"Respeitar o passado e eternizar o legado": Marcão e Thiago Castanho falam ao TMDQA! sobre turnê de 30 anos do Charlie Brown Jr.

Marcão e Thiago Castanho, membros originais do Charlie Brown Jr., falam em entrevista exclusiva ao TMDQA! sobre os 30 anos da banda e muito mais. Veja!

Charlie Brown Jr. 30 anos
Foto por Marcelo Rossi

Em 2022, o Charlie Brown Jr. está celebrando 30 anos de existência e a festa vem sendo linda, acontecendo em diversos lugares do país com a participação de praticamente todos os membros remanescentes da banda.

Mesmo com muitos questionamentos, polêmicas e a rejeição por parte de alguns, a prioridade de Marcão e Thiago Castanho, membros originais que capitaneiam essa aventura, é clara: respeitar o passado e eternizar o legado.

Com eles, estão outros músicos que também tocaram ao lado de Chorão, incluindo dois bateristas (Bruno Graveto e Pinguim Ruas) e o baixista Heitor Gomes. Quem vem completando a escalação é Egypcio, vocalista do Tihuana, que faz o melhor trabalho possível de respeitar a obra de Chorão e apresentá-la de sua própria forma.

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Em um papo longo e bem-humorado, Marcão e Thiago conversaram com o TMDQA! para detalhar essa nova turnê, falar sobre a recepção do público, a decisão de seguir com os shows e muito mais — inclusive as polêmicas que vêm cercando o grupo nos últimos tempos.

Em tempo, vale a pena seguir o Instagram oficial do projeto para se manter atualizado quanto às datas de shows e outras novidades. No momento de publicação desta matéria, as próximas apresentações estão marcadas para os dias 19 de Agosto (Brasília/DF), 20 de Agosto (Goiânia/GO), 24 de Setembro (Belém/PA) e 7 de Outubro (São Paulo/SP).

Confira a entrevista na íntegra seguir!

TMDQA! Entrevista Marcão e Thiago Castanho (Charlie Brown Jr.)

TMDQA!: Oi, Marcão e Thiago! É um prazer enorme poder fazer essa entrevista, o Charlie Brown Jr. é a primeira banda que fui fã na vida! E, como é uma data especial para vocês, eu queria começar sabendo como vocês estão se sentindo. São 30 anos de banda. Como está sendo viver tudo isso e olhar para trás, refletir sobre essa trajetória até agora?

Marcão: Poxa, com certeza passa um filme na nossa cabeça. São 30 anos de banda, uma banda que começou em 1992, no início dos anos 1990. Foi um sonho gigante e a gente batalhou muito por isso. Foram cinco anos no underground até chegar ao nosso primeiro álbum [Transpiração Contínua Prolongada], que foi muito especial para gente. Tem ali “O Coro Vai Comê”, “Tudo O Que Ela Gosta De Escutar”, “Proibida Pra Mim”. São várias músicas importantes na história da banda e esse álbum também está fazendo aniversário de 25 anos em 2022 e está sendo muito emocionante. A gente vive uma emoção muito grande de poder ver tanta gente conectada ao nosso som até hoje. Já se passaram três décadas e é impressionante, principalmente por ser algo totalmente orgânico.

A banda acabou, na verdade, em 2013 com a morte do Chorão e do Champignon. A gente se desligou, de certa forma, dessa questão de estarmos todo mundo junto, principalmente eu e Thiago. Nós estamos há dez anos sem tocarmos juntos. Então, é incrível você poder ver nos shows que tem público de todas as idades e muita gente dessa nova geração está descobrindo o Charlie Brown agora através das plataformas. Isso é muito bacana e a gente fica muito feliz por ver que o som da banda continua relevante mesmo depois de tanto tempo. Está sendo emocionante demais.

TMDQA!: Com certeza! E você tocou em um ponto que eu queria levantar também, que são os 25 anos do Transpiração Contínua Prolongada, um disco fantástico. Quando vocês pensam nesse álbum, o que vem na mente? É o perrengue por ter passado esse tempo todo no underground ou a memória de gravar e lançar e começar a bombar? É tudo isso junto? Existe alguma curiosidade sobre disco que ainda está guardada depois de 25 anos?

Thiago Castanho: Olha, cara, esse disco é extremamente importante para gente. Como falamos, a gente começou no início dos anos 1990 e o nosso som era totalmente pesado, em inglês. Então, a gente começa, na verdade, a fazer uma transição para a língua portuguesa e a grande chave para isso, pelo menos para o Chorão, foi o disco Usuário, do Planet Hemp, porque ele viu ali, de certa forma, um caminho para escrever em português.

Uma coisa interessante é que quando a gente tocava muito pesado em inglês, o som era meio na onda do Pantera, bem agressivo. E a gente começa a misturar várias coisas que a gente gosta. A gente gostava de Reggae, de Ska, Hip Hop, de Rock, de Hardcore… A gente botou tudo o que a gente gostava dentro do nosso som. Na teoria, a gente falando, até parece fácil. Foi um período em que a gente ficou alguns meses, até anos, para a gente poder chegar nessa fórmula que é o Charlie Brown Jr..

Tudo o que tem ali naquele primeiro disco, o que vem depois é o amadurecimento gigante do grupo. Os três primeiros [álbuns] são clássicos, e todos os outros são incríveis porque eu gosto de todos eles, mesmo daqueles que eu não participo. Eu tenho certeza que o Marcão também. Essa data é tão importante porque ali foi a construção de uma fundação muito sólida do que a gente queria fazer. Então, quando a gente grava várias músicas ali que fincaram a banda dentro do cenário do Rock nacional — até na transição, quando a gente grava o primeiro e aí todo mundo se pergunta, “Cara, o que ele vão fazer agora? Como é que eles vão vir no segundo disco?”.

E aí a gente entra com “Zóio de Lula” e aquele clipe maravilhoso na praia com half pipe e tal. E vem “Confisco”, vem “Te Levar”, nossa, vêm várias músicas. A gente olha para trás e vê que o que a gente fez foi incrível. Realmente, os momentos que a gente teve, a junção do grupo, como a gente se encontrou, foi tudo meio que mágico.

E a gente está podendo viver um pouco disso agora porque, quando eu estou tocando, eu olho para o lado e tem o Marcão. Então, a gente vive um pouco dessa nostalgia e a gente se sente, de certa maneira, muito próximo dos caras [Chorão e Champignon] quando a gente está tocando essas canções. O momento em que eles estão ao nosso lado são todos os momentos. Todo momento que a gente toca qualquer música a gente lembra deles.

Marcão: É muito louco lembrar que isso está fazendo aniversário, os 25 anos do Transpiração. Ele nasceu da gravação em uma fitinha vagabunda, um gravadorzinho de quatro canais que a gente teve que se adaptar pela condição que a gente não tinha na época, de ficar gravando muita demo e ir para o estúdio e tal. Foi um jeito que a gente achou para continuar produzindo muita coisa sem depender de grana para gravar de uma forma mais profissional.

E justamente esse fitinha K7, sem nenhuma produção, tosca, era muito poderosa, porque as músicas tinham um poder muito grande. Ali foram gravadas “Tudo O Que Ela Gosta De Escutar”, “Proibida Pra Mim”, “Quinta-Feira”, “Aquela Paz”, diversas músicas importantes. E a gente conseguiu um contrato com uma multinacional com essa fita K7.

Você pode imaginar a felicidade que foi pra gente, na época, conquistar isso — na raça mesmo, porque não tinha grandes produções. Era meio que assim, “Escuta a música aí”, mesmo com o negócio tosco, abafado. E aquilo gerou um contrato e a gente conseguiu lançar o primeiro disco. Até músicas do segundo disco estavam nessa leva também. Esse é um fato importante. Foi algo conquistado no suor mesmo, na cara e na coragem.

TMDQA!: O Thiago usou uma palavra que eu acho muito legal para definir o Charlie Brown que é “mágico”. Porque é uma coisa assim, cara, se você pede para alguém falar uma banda que parece com o Charlie Brown, não tem. É uma coisa mágica. O Charlie Brown é o Charlie Brown. Qual é o som do Charlie Brown? É o som do Charlie Brown. Só o Charlie Brown sabe fazer, e só ele soube fazer. Eu queria que vocês falassem um pouco disso. Quando vocês escreveram essas músicas, pensaram que fizeram algo que nunca ninguém fez? Deu para perceber isso ou foi algo que vocês entenderam depois com o tempo, quando as pessoas observaram que isso era novo?

Marcão: Eu acho que a gente tinha esse foco mesmo, a gente queria fazer algo diferente, algo que fosse original, uma coisa que não fosse mais do mesmo. A gente se esforçou muito e no Charlie Brown todos os integrantes eram muito engajados. O Renato Pelado, o Champignon, cada um aparecia com várias músicas, várias ideias. Então, toda essa sinergia de ter diferentes personalidades dentro da banda, cada um de um jeito de ser, embora a gente escutasse muita coisa em comum, as mesmas bandas, isso tudo ajudou a construir a sonoridade do Charlie Brown, que é uma coisa meio diversificada e ao mesmo tempo, que é o que eu acho mais legal, sem perder a unidade ou sem o disco parecer uma colcha de retalhos.

Isso foi realmente um dos maiores méritos do Charlie Brown e também o casamento da música com a letra, porque você escrever a letra certa em um som que te leva àquele clima… Sabe aquilo de você imaginar aquela paisagem dentro do som? Todo esse casamento foi fundamental.

Thiago: Nesse lance do primeiro disco, a gente tava realmente nessa loucura de achar o som. Porque na banda, de certa forma, e eu acho que acontece com todo grupo, a gente fala que quando a gente estava começando parecia que várias bandas estavam soando como a gente, de certa maneira, porque veio muita gente — e eu não vou citar nomes, obviamente —, mas estavam vindo com um som meio que na nossa onda. Mas como a gente veio dos anos 1990 e como a gente estava nessa criação da nossa suposta fórmula, as nossas influências eram internacionais. Obviamente, a gente tinha muita influência também dos grupos daqui do Brasil, como Chico Science, o próprio Planet Hemp, os Raimundos, e de uma certa forma a gente canalizou isso para a nossa música.

O Charlie Brown fincou uma bandeira sonora em que o nosso som se tornou — e hoje eu consigo enxergar isso porque se passaram muitos anos e a banda já acabou — mas a gente conseguiu fincar uma bandeira muito sólida do que a gente fez. Eu e Marco, a gente fez uma reunião com um cara que vai filmar o nosso show e ele disse assim, “Pô, cara, eu não sou mais músico, mas a minha veia artística eu devo a vocês porque eu comecei a tocar por causa de vocês e hoje eu sou videomaker”. É legal você ver que está influenciando as pessoas. De certa maneira, é um grito na multidão e isso é muito massa.

TMDQA!: Eu queria falar justamente sobre essas questões do show que vocês estão fazendo e tudo mais. Como está sendo a recepção dos fãs? Esse show do Charlie Brown Jr. é uma coisa quase inimaginável quando você olha para o histórico da banda, né? Você tem duas formações clássicas, vamos dizer assim, que de certa forma estão juntas, nessa turnê de agora. Você tem duas baterias no palco, dois bateristas tocando… E, para mim, são vocês dizendo que nada de tudo o que aconteceu importa mais que a música. A minha visão é essa. É por aí mesmo? É uma questão de vocês terem juntado todos os músicos que se envolveram na banda pra fazer essas músicas serem lembradas do jeito que elas merecem?

Thiago: As pessoas até falam assim, “Nossa, mas como vocês fizeram esse time e tal?”. Eu acho que todo mundo que está envolvido com a gente teve uma participação essencial dentro do grupo. Se você pegar o Pinguim, é um cara que gravou discos incríveis. O Heitor também e o primeiro disco que o Graveto gravou ganhou um Grammy. Essas três pessoas estão diretamente ligadas com a gente. E o próprio Egypcio é um cara que, desde o início do Tihuana, a gente era da mesma gravadora e, então, sempre teve uma grande conectividade com a gente.

Eu e Marco sempre falamos que a gente não queria um imitador do Chorão. A gente vê vários caras aí que querem cantar meio parecido e o Egypcio — obviamente ele está cantando músicas que o Chorão fez, mas eu sinto que, além do respeito que tem para com o projeto e com a gente, ele faz o lance dele. E isso das duas baterias dá uma parada super especial porque não são duas baterias que estão no palco e cada uma toca em um determinado momento. As duas baterias tocam juntas o tempo inteiro. É alucinante.

Quem puder estar nesse show não pode perder porque, além de ser um time animal, todo mundo tem envolvimento com a banda. Eu e o Marco, a gente começou lá atrás e, assim, a galera está demais. O primeiro show oficial aconteceu no Rio de Janeiro e depois a gente foi convidado para tocar de última hora no em um festival em São Paulo porque o Herbert Vianna [do Paralamas do Sucesso] pegou COVID. A gente foi chamado em uma quinta-feira para tocar no sábado. A gente tocou para 30 mil pessoas e a gente nem tinha sido anunciado direito. A galera vem muito junto com a gente. E quando a gente tocou no Rio de Janeiro também, onde o show foi só nosso, porque no festival foram várias bandas, foi muito legal. Quando a gente vai para Porto Alegre, a gente sente a galera muito perto.

A gente costuma falar que, no show do Charlie Brown, se tem 3 mil pessoas, essas três parecem dez, sabe? A gente sente muito que está dando certo e enquanto estiver dando certo a gente vai fazer e a gente quer levar por aí. Quanto mais a gente puder ecoar nossa música, a gente puder mostrar para mais pessoas… É uma oportunidade para as pessoas que nunca puderam ver a banda ao vivo.

TMDQA!: Isso é uma outra coisa que eu queria saber. Vocês falaram da resposta do público e a galera está entendendo que é uma celebração. Isso me lembrou um pouco essa história recente do Pantera, que a galera ficou meio confusa. Alguns entenderam que é uma celebração e outros pensaram que o Pantera voltou. O Pantera não voltou. O Pantera precisa do Dimebag Darrell e do Vinnie Paul. O Charlie Brown precisa do Chorão e do Champignon. Mas essa é uma celebração ao Charlie Brown, é uma homenagem a tudo isso. A galera está entendendo isso, né?

Marcão: Exatamente. A galera está entendendo super bem. A gente sempre fez questão de deixar isso claro: desde o primeiro papo que a gente teve, a gente colocou que não se trata de uma volta da banda. É uma volta no sentido da gente estar junto celebrando uma história, que também é a história dos fãs. Ela não é só nossa. Chega um momento que não é mais aquela coisa de “a música é nossa”. Não, a música faz parte da vida de muita gente. Eu acho que é um dos lados mais legais dessa história. Tanta gente se conheceu através do som do Charlie Brown. Teve gente que casou ou que conheceu a namorada ou que começou a tocar depois de ouvir a banda. Essa é a parte mais valiosa para mim, e acho que para o Thiago também. A gente saber que existem histórias de vida por trás de tudo isso que foi feito, o que torna isso tão vivo, tão bonito e real.

Então, é exatamente o que você estava falando, se tratam de músicas mesmo, de uma história de vida, história de uma banda. E é uma data muito forte. São três décadas de serviços prestados ao Rock and Roll [risos]. E 25 anos deste primeiro álbum tão importante para gente. É muito bacana ver os fãs; apesar de tudo o que a gente teve que enfrentar para fazer acontecer, os fãs entenderam. A gente teve o mérito de saber se comunicar, de saber passar isso para o público também, para que não ficasse uma coisa confusa. Como você falou, é uma coisa mundial.

Quando você mexe com coisas que são clássicos ou bandas marcantes, existe sempre aquela resenha, discussão e tudo mais. Isso faz parte e mostra que existe também muita paixão envolvida nisso tudo e deixa a gente feliz também. O momento na pandemia que a gente passou, pelo menos para mim, traz um significado ainda mais forte disso tudo porque a gente passou dois anos trancados. Então, hoje a gente está podendo se encontrar e celebrar a própria vida.

TMDQA!: Eu vi o Marcão perguntando outro dia no Instagram quais músicas lado B os fãs gostavam. Então, eu queria saber como está sendo a montagem do setlist para os shows. Vai rolar uns lados B? Tem alguma coisa que vocês podem falar? Tipo, música que vocês não tocam há muito tempo e vão tocar agora…

Thiago: Cara, esse lance do setlist é realmente uma coisa épica pra gente, porque são muitas músicas, muitos discos, muitos sucessos. A gente tentou fazer meio que uma viagem pela nossa carreira e pelos discos. Obviamente, algumas músicas ficaram de fora e o grande lance de um lado A forte é ter um lado B poderoso. Então, eu acho que o Charlie Brown tem muito isso. Tem as pessoas que gostam do grupo mas conhecem mais os hits e tem o fã que é mais raiz. Ele conhece o disco tal e a música tal e o lado B. Então, assim, o que seria do lado A se não tivesse o B?

No show tocamos os hits, obviamente, mas tocamos também alguns lados B que, realmente, quando a gente toca ao vivo a gente sente que tem um impacto muito grande. Eu não posso contar geral aqui porque se não eu vou estragar a surpresa do show. A gente também dá uma variada: se em um show a gente tocou aquela música, troca por outra e volta depois. A gente meio que trabalha assim e, sobre a construção desse setlist, o primeiro ensaio que a gente fez a gente tocou 35 músicas. O nosso show tem quase três horas e pode virar uma rave! [risos]

Marcão: A gente sempre fala isso! Que a gente pode transformar o show do Charlie Brown a qualquer momento em uma rave, porque são tantas músicas que a gente gosta de tocar no show. São dez discos de estúdio e alguns têm tipo 25 faixas. A gente faz como o Thiago falou, a gente passa por todas as fases da banda. Tocamos músicas, por exemplo, que o Charlie Brown não pôde tocar com o Chorão e que estão no último disco da banda, que foi praticamente um disco póstumo. A gente toca algumas faixas do La Família ao vivo e está sendo muito legal. É um desafio bem bacana fazer o setlist do show, principalmente quando a gente toca em festival, como aconteceu, é mais difícil ainda porque você tem uma hora ali para tocar.

Tony Hawk’s Pro Skater, documentário do Chorão e polêmicas jurídicas

TMDQA!: Falando em setlist, rolou depois de tanto tempo e tantos pedidos do Charlie Brown entrar com uma música no Tony Hawk’s Pro Skater. Foi muito massa e eu me diverti horrores jogando. Colocava “Confisco” no repeat ali! Mas eu queria saber como vocês chegaram em “Confisco”. Na época, a gente até gravou um podcast com o Bob Burnquist falando sobre isso; foi fantástico, o Bob é um cara muito massa, mas ele também não tinha essa resposta. Então, eu queria saber se vocês poderiam explicar por que vocês escolheram “Confisco”? Como que chegaram nessa música?

Marcão: Olha, é uma boa pergunta. Eu não sei responder a isso exatamente. Eu sei que o Bob gosta muito desse som também, porque eu conversei com ele. Ele foi um cara muito importante nesse processo. Teve uma petição dos fãs com milhares de assinaturas e isso foi determinante para que a banda entrasse no game também. A gente teve ainda a oportunidade de estar junto com o Tony Hawk no Brasil, fizemos um som durante a passagem dele por aqui. Mas foi uma felicidade muito grande estar ali no jogo junto com tantas bandas que a gente curte para caramba também. Ali só tem banda lendária!

E eu pensei muito no Chorão nesse momento, foi um dia realmente emocionante. E hoje, exatamente hoje [a entrevista foi realizada em 28 de Julho de 2022], está fazendo aniversário do dia que a gente soube da entrada de “Confisco” no game. Tem muitos sons legais da banda, seriam várias opções, mas o “Confisco”, acho que por essa história autobiográfica da letra veio a calhar também.

TMDQA!: Eu queria falar um pouco do Chorão. Assistindo ao documentário Marginal Alado (2019), tem muitas cenas legais ali dele, mostrando o quanto ele era uma pessoa querida, não somente um artista querido. Eu queria que vocês falassem um pouco da repercussão ao assistir a esse doc, de ver o Chorão sendo retratado, talvez, como a pessoa que ele era, seu lado humano. Ele falando para os fãs coisas tipo, “Pirateia nossa música aí, tá de boa”. Talvez as pessoas menos próximas da banda não conhecessem esse lado do Chorão, né?

Thiago: Esse lance do documentário, realmente, a gente não teve uma participação na obra. Mas é um documentário muito válido, porque retrata a realidade de uma certa forma e não só momentos felizes mas como também momentos tensos ali. A vida é meio que isso, né? O Chorão era um ser humano e tinha as fragilidades dele. Ele tinha o lado dele como vocalista do Charlie Brown, mas também tinha o outro lado que era o Alexandre. Então, eu acho que o documentário retrata bem isso. Tem momentos ali que são mais hardcore no sentido de retratar uma realidade dele diferente, mas aquilo não deixa de ser uma verdade também, não deixa de ser algo que aconteceu e que está acontecendo. O Charlie Brown é pura emoção.

O Chorão era um grande amigo, era um cara que a gente teve momentos incríveis com ele. Tivemos nossas brigas também, a banda passa por várias transições de formação, mas nunca houve outro guitarrista que não fosse eu e o Marcão. Eu respeito muito os discos que ele gravou e ele respeita os que eu gravei. O lance do documentário era realmente retratar o que era, tinha um outro lado do Charlie Brown que tinha que ser mostrado. Eu respeito o que [o diretor Felipe Novaes] fez e acho bacana.

Marcão: Esse documentário foi a coisa que eu vi que mais chegou perto da realidade. O Charlie Brown foi uma banda que sempre teve um videomaker, um cameraman. A gente sempre teve isso desde o início. Foram pessoas que trabalharam com a gente, viajavam com a gente, tipo um Big Brother, o tempo todo filmando. O Chorão era um cara que não era bobo; obviamente, ele sabia que estava sendo gravado, sabia o que ele tinha que falar e tudo mais, como se comportar na frente de uma câmera. O documentário traz esse lado mais humanizado do negócio. Mostra o ser humano mais frágil também, mais suscetível a tudo o que aconteceu.

Eu achei muito válido também, foi o lance mais próximo da realidade que eu vi da banda até agora. Eu lembro que na época o Felipe me mandou o filme, eu o assisti antes dele ir para o cinema. Porque ele pediu a minha autorização também para poder usar, e eu falei que eu queria assistir antes porque como que eu vou autorizar algo sem ver o que vai rolar? É meio doideira, e ele mandou para mim e eu fiquei muito emocionado porque é também a história da nossa vida e foi uma montanha-russa. Teve coisas maravilhosas mas teve coisas tristes também, principalmente o final. Então, mexeu muito comigo, mas eu achei muito válido para mostrar esse lado mais humano…

TMDQA!: E humano não quer dizer necessariamente uma coisa bonitinha, mas que tem falha, com defeitos, né.

Marcão: É, eu acho que ele é forte e teve uma excelente repercussão justamente por isso, por ser verdadeiro. Talvez se fosse aquela coisa da história da Cinderela, aquele negócio muito maquiadinho… tem uma verdade ali, sabe? E não desmerece o trabalho da banda. Achei muito legal e foi um trabalho muito bacana que [o diretor] fez de pesquisa. E o Charlie Brown tem uma história maravilhosa, dá para fazer um filme só de romance, ou só de banda, ou só de treta . Dá para fazer aquela enciclopédia Barsa, uma de cada segmento! [risos]

Thiago: Existe a história do grupo que só pode ser contada por mim ou pelo Marcão, ou pelo Renato Pelado. Somos nós que estávamos ali desde o começo. Isso aí pode deixar com a gente que a gente vai fazer da melhor maneira possível e no momento certo!

TMDQA!: E eu queria entrar justamente nesse tema. Porque nesse projeto “novo” que é o Charlie Brown 30 anos vocês definiram um lema que é “respeitando o passado e eternizando o legado”. Eu queria que vocês falassem um pouco disso: o que é respeitar o passado e o que é eternizar o legado? São coisas, pelo que eu entendi, que vão além da música, né? Tem uma história, como você falou…

Thiago: Quando a gente vem com esse lance dos 30 anos — e é uma data histórica também por causa dos 25 anos do primeiro disco — e quando a gente fala sobre respeitar o passado e eternizar o legado é justamente isso, pois a banda continua muito viva hoje em dia. Nas plataformas digitais a gente é muito forte, é uma banda muito cultuada. O que a gente fala de respeitar o passado é respeitar tudo o que a gente passou, é respeitar todos os discos. E a gente eternizar o legado é o que a gente vem fazendo atualmente, a gente tentar levar a nossa música para o máximo de pessoas que a gente puder.

E as pessoas que não puderam assistir ao show no passado vão poder ver hoje, obviamente sem o Chorão e sem o Champignon, mas eles vão estar ali com a gente em espírito e no sentido de que, quando a gente está tocando as canções que a gente fez com eles, eles se tornam presentes pra gente ali naquele momento. Então, eu e o Marco temos um respeito muito grande pelo Charlie Brown Jr. e a gente tem um orgulho muito grande de ter feito parte disso.

O Marcão é conhecido como o Marcão do Charlie Brown, o Thiago Castanho é conhecido como o Thiago Castanho do Charlie Brown, e quando a gente sai na rua e as pessoas reconhecem a gente ou pedem autógrafo, ou querem falar, ou se emocionam, nossa, a gente fica muito feliz. Essa frase é nossa e ela sintetiza tudo o que a gente está fazendo agora. É isso que a gente quer fazer.

Marcão: O Charlie Brown acabou se tornando algo para além da música. Tem a questão da gente ir lá tocar, mas também tem a questão do lifestyle. É um estilo de vida, é uma banda que se mistura com a própria vida. As letras falam disso, as músicas falam disso, tem todo esse contexto. Isso que é legal, acabou se construindo algo em cima disso sem a gente pensar. Não foi algo programado, acabou sendo orgânico.

TMDQA!: Sei que é um assunto chato, mas queria aproveitar pra perguntar também como está a situação jurídica. Rolaram alguns problemas quanto à turnê, mas claramente os músicos estão todos alinhados, vocês estão tocando juntos. Então, assim, como está isso? Está de boa? Dá para falar? Não dá para falar? Como está?

Marcão: Isso aí, na verdade, está sub judice. Não se fala muito sobre isso e tal. O que eu posso te falar é que tudo o que está sendo feito, está sendo feito dentro da legalidade. Tudo o que a gente está fazendo a gente pode fazer, a gente tem autorização judicial para fazer. Então, a gente está fazendo de forma tranquila e tudo mais. Agora, aí detalhes e todas essas questões fogem do nosso controle. Não dá para dizer muito além disso. E é uma história que é legítima.

Eu e Thiago não somos pessoas que apareceram no meio do caminho e pegaram carona no carro e depois dissemos que o carro era nosso. Não, foi uma história que a gente construiu. É como se fosse um livro, que você vê a capa e depois vai ler o conteúdo do livro. É a nossa história de vida. Nós nos conhecemos lá atrás e os fãs sabem disso e estão aí com a gente, curtindo e se divertindo. Essa é a parte mais legal.

Qual o melhor disco do Charlie Brown Jr.?

TMDQA!: Bom, vamos voltar pro assunto legal! Queria agora a opinião de vocês porque recentemente a gente montou um ranking com os álbuns de vocês que chamamos de “do pior ao melhor”, mas, no texto, eu até brinquei que não dá para dizer que tem um pior disco do Charlie Brown. Isso não existe. É o mais melhor e o menos melhor, digamos assim. Eu que montei esse ranking e o meu top 5 ficou assim, em ordem crescente: Ritmo, Ritual e Responsa, 100% Charlie Brown Jr., Nadando com os Tubarões, Transpiração Contínua Prolongada e Preço Curto… Prazo Longo. Dá para passar ou foi absurdo? [risos]

Thiago: [risos] Rapaz, como eu te falei. O Preço Curto… Prazo Longo tem uma importância na nossa carreira por causa desse lance da passagem do primeiro para o segundo. A gente bota aqueles hits todos na rádio, a gente finca a bandeira e a gente fala. “Nós somos o Charlie Brown”. E aí todo mundo se pergunta sobre o que a gente vai fazer agora e a gente vem com “Zóio de Lula”, “Confisco” e “Te Levar”. Toda aquela história do Preço Curto. Na minha opinião, os três primeiros discos do Charlie Brown são clássicos. É que nem o Van Halen fala sobre o Led Zeppelin. Ele diz que do Led 1 ao Led 4 são todos clássicos. E, pelo amor de Deus, eu não estou querendo me comparar ao Led Zeppelin! [risos] Ou com o Van Halen! Mas eu vejo uma energia muito forte nesses três discos. E tem outros que eu gosto muito, até de uns que eu nem participei.

Eu gosto muito do Camisa 10 Joga Bola Até Na Chuva que foi um disco que eu gravei, o Imunidade Musical, gosto do Bocas Ordinárias que foi um disco que o Marco fez e eu acho muito foda. Eu gosto de todos os discos. Eu acho que a banda consegue contar uma história e até mesmo quem descobrir a banda agora vai ter uma viagem pelo primeiro, segundo, terceiro, quarto disco. Ele vai conseguir entender o que a banda é e chega no último… Marco pode até falar aí, mas os três primeiros são clássicos e, na minha opinião, o melhor disco da banda é o segundo, Preço Curto… Prazo Longo.

TMDQA!: Tamo junto!

Marcão: Eu acho que isso também tem a ver com a memória afetiva. Acho que conta muito, e conta até para mim, engraçado, né? Apesar de serem discos e tal, eu quando vejo e escuto, meio que volto no tempo e lembro o que eu estava fazendo na época, não só com a banda, mas na minha vida, situações, problemas que eu tinha e tudo mais. Então, eu acho que isso tem muito a ver com a memória afetiva.

E eu acho legal também que, de certa forma, cada disco do Charlie Brown tem uma cara diferente. Se você pegar o primeiro é de um jeito, o segundo é de outro, o terceiro é de outro, tem uma acentuação mais forte no Rap, o quarto é um disco mais sujo, mais Rock and Roll, enfim, por aí vai. Acho que isso foi muito legal também e acho que isso talvez tenha dado essa longevidade e esse frescor no som do Charlie Brown, porque talvez se fossem muito parecidos os discos um com o outro, poderia talvez trazer algum desgaste, algum cansaço.

Mas isso foi acontecendo naturalmente, foi uma coisa de estarmos absorvendo, estarmos antenados com o que a gente tava ouvindo também, e os discos foram saindo assim. Então, eu acho válido, acho que cada um tem uma visão.

TMDQA!: Agora, a polêmica toda que me fez ser xingado na internet foi por ter colocado o Bocas Ordinárias em último. Vou ser xingado aqui também? [risos] Algum tem que estar em último, pô!

Marcão: [risos] Não!

Thiago: Acho que o Bocas Ordinárias, é um disco que eu não participei mas é um disco que tem hits ali, né? Tem “Papo Reto”, “Só Por Uma Noite”, é um disco muito bem produzido, muito bem feito. É difícil. Eu acho que essa situação que você se colocou, Felipe, é uma situação bem complicada, meu amigo. [risos] Eu não tenho nem o que falar. O Marco pode completar aí. [risos]

Marcão: É, acho que não tem muito pra onde correr, né? Porque qualquer disco do Charlie Brown, se você colocar como último, vai ser meio, “Caramba, mas será?”. Porque todo disco tem uma história ali, como o Thiago falou, é um disco querido também pra gente… mas eu levo numa boa, eu não fico muito apegado a isso.

O Bocas, pra mim, foi um puta disco legal de gravar! Foi um momento muito bom da banda, lembrando a questão da memória afetiva, a banda tava crescendo pra caramba e ganhamos vários prêmios — tão até aqui atrás, os astronautas do VMA! [risos] Mas eu vejo tudo isso de uma maneira que, pô, cada um tem a sua preferência. O importante é que está ali, que existe, isso que é o mais legal!

TMDQA!: Então quando me xingarem eu vou falar que o Marcão e o Thiago passaram esse pano pra mim!

Marcão: [risos] Não!! Eu não acho que é o pior disco! Mas eu respeito o teu gosto, vai. [risos]

TMDQA!: [risos] Tá certo! Então, pra fechar, eu preciso realizar um sonho e fazer uma pergunta que eu sempre quis fazer. Estamos em 2022, 30 anos de banda… os caras do Charlie Brown vão invadir a cidade?

Thiago: Cara, o lance interessante que você tá falando é que, na verdade, a gente não tem intenção nenhuma de continuar com o grupo, de lançar qualquer coisa inédita sem o Chorão, sem o Champignon. O que a gente quer é, na verdade, levar a nossa música pro máximo de pessoas que a gente puder. Existem algumas coisas inéditas para serem lançadas que não dependem só da gente para serem lançadas, e na verdade eu tô muito feliz de estar tocando com o Marco depois de 10 anos.

Porque pô, cara, é muita saudade, né? Mas ao mesmo tempo eu acho que tudo tem o seu momento certo, se a gente não tinha feito até agora é porque estávamos esperando o momento certo pra fazer. Mas é importante a gente ressaltar isso porque muita gente acha que o Charlie Brown tem que continuar, e o Charlie Brown já continua. Independente do Marco e do Thiago, o Charlie Brown tá aí. O que a gente quer mostrar é que, cara, olha o Charlie Brown aqui. Olha quem tava lá atrás, no começo.

Porque o grande lance meu e do Marcão, cara, é a gente ter começado, a gente ter sido fundador do grupo. A gente não tinha grana pra nada, mal tinha dinheiro pra pagar uma demo tape, a gente batia na porta das gravadoras, a gente tocava em campeonato de skate e ficava debaixo do Sol por três, quatro horas, esperando pra tocar de noite. Foi um grande perrengue, sabe?

Mas o Charlie Brown, de uma certa forma, vai estar sempre invadindo a sua cidade, o seu lugar, o seu estéreo! [risos] Sempre.

TMDQA!: [risos] Que seja assim pra sempre. Gente, muito obrigado pelo papo, foi um prazer enorme. Tenho memórias muito gostosas com o Charlie Brown e foi maravilhoso trocar essa ideia aqui. Até a próxima!

Marcão: Pô, Felipe, bacana! Fico feliz também, acompanho sempre a página de vocês e acho muito legal, muito relevante poder estar levantando essa bandeira também. Foi legal demais nosso papo, tamo junto sempre aí! Obrigado, é nóis!

Thiago: Obrigado, Felipe! Tamo junto, meu irmão!