O Batman de Matt Reeves parece, a princípio, uma versão exagerada do lado mais soturno do herói. Os primeiros 20 minutos emulam um filme de terror enquanto ele explica seu papel em Gotham. A tentativa é mostrar que, nesta história de investigação, o “lado bom” não vai ser tão bonzinho assim, além de reforçar o protagonismo do herói.
Parece redundante destacar que o personagem principal é aquele que está no título do próprio filme, mas o comentário se torna extremamente válido por se tratar do Batman. O Homem-Morcego frequentemente é ofuscado pelos seus vilões, seja pela qualidade absurda dos seus intérpretes ou pela falta de profundidade e criatividade nos arcos escritos para o herói.
Reeves, no entanto, dá ao Batman espaço para que seja mais do que apenas um símbolo de esperança e um guerreiro que busca justiça e paz. Esta versão define a si mesma como a Vingança, um elemento de pavor aos inimigos tão grande quanto de esperança aos aliados, mas de insegurança para ambos.
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Enquanto a maioria dos super-heróis é intocável e sequer parece pertencer ao mesmo mundo dos cidadãos comuns, o Batman de 2022 é um habitante de Gotham tanto quanto qualquer outro. Ele não espera, por exemplo, a noite chegar para visitar uma cena de crime quando ela já está vazia. Ele vai junto dos policiais, procura pistas ao mesmo tempo que os investigadores e, somente aí, é criada a aura mitológica ao redor do personagem. Os policiais comuns ficam inquietos com aquela presença imponente e excêntrica, questionando se ele é uma aberração (como verbalizado em determinado momento do filme) ou um aliado importante.
A trilha sonora de Michael Giacchino reforça esta dualidade em diversos momentos, criando uma atmosfera constantemente tensa com elementos simples e fortalecendo o papel de anti-herói do Homem-Morcego. O mesmo ocorre com a fotografia que, como sempre, tenta destacar a cidade de Gotham como um personagem à parte. Ora a cidade o esconde para que o medo se manifeste no seu lugar, ora o exibe nitidamente por meio de contrastes perfeitos.
O lado sombrio dessa moeda é explorado de forma magnífica em uma das melhores cenas de perseguição de carro já feitas. Escolhas de câmera inusitadas e o pavor estampado no rosto do Pinguim enquanto seguido pelo seu algoz refletem o que há de assustador no herói: o desconhecimento dos seus limites, o poder de fogo, tudo aquilo que está oculto.
Outro aspecto técnico que conta a favor do filme é o “peso” das lutas. O Batman de Robert Pattinson bate, mas também apanha; atira, mas leva tiros; planeja, mas nem sempre acerta. Com isso, até a aparição do Batmóvel se torna bem mais épica do que esperado, funcionando como um upgrade em um momento de clara dificuldade.
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Coadjuvantes e vilões são um capítulo especial
Os coadjuvantes são um capítulo especial em Batman. Zoë Kravitz encarna perfeitamente a personalidade revoltada e provocadora da Mulher-Gato. Ela foi uma adição perfeita ao universo da DC e ainda demonstrou grande sintonia com Pattinson nos sets e na divulgação do filme, o que é ótimo para a Warner, que certamente já está crescendo o olho para novas formas de utilizá-la.
Com todo respeito aos Jim Gordons do passado, Jeffrey Wright eleva o patamar de atuação do futuro comissário da polícia de Gotham. Matt Reeves dá a ele o papel de dupla de campo do Batman, algo que explica como a parceria entre os dois se estreitou em vez de mostrá-la já consolidada.
O Alfred de Andy Serkis, no entanto, é o elo mais fraco estabelecido pelo herói — talvez pelo pouco tempo dedicado em tela. Mesmo sendo um filme gigante, não dá para se importar tanto com ele quanto acontece com outros personagens.
Já os vilões entram para uma galeria positiva de antagonistas dos filmes de super-herói como um todo. O Charada vivido por Paul Dano se confunde em determinados momentos com a personalidade caótica dos Coringas de Joaquin Phoenix e Heath Ledger, mas a inventividade dos crimes cometidos por ele, as relações com o cenário político da cidade e a utilização de elementos como as redes sociais acabam relativizando a semelhança.
As participações de Colin Farrell e John Turturro como Pinguim e Carmine Falcone, respectivamente, colocam os pés do filme no mundo da máfia, como sempre acontece nas histórias do Batman. A maquiagem de Farrell é muito boa e ponto para Reeves por incluir uma cena na qual o vilão de fato é obrigado a andar como um pinguim. Fan service muito bem recebido.
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Batman de Robert Pattinson
O filme trabalha a consolidação do Batman por tanto tempo que demora um bocado para que Bruce Wayne apareça e Pattinson possa brilhar. Desta vez, Bruce tem uma personalidade bem mais contida que seus antecessores, especialmente o bilionário playboy de Christian Bale. Aqui, ele é um herdeiro antissocial que raramente aparece publicamente, não contribui política e economicamente com a comunidade e apresenta comportamentos obsessivos claros de quem não possui muito tato social, como nas primeiras interações com Selina Kyle.
Porém, apesar de flertar com um estereótipo que certamente será motivo de piada nas redes sociais (a franja com certeza renderá montagens como adolescente fã de emocore), o perfil reservado e pouco popular é perfeito para esconder uma identidade secreta.
A escolha do roteiro de focar em uma grande investigação agrada não apenas por aprofundar em um dos vilões mais interessantes dos quadrinhos, mas também por afastar o filme de um suposto universo compartilhado de filmes da DC e por conversar diretamente com o estilo noir que Matt Reeves propõe.
Mesmo sem mergulhar a fundo na estética, o clima de inquietude causado pela iminência de novos crimes do Charada dá o tom ideal à jornada de Bruce Wayne até novas perspectivas políticas e pessoais.
No entanto, talvez isso tenha se alongado demais e as 2 horas e 35 minutos de duração poderiam ter se transformado em uma trajetória mais concisa.
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Ao assistir a Batman, é importante ter em mente que o filme acompanha o herói apenas no seu segundo ano de atividade como vigilante e, por isso, ainda há erros grosseiros nas investigações e um impulso violento quase incontrolável, típico traço dos maiores anti-heróis da cultura pop.
Parte desse momento do herói é explicada por “Something in the Way”, canção do Nirvana que compõe quase todos os materiais de divulgação do filme. Kurt Cobain escreveu a música quando foi expulso de casa e teve que se abrigar debaixo de uma ponte. Para ele, a sensação era de que sempre havia algo no caminho o impedindo de se sentir melhor.
No caso de Bruce Wayne, vamos acompanhar a jornada para superar esses obstáculos. A primeira amostra foi muito boa e já cria grandes expectativas para o futuro.