMDQA!: “Territorial Pissings”.
Lucas: É, “Territorial Pissings”! São duas coisas diferentes. Agradam dois públicos diferentes. Mas é legal quando a música que é single tem muito a ver com o resto do álbum. Isso aí é um bagulho que nos anos 2000, naquela fase Arsenal Music ali, a gente pecava porque existia um pensamento meio gravadora assim de, “Meu, faz o single”, e o single soa literalmente outra vida, né?
Esses dias eu tava ouvindo My Chemical Romance e aí tem os três singles do álbum — “Helena”, sei lá o que e sei lá o que — que são mixados por outro cara, um cara mais caro. E eu lembro que eu achava que as outras músicas que não eram singles eram muito fodas e muito doidas também; eu sabia que aquilo não ia ser sucesso, mas ainda existia esse lance, esse pensamento de “isso aqui é o single”, isso aqui é o álbum”.
A gente também pensa assim. Até hoje tem esse pensamento. Então, não é toda música. Isso faz com que às vezes ouvir um álbum seja uma experiência mais rica, porque quando tu ouve um álbum só de singles, uma hora tu fala assim, “Tá, meu!”.
Guerra: Já é difícil ter esse álbum, imagina tu fazer ele se comunicar entre si.
Vavo: Olha, Reação em Cadeia. Um álbum só de singles, bombou todos na rádio lá do Rio Grande do Sul.
Lucas: Mas ali eu acho que nem foi um álbum só de singles, eu acho que simplesmente a rádio tocou todos, porque tinha umas músicas ali que nem eram singles. É que Reação em Cadeia teve um álbum inteiro tocado em rádio no Rio Grande do Sul — foi um fenômeno. Mas reza a lenda que a rádio era sócia do disco. [risos] Mas eu não sei se é verdade, mas essa lenda é muito boa e pra mim é verdade. Mas bombou muito, porque tocaram um disco inteiro no rádio! Imagina que foda.
Mas assim, rolava isso. Se você for pensar nos anos 90… os discos duravam dois anos, mas os caras varavam o disco inteiro. Quando o Legião [Urbana] lançava um disco, o cara botava lá no programa da noite o disco inteiro pra rodar. O que deveria ser normal, se for pensar bem. Não é como se saíssem muitos discos pra uma rádio não poder fazer isso, pelo menos com os artistas conhecidos.
os cartazão na rua foram o mkt com a maior efetividade que já fizemos. e pensar q era o padrão! aliás, se quiser colar uns na tua área, as artes tão aqui. https://t.co/e3SORsqeYz – respeite a ética dos cartazes, não colando sobre grafites ou cartazes de eventos q ñ rolaram ainda. pic.twitter.com/jDmO03WPdc
— FRESNO ✨ #VTQMV 05/11 (@lucasfresno) October 25, 2021
TMDQA!: Gente, eu queria falar sobre 200 outros temas com vocês, mas infelizmente nosso tempo tá acabando. Então, o último assunto que eu queria abordar é essa campanha maravilhosa dos cartazes, lambe-lambes, enfim, que eu achei incrível. E pelo que eu vi, até vocês ficaram surpresos com a galera peregrinando pra ir tirar foto, colocando em outros lugares. Como foi isso?
Lucas: É meio que o que a gente fazia pra divulgar shows. A gente ainda faz em algumas cidades. Mas a ideia foi fazer cartazes enormes. Eu acho que tem muito a ver com uma coisa que guia a estética até sonora do disco, mas também visual, lá no primeiro [momento], quando a gente vai definindo o que vai ser aquele disco.
O que a gente falava muito era que, “Ah, tem que ser clássico”. E clássico é diferente de velho, é diferente de antigo, ou de vintage, ou de pagar pau pra coisas, resgatar demais, “revival”. É um bagulho que é até difícil de definir, mas quando a gente ficou vendo capas de álbuns clássicos, por exemplo, era sempre a foto da banda, mano. E deu. Ou a foto da banda e o bagulho escrito.
Tinha umas referências que era tudo isso. Até um pouco da estética do Punk, que eram aquelas capas do The Clash ou The Smiths, era a foto, o nome, e não tem aquela coisa de, “Ah, agora põe um filtro, agora enrola no negócio e cola um adesivinho”, ou “Põe uma figura de um adesivo pra fingir que é um adesivo velho”. A gente começou a valorizar essas coisas. São coisas tão simples, mas como são simples tem que ser tão mais cuidadoso.
É tipo fazer uma música que só tem guitarra, baixo e bateria — é muito mais difícil! [risos] Tudo que tem que estar fazendo uma coisa muito foda. E o próprio lance dos cartazes foi isso. Qual que é a divulgação mais idiota do mundo? Mete uns cartazes na rua, vai lá e cola. São coisas que não se pensa mais! O cara fala, “Ah não, beleza, vamos comprar 5 mil reais de anúncios no Facebook” e não sei o que… Tu nem sabe se vai mostrar pra alguém!
Então tem essa coisa, fora o bagulho que o cartaz mesmo, o cartaz de rua, é diferente daquela mídia comprada em um outdoor — ele tem esse negócio de ser anárquico, e isso eu acho muito massa. Faz parte da ética da cena que a gente se formou, dos shows de Hardcore, da cena do Hangar 110, é cartaz, mano. E a gente super foi atrás disso.
E as pessoas super se impressionaram com isso porque, apesar de até fazer muito pouco tempo se for pensar, parece um negócio “como não pensamos nisso?”. Várias bandas, vários amigos meus falaram “caralho, vou fazer isso”. Sim, mano, porque pra tu botar um anúncio da Fresno no ponto de ônibus aqui em São Paulo, eu orcei — é tipo assim, 200 mil reais pra ficar lá, sei lá, uma semana. Aí não, meu velho. Aí cola, mano, foda-se!
Vavo: No pior dos casos a galera vai arrancar ou colar por cima!
Lucas: No pior dos casos alguém arranca e é só um papel, tá ligado? Tem os bagulhos da cidade também; amanhã colam um cartaz em cima do teu, essa coisa de saber que vai ser efêmero é muito foda. Por isso que os fãs vão lá e batem foto na frente do negócio.
Vavo: Enquanto vocês falavam eu entrei aqui pra ver se tinham me marcado e marcaram em mais três desde a última vez que eu olhei. De pessoas tirando foto [com os cartazes].
Guerra: Tem duas outras coisas que se somam muito aí: uma é que o fã da Fresno é esse fã, porque não são todas as bandas que têm esse fã aí, que é o fã que, tipo, faz parte da banda, se sente assim mesmo e se pira com a gente e se revolta, é o cara passional pela banda, da banda.
E a continuação da campanha “fura bolhas” do INVentário, que também tem esse lado aí que é tipo assim, putz, o cara que não é fã, que não gosta, viu também o lambe-lambe. Passou de busão, parou na frente dele, viu, e vai bater nele de algum jeito. Ou ele vai conhecer o trabalho novo, ou ele vai só dizer, “Putz, os caras tão aí, né”.
TMDQA!: Isso que eu ia falar.
Guerra: “Achava que tinha acabado”.
TMDQA!: A pessoa que esqueceu que a Fresno existia, né? Bate aquele, “Nossa, a Fresno”.
Vavo: Aí o cara abre o home lá do Spotify ou sei lá onde ele escuta, aí quando passa o [disco da] Fresno novo o cara pensa, “Opa, eu vi o cartaz disso aqui”. Cria uma parada na mente da pessoa.
TMDQA!: Até porque se ele falar Fresno na rua o algoritmo já pegou, né.
Guerra: É isso. Furar bolhas.
Lucas: Faremos mais.
TMDQA!: Boto fé demais. Gente, queria ter mais tempo mas é isso! Obrigado pelo tempo e até a próxima!
Lucas: Opa, chama de novo que a gente faz. Valeu!
Guerra: Ô cara, muito boa a entrevista. Obrigadão como sempre.
Vavo: Valeeeeu!