O ano era 1972 e os Novos Baianos cimentaram seu nome na história da música brasileira com aquele que era apenas seu segundo disco. Acabou Chorare virou um divisor de águas para a MPB numa época em que a Marcha Contra a Guitarra Elétrica – acontecida apenas 5 anos antes – ainda ressoava nos ouvidos.
Foi necessário um grupo ousado e desafiador como aquele formado por Baby do Brasil, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão e Moraes Moreira para mesclar o rock e a bossa, o samba e o baião.
O ano é 2023. Os Novos Baianos continuam na estrada. Entre idas e vindas, mudanças de formação e despedida de seus antigos membros, Baby, Pepeu e Paulinho seguem celebrando essa música por palcos que revigoram o repertório. O público é jovem e reverente dos 50 anos de influência de Acabou Chorare na música brasileira. As meninas dançam, os mistérios se dissolvem em meio ao swing do pandeiro, sempre tinindo e trincando.
Esse novo público vai participar de mais uma celebração dos Novos Baianos, dessa vez no palco do Coala Festival. O evento acontece nos dias 15, 16 e 17 de setembro no Memorial da América Latina, em São Paulo. O Coala combina artistas consagrados com novos talentos e encontros intergeracionais.
O lineup de 2023 inclui nomes como Jorge Ben Jor, Fafá de Belém com participação de Johnny Hooker, Letrux com Angela Ro Ro, o projeto BaianaSystem + Olodum (OlodumBaiana) e, é claro, o show Novos Baianos 50 Anos – que acontece no dia 16, às 20h20.
Além disso, o festival apresenta um palco dedicado à música eletrônica, o Club Coala, refletindo a diversidade musical presente no evento principal e recebendo coletivos como Speedtest, Selvagem e Tijolo.
A jovialidade destes Novos Baianos perdura, o que fica claro na conversa que tivemos com Baby do Brasil sobre o espetáculo e a carreira longeva do grupo. Confira logo abaixo!
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TMDQA! Entrevista: Baby do Brasil
TMDQA!: O show no Coala vem na esteira de toda uma celebração que os Novos Baianos vêm promovendo pelas cinco décadas de Acabou Chorare. Vocês caíram de cabeça nesse repertório tão emblemático. Revisitar as canções que fizeram na juventude mudou a forma como vocês as enxergam hoje?
Baby do Brasil: Revisitar as canções é como viver de novo cada momento juntos. A intensidade daqueles dias, que somados foram 10 anos, está em nós como um presente maravilhoso que ganhamos de Deus. Nos amamos e pagamos todos os preços necessários para estarmos juntos e produzirmos música o dia todo. Foi um desafio que nos moldou na arte de vencer as turbulências da estrada. Uma escola de música e vida.
Revisitar as canções tem sido extremamente revigorante, emocionante e importante para resgatar também qualquer tipo de esquecimento das influências que vieram através de nós para nossas vidas e para as gerações.
Produzimos juntos uma música gerada 24 horas por dia, onde vivemos como uma família e, as questões musicais se misturavam com as questões emocionais, espirituais, intelectuais, físicas, profissionais em todos os níveis, tendo como resultado uma experiência em família que não nasceu na nossa infância, mas nos encontramos no meio do caminho e começamos o desafio de viver juntos com o propósito de fazer de todos os dias um dia novo, feliz, vencedor, criativo, abençoado, tendo a música como um veículo, para deixar um legado onde a beleza das nossas raízes com as influências musicais de infância de cada um fizesse um som único e inesquecivelmente novo.
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TMDQA!: Os Novos Baianos sempre serão novos, atuais, modernos! Como é pra vocês dialogar com as novas gerações que continuam descobrindo seus álbuns e comparecendo aos shows?
Baby: É muito gratificante assistir esse fenômeno de estar sempre sendo descoberto pela juventude e ser sempre novo. Me sinto recompensada profundamente por toda a minha dedicação e imersão com o grupo durante uma década. É uma honra, um prêmio maravilhoso!
TMDQA!: Acabou Chorare é um dos pilares da música brasileira. Quando gravaram esse disco, vocês imaginavam que ele se tornaria um marco tão importante?
Baby: Quando percebemos que estamos gravando um disco que tinha verdade na música, na letra, nos arranjos, na melodia, nas vozes, nas interpretações, na amizade, na cumplicidade da vida, começamos a ter certeza que seria um marco na nossa carreira e desejamos juntos, com muito querer, que se tornasse um marco na história da música do Brasil, para brasileiros e para o mundo. Mas não tínhamos certeza de que isso iria acontecer realmente, pois durante muitos anos não éramos reconhecidos, mas, de repente, a semente nasceu. Booom! E os Novos Baianos, de semente saborosa virou um farto banquete, repleto de delícias de brasilidade!
A liberdade de criação sempre foi uma marca e foi assim que nasceu o nosso rock brasileiro, cheio de beleza, misturando o chorinho de Waldir Azevedo, com direito a cavaquinho, triângulo, afoxé, bumbo e pandeiro com a maravilhosa guitarra de Pepeu Gomes, e a explosão da bateria de Jorginho Gomes na nossa gravação de Brasileirinho, onde tive o privilégio de interpretá-la, após descobrir que havia uma letra cantada pela grande rainha do chorinho Ademilde Fonseca!
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TMDQA!: Tendo tocado juntos por tanto tempo, vocês ainda se surpreendem ao vivo, uns com os outros? O que ajuda a manter essa relação azeitada dentro e fora dos palcos?
Baby: Sim, quando nos juntamos, damos muitas risada, nos alegramos muito, porque as luzes do amor que nos uniu a tempos atrás, da amizade, do respeito, da ousadia de morarmos juntos, dividindo tudo para multiplicar, se acendem e, isso nos refrigera e renova trazendo uma alegria tão amorosa em nossos corações e, o sentimento do privilégio, de que tudo isso foi criado e vivido por nós, começando juntos, limpamos a casa juntos, repartindo nossos dinheiros, nossas comidas, dividindo tudo pra multiplicar! É muito forte!
Nos admiramos e acreditamos no nosso potencial.
Isso nos deu o respaldo para trazer para sempre o imenso respeito que temos um pelo outro e mantermos a nossa relação blindada, azeitada, polida e brilhante durante a nossa estrada. Viramos irmãos de verdade.
TMDQA!: Quando Acabou Chorare completou 50 anos, a Som Livre revelou que o álbum tem mais de 1 milhão de audições mensais nas plataformas e que houve um resgate do disco no auge da pandemia. O que você acha que levou as pessoas de volta a um disco tão seminal num momento difícil como aquele?
Baby: Sempre senti que, quando uma coisa é verdadeira, ela tem um peso diferente, algo bem Matrix, fala profundamente aos corações por si só. É delicioso ver que a música do Acabou Chorare é assim, ela é toda de verdade. Tudo nela nasceu com a gente tocando junto, morando junto, numa explosão musical 24hs! Todos tocando e cantando o tempo todo, com muito vigor, alegria e com muita fé de que tudo ia dar certo!
Cada instrumento que está naquela gravação, são os mais simples e os mais baratos do mercado, e alguns até colados com esparadrapo! Mas a forma que foram tocados, a maneira cheia de garra e energia, ficou impressa em todo o som, e quem ouviu na pandemia recebeu essa super energia pra lá de orgânica, de estar com o carrinho das delícias do caminho de casa, aberto para saborear! Uma overdose de alegria e vida que somada a um nível musical espetacular, produziu a melhor endorfina e encharcou todo mundo com a felicidade! Como fez e faz com a gente sempre! Novos Baianos Forever! ?