Morto nesta terça-feira (13) aos 91 anos, o cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard fez em 1967 um filme que o governo brasileiro adorou, e por isso mesmo censurou. A Chinesa foi considerada “uma verdadeira aula de comunismo” pela ditadura militar.
É o que mostra uma Ficha de Censura de 1968, documento em que o extinto Serviço de Censura de Diversões Públicas, ligado ao Ministério da Justiça, avaliava produtos culturais antes de autorizar sua veiculação no Brasil.
O texto faz uma análise do filme em que Godard, mestre da Nouvelle Vague, descreve um grupo de estudantes franceses que planeja ações terroristas baseadas no “Livro Vermelho”, de Mao Tsé-Tung.
Na ficha, a chefe do Serviço de Censura rasga elogios à técnica do cineasta, mas ressalta que é “totalmente prejudicial a exibição deste filme em nosso país” devido à sua causa.
O documento foi resgatado pelo diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho, autor de Bacurau (2019), Aquarius (2016) e outros sucessos, e você pode conferir a análise completa do Ministério da Justiça abaixo, bem como uma foto do documento original.
Ficha de Censura diz que Godard faz “cinema dos mais perfeitos”
Vale lembrar que, em dezembro daquele mesmo ano, a ditadura brasileira editaria o Ato Institucional nº 5, que institucionalizou a tortura, perseguição e assassinato de opositores do governo.
A vida de jovens estudantes universitários de Nanterre, integrantes de uma célula comunista, é retratada de forma crua. O relato de seu dia a dia, suas dúvidas entre a liha moscovita e a linha chinesa, sao revelados ao espectador de modo a impressioná-lo. O problema do Vietnã, que parece obcecar Godard, novamente nos é apresentado. As divergências filosóficas e de ação torpedeiam o espectador menos avisado.
Uma verdadeira aula de comunismo nos dá Godard com esta obra. Cinema dos mais perfeitos, porém sua causa é nos totalmente prejudicial. Inconveniente sobre todos os aspectos a exibição deste filme em nosso país, pois, quando mais não seja, ficará na mente do público assistente as mensagens visuais, as frases lançadas a esmo, todas formas de propaganda do regime comunista, que conforme é sobejamente conhecido prega a IGUALDADE SOCIAL, mas em seus governos o que se vê é exatamente o contrário, típico: “FAZE O QUE DIGO, MAS NÃO FAZE O QUE FAÇO”.
A montagem é de primeira, a técnica de Godard é indiscutivelmente das mais perfeitas. Mixagem e som dentro da classe do mestre do Cinema Novo francês.
NÃO LIBERADO por contrarias as normas legais vigentes em nosso país, dentro do que dispõe o Decreto nº 20.493, art. 41 (D e G).
Brasília, 24 de janeiro de 1968
Censor: Jacira G. Figueiredo de Oliveira – chefe da Seção de Censura
Censora Admiradora. O filme é incrível, tem que proibir. Brasil anos 60. pic.twitter.com/jjUn77ajMp
— Kleber Mendonça Filho (@kmendoncafilho) September 14, 2022